O Governo deve promover políticas públicas para reforçar o apoio social às empresas e à economia. Esta é uma frase que não existe no Programa do Governo apresentado esta quarta-feira, no entanto, contém as 10 palavras (e seus derivados) mais utilizadas no documento de 185 páginas.
“Pública” (e outras formas como “públicas”, “público” e “públicos”) surge quase 250 vezes, mas a que se refere?
Refere-se essencialmente a “Administração Pública” (30 vezes) e surge em textos introdutórios, nos quais se pode ler, por exemplo, que o “funcionamento da Administração Pública é prioridade para o Governo”, mencionando, ainda, que “as políticas de emprego público devem ser concebidas tendo em conta o nível de serviço que se pretende prestar aos cidadãos, empresas e outros, mas devem igualmente ter em conta as necessidades e ambições dos trabalhadores da Administração Pública”.
Ainda assim, surge também em 15 medidas, como é o caso das duas seguintes: “Progredir na digitalização, desmaterialização de processos, desenvolvimento tecnológico, reforço da cibersegurança, e integração de ferramentas de inteligência artificial na Administração Pública” e “Simplificar, concentrar e responsabilizar a interface da relação entre a empresa e a Administração Pública”.
Pode também ler-se 17 vezes a expressão “políticas públicas”, nove das quais em textos introdutórios das secções do programa. Seguem-se algumas das oito medidas que referem “políticas públicas”:
- Alargar a representação no Conselho Nacional do Desporto ao Conselho Nacional de Associações de Profissionais de Educação Física e Desporto e à Sociedade Portuguesa de Educação Física, de modo a reforçar o papel da disciplina e dos docentes de Educação Física no debate das políticas públicas para o Desporto;
- Criar o Observatório do Desporto, envolvendo a academia, entidades desportivas nacionais e a administração pública, com a missão de habilitar as definições e implementação de políticas públicas e as tomadas de decisão multissetoriais dos agentes e entidades desportivas;
- Desenvolvimento da coordenação política e do “CENTRO DO GOVERNO” por transformação da Presidência do Conselho de Ministros e agregação de serviços 71 dispersos em unidades, serviços, direções gerais e inspeções, relativamente às tarefas de coordenação de políticas públicas; agregação, aquisição e desenvolvimento de centros de competências de excelência de apoio ao Governo, para avaliação de políticas e inspeções de desempenho;
- Desenvolvimento de Centros de competências de excelência de apoio ao Governo que agreguem ou coordenem os vários recursos e gabinetes de estudos e prospeção, de avaliação de políticas públicas, e serviços especializados como os jurídicos e de compras públicas, com vocação de substituir a abundante e onerosa contratação de serviços técnicos externos;
- Implementar uma cultura e prática de sistemática Avaliação de Políticas Públicas, incluindo por entidades privadas ou públicas independentes;
- Adotar políticas públicas que reconduzam Portugal a uma tendência de descida no défice tarifário;
“Confiar nas escolas públicas” também surge no programa, lendo-se que é “urgente devolver à Educação e à Escola Pública” e “redefinir o papel do Ministério da Educação, Ciência e Inovação atribuindo responsabilidades de regulador e não de decisor sobre o funcionamento de todas as escolas públicas”.
O que pretende o Governo “promover”?
“Promover” surge 118 vezes, contudo, outras versões da palavra aparecem, como é o caso de “promovendo” (34) e “promoção” (30), totalizando — com estas e outras palavras semelhantes — 213 aparições. Mas afinal, o que quer o Governo “promover”?
“A cooperação”, “a natalidade”, “o empreendedorismo”, “a participação da diáspora”, “o desporto e a atividade física”, as “novas tecnologias”, “as condições para sustentar o aumento do salário”, “a igualdade entre mulheres e homens no trabalho”, “cidades amigas do envelhecimento”, “a formação e qualificação dos gestores”, “o turismo sustentável”, mas a lista continua.
