Por que motivo um país que não cresce, nem em população nem em PIB, precisa de mais casas? Queremos mais casas para quê? Sim, as casas estão caras, demasiado caras nas cidades, e expandir a oferta faria (pelo menos no curto prazo) os preços cair em Lisboa e no Porto, mas não deixa de ser absurdo num país que não tem dinheiro para mandar cantar um cego, hipotecar uma geração com empréstimos. Sobretudo quando nunca iremos construir o suficiente para baixar os preços e há outras soluções.
Os números interessam: entre 2000 e 2023 a população subiu 1,5%, apenas mais 150 mil indivíduos. E pior do que este crescimento populacional anémico é a sua causa: vive-se mal em Portugal. Não temos dinheiro. É por não haver dinheiro que os jovens emigram. É por não terem dinheiro que muitos trabalhadores aceitam condições abusivas nos seus empregos. É por não haver dinheiro que o desespero graça e somos dos países com maiores problemas de saúde mental entre os países ocidentais. É por não haver dinheiro que os jovens não saem cedo de casa dos pais. E é por não ter dinheiro que as famílias não têm filhos.
Perante este diagnóstico óbvio, a solução não é, não pode ser, um empréstimo a 30 ou 40 anos. A dívida exagerada não aumenta a disponibilidade de consumo e de investimento das famílias e consequentemente não fará a economia crescer. Como é que com mais dívida ficaremos mais ricos? Há aqui um ciclo vicioso de dívida, mais habitação e mais dívida. É uma lógica absurda.
Não conseguimos combater o BCE
Mesmo que conseguíssemos construir uma imensidão de casas, duvido que baixássemos o valor da habitação. A subida do preço da habitação acontece em todos os países ocidentais – não só em Portugal. O preço das casas está a subir na Austrália, na Roménia, nos Estados Unidos e um pouco por todo o lado. Há uma causa comum. Esta subida deve-se essencialmente às políticas dos bancos centrais. Estas autoridades monetárias têm, sobretudo desde o início do milénio, apostado numa política de juros baixos de forma a estimular o investimento e o crescimento dos países. Porém, ao invés de estimular a criação de empresas e a expansão das indústrias, os juros baixos têm empurrado as famílias para gastos cada vez mais elevados em habitação. Talvez possamos ver esta situação de outra forma: Quando as cadeias de abastecimento tiverem sido reconstruídas, o esforço de transição energética for mais previsível e a guerra esteja em gestão corrente, isto é, quando a inflação estiver controlada, os juros vão voltar a descer. E nessa altura temos de responder a esta questão: Queremos aproveitar os juros baixos para uma política de betão? Sendo ainda mais concreto: Quantas casas serão necessárias construir para baixar os preços de habitação se já temos mais casas por habitante que os outros países europeus?
E temos de confiar mais na banca
Além da dívida, da luta irrealista contra o banco central, há ainda um terceiro desafio a vencer para ter casas baratas nesta lógica de construção: temos de confiar no sistema bancário e nas suas políticas de concessão de crédito. É preciso dizer mais? O que as crises asiáticas dos anos 90, a bolha dot.com e a crise de 2008 nos ensinaram foi que quando o Estado está presente, dando garantias bancárias, a banca assume ainda mais riscos. Depois de tudo o que passamos nos últimos anos, sobretudo em Portugal, há quem ache que o Estado tem de suportar parte das dívidas de habitação e que desta vez o sistema financeiro irá estar à altura.
O nosso modelo de desenvolvimento não passa por dívida e não passa pela construção de casas. Porém, apesar de este não ser o remédio, o problema mantém-se: as casas estão caras, sobretudo nas cidades.
A solução está no urbanismo e no mercado de arrendamento
Defendo que o urbanismo é a chave para resolver muitos dos desafios sociais atuais. As cidades, com sua necessária escala, são fundamentais para assegurar serviços públicos de qualidade. Se conseguirmos reter e atrair população para o interior, reduziremos significativamente a necessidade de investimentos em habitação, aproveitando as residências existentes e os custos mais baixos dos terrenos e transações. E forneceremos serviços públicos mais eficientes e mais baratos. É necessário por isso repensar o desenvolvimento do país, aliviar o licenciamento e a fiscalidade de forma diferencial, por zonas.
Temos de voltar a construir função pública por administrações regionais, deslocalizando e construindo classes médias espalhadas pelo país – temos de reconhecer que a centralização do Estado em Lisboa e no Porto tem custos acrescidos e que não conseguimos antever. Claro que nem tudo serão rosas, inevitavelmente irão surgir construções desordenadas, monos e outros erros de planeamento – fazem parte – mas o que ganhamos enquanto sociedade (e com menor pressão no imobiliário) é maior do que o que perdemos pontualmente numa ou noutra situação.
Talvez se compreenda melhor o que quero dizer com a resposta às seguintes questões: As casas existem aonde são precisas ou onde queremos que existam? Melhor ainda: É mais difícil pôr toda a gente morar no centro das cidades ou mudar as empresas para a periferia ou mesmo para o interior?
Temos igualmente que nos consciencializar que cada casa vazia, em qualquer sítio do país, é um desperdício de recursos. As casas devem, por isso, rodar entre todos. Deve haver mais incentivos ao arrendamento do que a aquisição e a construção, forçando uma “correcta” escolha por parte dos diferentes agentes. Temos também de proteger mais os senhorios do que os inquilinos.
Temos de voltar a planear a cidade e o país. Não há respostas fáceis para problemas complexos.
* Agradeço ao João Miguel Ejarque pelos comentários que me fizeram refletir e ter a coragem de compartilhar o senso comum.