O Livro “O Pedro gosta do Afonso”
Conheci a Mariana Jones no ano passado. A escritora de livros infanto-juvenis foi a um evento em que fui oradora, em Matosinhos. No final da conversa, veio ter comigo e ofereceu-me dois livros, com um sorriso enorme na cara e palavras ternas de apoio. Um desses livros foi “O Pedro gosta do Afonso”. O livro retrata, simplesmente, dois rapazes que, na timidez da adolescência, se aproximam. Assim como há inúmeros livros infanto-juvenis em que há uma paixoneta entre um rapaz e uma rapariga, também este representa essa paixoneta, com as condicionantes da sociedade, entre dois rapazes.
Neste contexto, há muita gente, infelizmente, que não consegue perceber que a homossexualdiade é tão natural como a heterossexualidade. Por esta mesma razão, todos os livros que retratem a homossexualidade, adaptado a todas as idades, são importantes.
Ainda nos dias de hoje, muita gente não percebe que homossexualidade não é um defeito nem uma escolha, mas sim uma caracteristica, transformando a sua opinião desinformada num motor de ódio dinamizador de ainda mais ódio. É isto que tem feito o grupo de extrema-direita anti-LGBT “Habeas Corpus”.
Desde outubro de 2023 que Mariana Jones tem sido vítima de ameaças na esfera digital, tendo estas evoluído para intimidações físicas, ao ponto de ter obtido o estatuto de vítima. Na primeira tentativa de intimidação física, na Zet Gallery, em Braga, nesse mesmo mês de outubro, os manifestantes ficaram à porta. No entanto, este ano, já por duas vezes, as coisas pioraram. A primeira vez, na Feira do Livro em Lisboa, em que Djalme dos Santos interpelou diretamente a autora, filmando-a a um palmo da sua cara e chamando-lhe “promotora da homossexualidade infantil e pedofilia”. A segunda vez, no passado sábado, na Fnac do Norteshopping, quando estava a apresentar o seu mais recente livro “O avô Rui — o senhor do café”, sobre o inspirador empresário Rui Nabeiro, um assunto totalmente diferente do último livro. Se havia dúvidas quanto ao destinatário do ódio, este sábado deixamos de as ter: estas pessoas homofóbicas que têm intimidado Mariana Jones não são meramente contra o livro, são diretamente contra a Mariana (e contra os direitos LGBT). De seguida, conto-vos como foi o evento, do qual fiz parte do público.
As ovelhas do ódio do pastor Rui Castro
Ora, logo que se entrava na loja, do lado esquerdo da sala de apresentações, estava um homem musculado, que ao longe parecia um segurança, mas não era, e que estava a gritar umas palavras de ordem. Quando me aproximei, percebi que era o oposto de segurança, era o ódio em pessoa. As frases que propagava, maioritariamente perguntas, eram de uma comunicação entrecortada, muitas vezes sem lógica conetiva entre elas. Estas frases, continuamente repetidas pelos manifestantes, foram as que Rui Castro, cabeça do grupo de extrema-direita, ordenou que dissessem no evento, quando fez a comunicatória ao seu rebanho.
“Por que é que ela promove a homossexualidade junto das crianças?”
“Por que é que ela quer influenciar o desenvolvimento da personalidade das crianças em Portugal, incutindo-lhes a ideia de que devem ser homossexuais?”
Para além destas perguntas, ouviram-se coisas como “Deus só fez homem e mulher”, “Esta escritora está a promover a pedofilia” e “Temos de proteger as nossas crianças.”
A sala de apresentações estava dividida como que em duas equipas, pró-Mariana (pró-LGBT) e anti-Mariana (anti-LGBT). As frases ditas pelos manifestantes de ódio eram sempre as mesmas, organizadas, sem vergonha na cara. Felizmente, as vozes a favor da Mariana falavam mais alto, chegando a abafar todas as palavras de ódio.
É de salientar que, no meio da multidão homofóbica, havia tanto pessoas de gerações mais velhas como de gerações jovens, maioritariamente homens, da parte dos manifestantes do Habeas Corpus, mas também algumas mulheres. Para quem achava que as opiniões homofóbicas vinham só de gerações mais velhas, enganaram-se. Infelizmente, não há desculpa temporal ou de contexto histórico geracional que valha a esta gente. E mesmo que fossem mais velhos, honestamente, toda a gente é capaz de evoluir, só é preciso querer e saber ouvir. Mais ainda, fico mesmo com o coração nas mãos só de pensar que há pessoas homofóbicas que vão ter, ou já têm, filhos.