Entre as medidas que querem “promover” surgem, por exemplo, as seguintes:
- Promover o combate ao bullying e exclusão social de crianças e jovens LGBT+;
- Promover ações de promoção dirigidas a raparigas de modo a incentivar a prossecução de estudos e carreiras na área da ciência e tecnologia, diminuindo as clivagens entre homens e mulheres no setor;
- Promover iniciativas de prevenção e combate à violência no namoro;
- Promover o reconhecimento internacional da língua portuguesa: apoiar ativamente a elaboração e implementação de uma estratégia concertada junto da CPLP para que o português seja reconhecido como língua oficial da ONU até 2030, promovendo a língua como um veículo eficaz de comunicação global;
- Promover as candidaturas de portugueses a cargos nas Organizações Internacionais e valorizar e apoiar as suas respetivas progressões de carreiras;
- Promover maior concorrência do serviço ferroviário atualmente prestado pela CP e reforma do governo do setor ferroviário;
- Promover as sinergias e complementaridades entre os fundos da Política de Coesão, da Política Agrícola Comum e do Mar;
- Promover a diversificação e a inclusão dos públicos, garantindo que as atividades culturais chegam a todos os segmentos da população, especialmente aos mais vulneráveis e desfavorecidos, e que respeitam a pluralidade de expressões e valores culturais;
“Segurança Social”, “Comunicação Social” e “coesão Social”
“Social” aparece 134 vezes, ao qual se acrescenta “sociais” (53). Realça-se que “social” aparece 23 vezes associado a “Segurança Social”, oito a “coesão Social” e sete a “Comunicação Social”, “Concertação Social”, “inclusão social” e “sector social”. “Segurança Social” e “Comunicação Social” têm seções próprias.
Na secção “Segurança Social e Apoios Sociais”, é definido o “objetivo do Governo caminhar para um sistema de Segurança Social que seja uma forte rede de segurança”, realçando que “o sistema de Segurança Social deve ser mais simples, transparente e eficiente, mas também mais justo, mais inclusivo e universal”. Além disso, o programa diz que se “deve reforçar a sustentabilidade das instituições de segurança social”. Como medidas constam:
- A diversificação das fontes de financiamento do Sistema de Segurança Social Previdencial. Junto dos cidadãos, deve ser incentivada a poupança a médio e longo prazo, através de esquemas complementares de reforma, ao nível das empresas e das pessoas;
- Melhoria do papel da gestão de ativos, preparando a Segurança Social pública para gerir fundos de capitalização de adesão voluntária, em competição com o setor privado e mutualista.
- Implementar maior fluidez no sistema da Segurança Social para que ninguém fique desprotegido por ineficiência operacional do mesmo.
- Definir um compromisso plurianual entre o Governo e o setor social e solidário com verbas fixadas de modo transparente, previsível, dando segurança à tesouraria das Instituições;
Em relação à unidade intitulada “Comunicação Social e Combate à Desinformação”, o programa refere que o “setor dos média vive enormes desafios, em resultado de mudanças profundas na organização do espaço público e informativo”. Desse modo e com “sentido de garantir a pluralidade, independência e sustentabilidade de uma comunicação social livre, em benefício de uma cidadania informada, aumentando o nível de confiança dos cidadãos nas instituições democráticas, nos meios de comunicação e nos agentes políticos”, o Governo propõe, por exemplo:
- Avaliar a possibilidade de criar uma dedução no IRS de despesas com órgãos de comunicação social e introduzir modelos de incentivo ao consumo de conteúdos de órgãos de comunicação social;
- Rever a Lei de Imprensa, ouvindo as empresas do setor, de forma a corrigir o seu anacronismo (face às profundas transformações da sociedade e do impacto das plataformas digitais);
- Clarificar a situação da agência Lusa e resolver o impasse na sua estrutura acionista de forma equilibrada, imparcial e envolvendo todos os agentes do setor;
- Encorajar os meios de comunicação regional e local;
- Estimular a criação e o reconhecimento de plataformas de verificação de factos (factchecking), que possam contribuir para a validação, a contextualização e a correção da informação que circula nas redes sociais e nos meios digitais;
- Desenvolver uma estratégia nacional de educação e de literacia mediática, que envolva o sistema educativo, as universidades, as bibliotecas, as associações e as organizações da sociedade civil, e que promova o desenvolvimento de competências críticas, analíticas e criativas dos cidadãos, em relação aos meios de comunicação e à informação.
Um “reforço” das camas no Ensino Superior ao “acesso das vítimas à justiça”
“Reforçar” surge 103 vezes e é acompanhado por “reforço”, “reforçando” e outras formas verbais do verbo, surgindo assim 183 vezes.
A primeira vez que aparece ao longo das 185 páginas é numa medida dirigida aos jovens: ”Reforçar a oferta de camas no ensino superior, seja por via de residências estudantis, seja por via do aproveitamento da capacidade instalada existente nos sectores público, privado e social”.
Já a última vez que aparece é para falar na necessidade de “reforçar o acesso das vítimas à justiça e o direito a uma proteção adequada, como resposta direta às necessidades específicas das vítimas de violência contra crianças, entre Homens e Mulheres, contra idosos e de violência doméstica”.
