O financiamento da ciência tem vindo a prejudicar seriamente o desenvolvimento da investigação fundamental e este é um assunto que devia preocupar os candidatos às eleições europeias (e que eu gostaria de ver referido nos debates). Os modelos de concurso para projetos científicos têm privilegiado a investigação aplicada, vendo-se os cientistas obrigados a demonstrar os impactos dos seus projetos na sociedade, na economia ou no desenvolvimento. Estes instrumentos de acesso a fundos baseiam-se no desenho que tem vindo a ser traçado há vários anos pelas instituições europeias, penalizando áreas de investigação que não têm reflexos imediatos na indústria, como as humanidades, as ciências sociais e os estudos artísticos, e até todas as áreas das ciências exatas e da vida que visam apenas responder à curiosidade dos cientistas, como tão bem tem demonstrado o Neurocientista Jorge Almeida, da Universidade de Coimbra. Constrangidos pelas políticas europeias, os sucessivos governos nacionais replicam estas lógicas nos concursos promovidos pelas agências de financiamento de ciência.
Não haverá provavelmente nenhuma aplicação da ciência que hoje conheçamos que não tenha nascido de uma qualquer questão que hoje seria considerada inútil aos olhos de quem desenha as políticas europeias de financiamento da ciência. Posso dar um exemplo simples da minha área de investigação. Hoje temos instrumentos finos de aplicação em contexto de terapia da fala, para crianças com perturbações de desenvolvimento da linguagem ou para doentes afásicos na sequência de AVCs ou outras patologias, porque, durante mais de 50 anos, houve linguistas que simplesmente quiseram perceber como funcionam as orações relativas, a diferença de comportamento entre o complemento direto e o sujeito nas frases interrogativas, a estrutura interna dos pronomes ou a forma como se organizam sequências textuais. Foram necessárias décadas e décadas de estudo sem preocupação em aplicação para que alguém percebesse que aquilo que se estudava até podia ser usado para melhorar a vida de outros.
A Beautiful Question: Finding Nature’s Deep Design é um livro maravilhoso, que deixo como sugestão de leitura aos candidatos às europeias. O seu autor, Frank Wilczek, prémio Nobel da Física, mostra, com inúmeros exemplos, que conceitos como simetria e harmonia, que caracterizam a natureza, estão na base do fascínio que guiou o interesse de matemáticos, físicos e outros cientistas na sua forma de questionar e observar o mundo. De uma forma raramente usada na divulgação científica, Wilczek convence-nos de que o conhecimento que temos hoje não teria sido atingido, se não tivesse havido sempre um fascínio pela beleza que desafiou vários pensadores. Se hoje temos telemóveis com tecnologia de ponta no bolso ou vacinas que nos salvam de pandemias, temos de agradecer aos filósofos que, na antiguidade, se maravilharam com uma qualquer pergunta que não salvava vidas no imediato e, muito menos, tinha um retorno financeiro no curto prazo.
A capacidade de nos deslumbrarmos e de nos interrogarmos, de simplesmente querermos saber, porque estamos curiosos, é fundamental para a construção de conhecimento no futuro. Para isso, é preciso acreditar e alimentar a investigação fundamental e fomentar e financiar a arte enquanto instrumento de desinquietação e trampolim para o pensamento divergente.
Recomendo a leitura deste livro aos candidatos às eleições europeias, porque esta não é uma questão menor para a Europa que queremos construir. Se a investigação fundamental e a arte não continuarem a pulsar na Europa, estamos a afundar-nos no utilitarismo enquanto eixo estruturante da União Europeia. E esse nunca é um bom caminho. Os direitos fundamentais dos cidadãos nunca foram conquistados à custa de visões limitadas e assentes num potencial retorno financeiro. Para abolir a escravatura ou a pena de morte, para dar direitos às mulheres, foi mais influente a filosofia do que a química aplicada, foi mais importante a literatura do que a engenharia. Ora, o utilitarismo nunca dá bons resultados, porque prescindimos da essência das pessoas.
A imigração é um dos temas mais prementes nestas eleições, até pelo receio de crescimento dos populistas de direita no Parlamento Europeu. Tem-me assustado (para não usar outros verbos) assistir ao argumento recorrente, mesmo nos partidos democráticos e naquele de que faço parte, de que temos de acolher bem os imigrantes porque precisamos deles, tendo em conta a nossa demografia e a necessidade de trabalhadores. Não! Temos de acolher, porque são pessoas como nós e porque procuram uma felicidade e uma paz que não têm nos seus países de origem. A Europa com futuro precisa de uma economia forte, assente no conhecimento, mas não pode prescindir do que permitiu que fosse também um dos principais centros mundiais de liberdade, respeito, tolerância, que alicerçaram a construção de estados sociais fortes. O abandono do investimento no humanismo, que se tem tornado evidente na transformação da avaliação da ciência em meras métricas (e bibliométricas) quantitativas, ou na definição dos procedimentos da gestão da produção cultural em lógicas mercantilistas, compromete os direitos humanos, porque inibe a capacidade de dar às Universidades, aos investigadores e aos artistas a liberdade para cumprirem a sua função primeira: alimentar a sua curiosidade e a dos outros, questionarem a realidade e construir futuros alternativos. Sem este desígnio, não há investigação aplicada no futuro e, sobretudo, não há apostas no reconhecimento de que tudo o que temos hoje se deve a quem, ontem, apenas quis fazer perguntas. O lucro e o retorno financeiro alimentam um individualismo que é inimigo de políticas inclusivas e socialmente robustas.
Desafio, pois, os candidatos ao Parlamento Europeu a mostrarem, nas suas campanhas e nos debates em que participam, qual é o seu pensamento sobre a ciência fundamental e a arte enquanto pilares estruturantes de uma Europa plural, mais livre e com uma visão de um futuro que vai muito para além dos seus mandatos.