“A África está a distanciar-se do Ocidente por causa de Gaza e por muitas outras razões, incluindo a escravatura, a ocupação, o colonialismo, a imigração. Mas as pessoas estão a olhar para o que está a acontecer em Gaza e isso mina a confiança das pessoas neste sistema internacional baseado em regras”, afirmou, em declarações à agência Lusa durante uma visita a Londres.
Hafed Al-Ghwell é atualmente diretor executivo da Iniciativa Norte de África no Instituto de Política Externa da Escola Paul H. Nitze de Estudos Internacionais Avançados (SAIS) da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos.
Antes desta posição, foi consultor especializado em acompanhar a economia e política de países do Médio Oriente e do Norte de África.
Segundo Al-Ghwell, o conflito em Gaza “expõe a mentira” e leva muitas pessoas, incluindo africanos, a questionar a ordem internacional baseada em regras que defende os direitos humanos, direitos civis, direitos dos refugiados e leis humanitárias.
“As pessoas estão agora a perguntar: o que aconteceu a tudo isso contra alguém como [o primeiro-ministro israelita Benjamin] Netanyahu e o seu Governo? Porque é que os Estados Unidos e a Europa impuseram sanções à Rússia e não fizeram o mesmo com Netanyahu? As pessoas não são estúpidas”, avisou.
Este analista considera que “o ponto de viragem já foi ultrapassado: os Estados Unidos e o Ocidente em geral perderam África” para a Rússia e a China, que “são mais eficientes devido à sua política transacional”.
“Eles não nos fazem discursos sobre direitos humanos e democracia. Basicamente, dizem: eu faço isto por ti e tu fazes isto por mim, mas não me interessa o resto. A Rússia não tem dinheiro para influenciar financeiramente África, por isso está a usar o poder militar. A maioria dos países africanos está em dívida com a China porque mais ninguém lhes quer dar um bom financiamento”, explicou.
Al-Ghwell refere que a Rússia estabeleceu recentemente uma base naval na Líbia, o que representa uma ameaça devido a proximidade à Europa, e continua a expandir-se “em partes do mundo que eram tradicionalmente espaço europeu e americano, como o Norte de África e a África Subsariana”.
Em abril, os governos de São Tomé e Príncipe e da Rússia assinaram acordos de cooperação técnico-militar que preveem, entre outros aspetos, a deslocação de navios e aviões de guerra ao arquipélago.
Recentemente, o Presidente angolano, João Lourenço, manifestou o desejo de “estreitar” as relações históricas de amizade com a Rússia, país que pretende visitar em 2025.
“A Rússia precisa de todos os amigos que puder ter porque está sob sanções muito severas e está a tentar contorná-las de todas as formas possíveis. Quanto mais aliados tiver, melhor será a sua situação”, salientou o analista líbio.
Hafed Al-Ghwell avisou para o risco de o resultado das eleições para o Parlamento Europeu, que elegeram uma maioria de deputados de direita, distancie ainda mais os dois continentes por causa da questão da migração.
“Os políticos europeus estão a usar isto como uma questão de imagem. Estão a brincar com a ideia de que quanto mais duros forem, melhor”, lamentou.
Porém, o analista urge os países europeus a não abordarem o problema apenas do ponto de vista da segurança, mas a fazê-lo “de uma forma racional”.
“O mundo precisa de lidar com o problema, quer queira quer não, porque ele vai aumentar. As alterações climáticas, a instabilidade, a procura de oportunidades económicas a deslocarem-se”, vincou.