No entanto, aparece mais 101 vezes como é o caso de:
- Promover iniciativas no sentido de reforçar os mecanismos de fiscalização da desigualdade salarial entre homens e mulheres;
- Reforçar as ações de formação profissional tendo em conta as necessidades e especificidades do território, qualificando a mão de obra;
- Reforçar a eficiência hídrica;
- Reforçar o papel de Portugal ao nível da cooperação internacional, em especial no quadro da Convenção das Nações Unidas para a Diversidade Biológica, face à crise ecológica que está a levar ao desaparecimento acelerado de muitas espécies e habitats naturais, requerendo ação mais articulada entre Estados.
- Reforçar os meios da Rede Nacional de Bibliotecas Públicas, da Rede Nacional de Bibliotecas Escolares e das bibliotecas de investigação, assegurando quadros de pessoal e políticas de aquisições e promovendo a sensibilização de públicos adequados à sua missão.
- Reforçar a autoridade das forças de segurança e defender o agravamento do quadro sancionatório penal nos crimes praticados contra os agentes das forças de segurança;
- Reforçar o Investimento nos centros públicos de PMA (Procriação Medicamente Assistida) em recursos humanos, equipamentos e espaços físicos.
“Empresas” surgem mais no plural
“Empresas” surge 118 vezes no plural e 10 no singular, havendo, ainda, espaço para uma referência a “microempresas”. Já “empresarial” aparece 29 vezes, sete “empresariais” e duas vezes lê-se “empresários”.
Apesar de “microempresas” só ter sido escrita uma vez, o programa reconhece que o “sector empresarial” é “dominado por microempresas (que constituem mais de 90% do tecido empresarial”.
É para falar de empresas que surgem também palavras como “trabalho” e “emprego”, em medidas como:
- Promover, em sede de concertação social, um processo de diálogo sobre as matérias da segurança e saúde no trabalho tendente à negociação de um acordo de concertação que suporte a Estratégia plurianual nesta área.
- Equacionar a criação de benefícios fiscais, no âmbito da revisão do respetivo regime, para empresas que criem programas de apoio à maternidade e paternidade, como creches no local de trabalho para filhos de colaboradores, que contratem grávidas, mães/pais com filhos até aos 3 anos, horários flexíveis e outros benefícios que facilitem a vida familiar dos funcionários, contribuindo para mudar a cultura de “penalização” de progenitores pelos empregadores;
- Recuperar o programa JTI – Jovens Técnicos para a Indústria, desenvolvendo com o apoio dos Centros Tecnológicos Sectoriais, programas de incentivo à integração dos nossos jovens licenciados, nas áreas científicas, tecnológicas e de gestão, nas empresas portuguesas;
- Rever o enquadramento legal atualmente existente em matéria de paridade entre homens e mulheres nos órgãos de administração de empresas públicas e sociedades cotadas, bem como nos cargos dirigentes da Administração Pública;
- Fomentar a criação de cátedras de índole empresarial que promovam uma forte ligação entre a Instituição de Ensino Superior e de Investigação e as empresas, tanto no ensino como na investigação científica.
Um programa que aposta em “garantir”
Neste documento também se recorre ao verbo “garantir” (79 vezes) e ao seu gerúndio 27. Mas afinal que “garantia” (15) e “garantias” (sete) se podem ler?
Os mais jovens terão, por exemplo, uma “garantia Pública para viabilizar o financiamento bancário da totalidade do preço de aquisição” de habitação própria. Já sobre o arrendamento, propõe-se uma “manutenção, enquanto o mercado não estabiliza, de subsídio de renda dinâmico que garante uma comparticipação às famílias com taxas de esforço elevadas”.
O programa refere, também, que “é essencial garantir a acessibilidade a infraestruturas de serviços digitais em todo o território em condições de elevada qualidade e segurança, promovendo a inovação e sustentabilidade destes serviços”.
“Garantia” surge, pelo menos, quatro vezes no que toca à secção “Coesão Territorial e Descentralização”, em medidas como:
- Aperfeiçoar e aprofundar o sistema de transferência de competências para as autarquias locais, nas diversas áreas de descentralização, assegurando meios financeiros, incentivos, garantia de qualidade, coesão territorial e igualdade de oportunidades.
- Garantir mais participação das autarquias locais e suas associações na definição de políticas públicas de base local;
- Garantir celeridade nos processos de aprovação e revisão dos diferentes instrumentos de planeamento territorial, incluindo os regimes de salvaguarda;
- Garantir que os Municípios concluem os procedimentos de alteração ou revisão dos seus PDM.