Um cidadão britânico de 73 anos morreu e 71 pessoas ficaram feridas depois de um avião da Singapore Airlines ter enfrentado “súbita turbulência extrema” na terça-feira, durante um voo que partiu de Londres com destino a Singapura e que teve de ser desviado para Banguecoque. O que acontece neste tipo de situação, quais são os riscos e o que mostram os dados e a investigação sobre turbulência? O Expresso preparou um conjunto de perguntas e respostas sobre o tema.
O que é a turbulência?
A turbulência é uma agitação caracterizada por movimentos súbitos de massas de ar. A “mais comum” é a orográfica, que ocorre em regiões montanhosas, explica ao Expresso o comandante da TAP na reforma, José Correia Guedes. Já em altitude, existem outros dois tipos: a turbulência térmica e a turbulência de ar limpo.
Na térmica verifica-se a formação de “nuvens verticais, que têm muita energia lá dentro”, mas que são “detetadas pelo radar do avião”, o que permite fazer desvios consoante as necessidades. Já a turbulência de ar limpo é “a mais perigosa” porque “não é previsível”. “Não conseguimos detetá-la. Aparece de repente, sem qualquer espécie de aviso”, diz o especialista, autor de vários livros sobre aviação.
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O que acontece numa situação de turbulência de ar limpo?
Este deverá ter sido o tipo de turbulência que afetou o Boeing 777-300ER da Singapore Airlines. Conforme a intensidade, classifica-se como ligeira, moderada, severa ou extrema. Pelo que se sabe até agora, José Correia Guedes aponta para que, neste caso, tenha sido extrema, algo que nunca experimentou em “quase 40 anos” de carreira.
“Os pilotos perdem o controlo do avião. O avião fica completamente descontrolado”, descreve. “Estes fenómenos ocorrem nas proximidades de correntes de jato, que são correntes muito fortes que aparecem na atmosfera, que frequentemente os aviões aproveitam para diminuir o tempo de viagem”, acrescenta.
Ao surgir “sem aviso”, tanto os passageiros como os pilotos são “apanhados desprevenidos”. Quem está em pé é projetado e, nessa circunstância, o risco de lesão é elevado.
O que devem fazer os passageiros?
A recomendação, que não constitui novidade, é que os passageiros se mantenham “sempre sentados e com os cintos de segurança apertados”, com exceção apenas para idas à casa de banho ou para desentorpecer as pernas. “Os pilotos levam sempre, durante todo o voo, os cintos de segurança apertados. Não há razão nenhuma para que os passageiros não façam o mesmo”, aponta José Correia Guedes.
Os aviões estão preparados?
“O avião aguenta perfeitamente, mesmo turbulência severa ou extrema, sem danos estruturais”, afirma o antigo comandante. “Os aviões estão projetados para aguentar este tipo de fenómenos, com esta intensidade e muito mais. Não há risco de desintegração.”
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Os incidentes relacionados com turbulência são comuns?
Nos Estados Unidos, a turbulência foi responsável por mais de um terço de todos os incidentes aéreos entre 2009 e 2018. A maioria causou um ou mais feridos graves, mas sem danos nas aeronaves, segundo o National Transportation Safety Board. Já entre 2009 e 2022, ficaram feridas com necessidade de tratamento hospitalar por pelo menos dois dias 163 pessoas – a maioria assistentes de bordo, com risco particular por ser mais provável estarem fora dos lugares durante o voo.
Situações fatais são extremamente raras: o último acidente fatal relacionado com turbulência registado na base de dados da consultora Cirium, especializada em dados de aviação, ocorreu em 1997 com um Boeing 747 da United Airlines, de acordo com a Reuters. “Há muitos anos que não há uma catástrofe, um acidente aéreo provocado por turbulência”, sublinha José Correia Guedes.
A turbulência tem vindo a aumentar?
Os céus que os aviões atravessam são mais turbulentos atualmente do que há quatro décadas, concluiu um estudo de investigadores da Universidade de Reading publicado há um ano. O trabalho mostra que a turbulência de ar limpo aumentou em várias regiões do mundo.
No caso do Atlântico Norte, uma das rotas de voo mais movimentadas a nível global, a duração total anual da turbulência severa aumentou 55%, passando de 17,7 horas em 1979 para 27,4 horas em 2020, segundo a investigação. A turbulência moderada aumentou 37%, de 70,0 para 96,1 horas, e a turbulência ligeira cresceu 17%, de 466,5 para 546,8 horas.
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Qual o papel das alterações climáticas?
A equipa responsável pelo estudo afirma que as subidas são consistentes com os efeitos das alterações climáticas. O ar mais quente resultante das emissões de CO2 está a aumentar o cisalhamento do vento nas correntes de jato, reforçando a turbulência de ar limpo no Atlântico Norte e a nível mundial.
“Após uma década de investigação que demonstrou que as alterações climáticas irão aumentar a turbulência de ar limpo no futuro, dispomos agora de provas que sugerem que o aumento já começou. Deveríamos investir em melhores sistemas de previsão e deteção de turbulência, para evitar que o ar mais agitado se traduza em voos mais turbulentos nas próximas décadas”, afirmou o professor Paul Williams, um dos autores da investigação, na altura da publicação.
O especialista referiu, já nesta terça-feira, que as mais recentes projeções apontam para uma “duplicação ou triplicação da turbulência severa nas correntes de jato nas próximas décadas, se o clima continuar a mudar como esperado”.