O chef João Marreiros faz tudo sozinho: recolhe pedras, apanha algas e ervas aromáticas, faz a manteiga, o pão, longas maturações e fermentações, produz o azeite, compra peças inteiras de animais e desmancha-as na própria quinta, confeciona e serve à mesa um menu de 11 momentos. Qual é o menu? Não há! Porquê? “Porque só usamos os ingredientes mais frescos e de melhor qualidade. Para o fazer, criamos tudo de raiz. Diariamente. Assim criamos uma verdadeira experiência. Só para si.” Palavras de João Marreiros que lidera o Loki, um pequeno restaurante de apenas seis lugares, em Portimão, que recebeu o prémio Sustentabilidade 2024, atribuído pelo Guia Boa Cama Boa Mesa, com apoio do Recheio. Este projeto algarvio, inaugurado em finais de 2019, foi um dos 10 restaurantes por se destacarem “na defesa e promoção da sustentabilidade no turismo, fazendo um uso adequado dos recursos ambientais, respeitando a autenticidade sociocultural das comunidades e assegurando que as atividades económicas sejam viáveis no longo prazo.”
Customizadas por artistas locais, as loiças têm formas e cores significantes. Já os pratos servidos no menu de degustação do restaurante Loki revelam uma vincada “impressão digital” e apenas obedecem à vontade de despertar emoções. “O que faz este restaurante especial? Tudo.” Garante João Marreiros que promete “uma experiência culinária íntima e autêntica, enquanto explora os seus sentidos numa viagem através de sabores e receitas locais com uma refinada técnica”. Na verdade, o chef prefere o gozo do processo mais difícil, artesanal. Investiga e dá a conhecer espécies autóctones, algumas quase extintas. Cinge-se ao Algarve – do mar à ria, campo e serras – na busca de produto, vinhos, inclusive, com exceção do café colombiano, que é tostado em Aljezur. As “Papas de tomate com crocante de milho e polvo maturado”, o “Arroz de gamba vermelha do Algarve”, a reinterpretação do natalício “Peru com castanhas” e ainda a memorável “Esmagada de batata-doce assada do Rogil”, com estufadinho de feijão-verde, chouriço de javali, tomilho-do-mar da Costa Vicentina e moreia frita, dão vontade de regressar o quanto antes.
O restaurante Loki (Rua Vasco Pires, 6, Portimão Tel. 962109656) funciona apenas por reserva, de terça-feira a sábado, ao jantar. Serve um menu de degustação de 11 momentos (€111), sem ementa anunciada.
“O objetivo é tentar projetar alguma emoção, fazer as pessoas sentirem o coração a bater um bocadinho”
No final de 2020, e para assinalar os 20 anos de publicação ininterrupta do Guia Boa Cama Boa Mesa, o Expresso deu a conhecer “20 chefs que vão dar que falar”, no presente e no futuro próximo, ajudando a promover uma nova visão da gastronomia portuguesa, em que os produtos nacionais são estrelas em cada ementa, cada vez mais atenta a questões como a sustentabilidade, sazonalidade e combate ao desperdício alimentar.
Entre os chefs que integraram o projeto está João Marreiros: Dá passos firmes, aponta aos bagos de aroeira e aromas silvestres. Atravessa charcos e recorda as lontras que espreitam nas ribeiras pelo inverno. Generoso, desvenda segredos como a “pedra azul” e sela o passeio com uma pitada de magia nas termas da Fonte Santa da Fornalha. Estamos no concelho de Monchique, terra que viu nascer o chef João Marreiros, de 35 anos. Segunda-feira é dia de pesquisas: pode ir apanhar ervas, tomilho-do-mar, algas, conhecer um produtor e respetivo trabalho ou ficar a ouvir os antigos num tasco. Tudo isso importa nesta cozinha de terroir feita com produtos do Algarve, vinhos incluídos. João não trabalha com fornecedores “a quem não aperte a mão”. Nas paredes do restaurante, o Loki (seis lugares), em Portimão, penduram-se representações da vaca e cabra algarvias, do seu cão Loki a segurar um copo de tinto e do deus Loki, da mitologia nórdica, junto a uma inscrição que significa: “Nesta cozinha cozinhamos com caos”. Aqui faz-se tudo de raiz, até porque a dificuldade é desafiante. O frigorífico é igual aos de casa e as fermentações potenciam o sabor e ajudam a conservar. O ingrediente “entra em bruto”, João faz o pão no Loki e o porco é adquirido à peça e desmanchado na quinta de Aljezur. Outras proteínas podem ir do javali à fraca e ao sargo, sendo os peixes maioritariamente apanhados à cana.
Boa Cama Boa Mesa
Leia também
O chef liga a música, acende o incenso, dá a provar, confeciona e serve sozinho, exclusivamente ao jantar, um menu surpresa de 11 pratos, conforme o que há de mais fresco. Para si, o preparo funciona como uma “meditação”… Deseja mostrar “um pouco da nossa cultura” e produto, que aos clientes revelem autenticidade e “tentar projetar alguma emoção, fazer as pessoas sentirem o coração a bater um bocadinho”. É com essa intensidade que João Marreiros, de olhar curioso e personalidade forte, desencanta naturalmente três atos de bravura gastronómica em loiça customizada. Um sashimi de barriga de robalo marinada em shoyu caseiro de laranja, sobre um crocante de gamba da costa e talo de bananeira fermentado, terminado com redução e zest de laranja. A excelência do inhame selvagem com puré de inhame assado, cebola, chouriço de javali e tomilho-do-mar. No topo o prato apresenta choco e pele de abrótea frita em banha de porco. A fechar, espuma de damasco fermentada e noz aberta ao momento.
O Guia Boa Cama Boa Mesa 2024, com cerca de mil sugestões de alojamentos e restaurantes, conta com o apoio do BPI e do Recheio, e está disponível nas bancas, por €19,90. Pode também reservar através da Loja Impresa.