Se é certo que será na Geórgia que há provas da mais antiga produção de vinho do mundo – 8 mil anos, foi em Espanha que acabou de ser encontrado o próprio vinho mais velho. Foi documentado em Carmona, Sevilha, no coração da antiga província romana de Bética, o vinho mais antigo do mundo — tudo aponta para que tenha à volta de dois mil anos, ultrapassando uma garrafa de vinho Speyer descoberta em 1867 e datada entre 325 e 350 d.C. que se encontra exposta no Museu Histórico de Palatinado, na Alemanha.
A história, contada pelo jornal El País, foi revelada pela Universidade de Córdoba, onde em 2019 foi descoberto num túmulo romano e desenterrados os objectos que terão feito parte de um ritual fúnebre de dois homens e duas mulheres de identidade desconhecida. Os restos mortais de um dos homens foram submersos num líquido dentro de uma urna de vidro. E este líquido, que com o tempo adquiriu um tom avermelhado, foi assim preservado desde o século I d.C. A equipa do Departamento de Química Orgânica da Universidade de Córdoba, liderada pelo professor José Rafael Ruiz Arrebola, em colaboração com a Câmara Municipal de Carmona, identificou-o agora como o vinho mais antigo descoberto até à data.
Segundo os especialistas, para a preservação do líquido durante dois mil anos terão valido as condições de conservação do túmulo, que durante todo esse tempo se manteve intacto e bem vedado.
O desafio da equipa liderada pelo professor catedrático passou precisamente por perceber se o líquido era ou não vinho por este já ter “perdido muitas das suas características essenciais”. Para isso, a universidade recorreu a uma série de análises químicas, realizadas no Serviço Central de Apoio à Investigação, entretanto publicadas no Journal of a Archeological Science: Reports.
Acredita-se que o vinho em questão é branco, dada a ausência de um polifenol específico, mas, apesar disso — e de esta tipologia de vinho estar de acordo com as fontes bibliográficas, arqueológicas e iconográficas —, a equipa esclarece que o facto de o referido ácido não estar presente pode dever-se à degradação com o passar do tempo.
O mais difícil tem sido determinar a origem do vinho, uma vez que não existe nenhuma amostra da mesma época que sirva de comparação. Ainda assim, os sais minerais presentes no líquido do túmulo são consistentes com os vinhos brancos que se produzem actualmente no território que pertencia à antiga província de Bética, especialmente com os de Montilla-Moriles.
“O facto de o vinho cobrir os restos mortais de um homem não é coincidência”, pode ler-se no estudo. “As mulheres na Roma Antiga foram durante muito tempo proibidas de provar vinho. Era uma coisa de homens”. E as duas urnas de vidro no túmulo de Carmona são um exemplo da divisão de género da sociedade romana. “Se os ossos de um dos homens estavam imersos em vinho junto com um anel de ouro, os restos mortais de uma mulher não continha uma única gota de vinho, mas sim três jóias de âmbar, um frasco de perfume e restos de tecidos cujas primeiras análises parecem indicar que se tratava de seda.”
O vinho, assim como os anéis, o perfume e outros elementos faziam parte de um enxoval funerário que acompanharia o falecido na sua viagem para o além.