A homossexualidade não é um defeito nem uma doença
A homossexualidade não é algo que possa ser fomentado na educação. O que pode, e deve ser potenciado, é a liberdade de se descobrir quem é e viver a vida com alegria. A luta pelos direitos LGBT, não incute a ideia de que os jovens “devem ser” homossexuais, como estes grupos homofóbicos querem fazer crer. Não queremos homossexualizar a nação… Queremos que as pessoas se sintam livres para viverem a sua sexualidade, seja ela qual for.
Em hipótese alguma alguém deve proibir alguém de ser heterossexual, ou obrigar alguém a ser homossexual.
Além disso, a homossexualidade em nada tem a ver com pedofilia. A primeira é meramente uma orientação sexual, a segunda é um crime horrendo. No entanto, este argumento falacioso de ligação é muitas vezes usado contra a comunidade LGBT.
Sobre o livro “O Pedro gosta do Afonso”, ninguém está a obrigar as crianças a lê-lo. Ninguém está a obrigar os pais a comprá-lo ou a lê-lo às crianças. Todavia, enquanto de um lado a Mariana não está a invadir a vida de ninguém, nem a casa de ninguém; do outro, estas pessoas organizadas contra os direitos LGBT estão a invadir espaços, estão a invadir a vida da Mariana. No entanto, garanto-vos que somos mais fortes do lado de quem defende os direitos LGBT.
Se amariam menos um filho vosso se ele fosse gay, não estão prontos/as para a parentalidade
Muitas pessoas LGBT ficam emocionalmente sem pais quando lhes contam que são gays ou trans. No entanto, nenhuma pessoa LGBT escolhe ser rejeitada pelos pais, são os pais que escolhem rejeitar os filhos. Claro que o facto de serem de outra geração ou com um contexto de educação conservadora pode tornar a aceitação difícil, mas o amor incondicional da parentalidade tem de ser superior a tudo isso. Os pais podem escolher a empatia, podem escolher fazer um esforço por entender que há realidades diferentes da sua, podem escolher amar os filhos de coração aberto e sem vergonha. Mesmo que este seja um caminho difícil para muitos, podem escolher caminhar com amor, ao invés de rejeitar os filhos por causa de um preconceito desinformado.
Acrescento, ainda, que este pudor quase sempre não se trata somente de um preconceito interno, mas do medo de serem julgados pelos outros, como se o facto do/a filho/a ser homossexual possa ser visto como um reflexo de uma falha na educação dada pelos pais. Aliás, há pais que se questionam onde terão falhado na educação dos filhos quando estes se revelam homossexuais. A homossexualidade não é algo que se ensina, nunca é um defeito, ou uma doença par atratar, é uma característica da pessoa. Não é uma escolha, é uma característica.
Na verdade, haver pais que não aceitam a homossexualidade dos filhos, nao faz dos filhos menos homossexuais, mas faz dos pais menos pais. Aliás, está comprovado que um dos fatores que mais leva jovens LGBT ao suicídio, ou a tentativas, é a não aceitação por parte da família. Por outras palavras, citando o Trevor Project, os jovens LGBT não são inerentemente propensos ao risco de suicídio devido à sua orientação sexual ou identidade de género, mas antes colocados em maior risco de serem maltratados e estigmatizados pela sociedade que os oprime*.
Por último, afirmo sem medo: se amariam menos um filho vosso se ele fosse gay, não estão prontos/as para a parentalidade. Tão simples quanto isso.
Quanto à luta pelos direitos LGBT, o orgulho será sempre maior do que o medo.
Bissexual, com orgulho,
Clara
Links úteis:
The Trevor Project, LGBTQ+ Mental Health Care:
*“Os jovens LGBTQ+ não são inerentemente propensos ao risco de suicídio devido à sua orientação sexual ou identidade de género, mas sim colocados em maior risco devido à forma como são maltratados e estigmatizados na sociedade.”