Os combates em Gaza continuarão por pelo menos mais sete meses. Foi a estimativa que apresentou, nesta quarta-feira, o conselheiro de segurança nacional de Israel. Tzachi Hanegbi afirmou que as forças israelitas controlam 75% do corredor Philadelphi, uma zona tampão ao longo da fronteira entre Gaza e o Egito. O corredor, conhecido como ‘Filadélfia’, estira-se ao longo da fronteira com o vizinho Egito, perto da cidade de Rafah, no sul de Gaza, onde as forças israelitas têm combatido recentemente. Os túneis de contrabando que circulam entre o Egito e a Faixa de Gaza estendem-se naquela área.
Em declarações ao canal televisivo público do país, “Kan”, Tzachi Hanegbi descreveu: “Dentro de Gaza, as Forças de Defesa de Israel (FDI) controlam agora 75% do corredor, e acredito que controlarão tudo, a seu tempo. Juntamente com os egípcios, devemos garantir que o contrabando de armas seja evitado.” O conselheiro de segurança nacional de Israel acrescentou que espera que os combates em Gaza se prolonguem ao longo de 2024, pelo menos.
“Os comentários de Hanegbi não são tanto uma estimativa precisa de quanto tempo a guerra irá durar, e são mais a convicção de que a guerra durará algum tempo, pelo menos durante o resto deste ano civil”, refere Raphael S. Cohen, investigador de Ciência Política do think tank RAND, que fornece análises e informação às Forças Armadas dos Estados Unidos. “Não é uma suposição irracional. Israel ainda tem um longo caminho a percorrer antes de erradicar o Hamas de Rafah e, como demonstra o mais recente combate no norte de Gaza, o Hamas está a reagrupar-se no norte. Além disso, sabemos, através de outras guerras passadas – mais recentemente no Iraque e no Afeganistão –, que a estabilização de uma sociedade após a mudança de regime é um processo longo e difícil e pode levar anos.”
A Casa Branca defende que as recentes operações e ataques israelitas na cidade de Rafah, no sul de Gaza, não constituem uma grande operação terrestre que cruze qualquer linha vermelha dos EUA. O Governo de Biden diz estar a monitorizar de perto uma investigação sobre o ataque mortal de domingo a um acampamento, depois de ter considerado “ trágico” aquele acontecimento.
Depois de tanques israelitas terem sido vistos perto da mesquita de al-Awda, no centro de Rafah, o porta-voz do conselho de segurança nacional, John Kirby, disse aos jornalistas que os EUA não estavam a “fechar os olhos” à situação dos civis palestinianos. “Os israelitas disseram que este é um erro trágico”, apontou Kirby, referindo-se ao ataque aéreo e ao incêndio numa área que alojava tendas de refugiados, e onde terão morrido 46 pessoas. John Kirby afirma não ter visto serem ultrapassadas linhas que levassem à retirada de mais assistência militar dos EUA. “Também dissemos que não queremos ver uma grande operação terrestre em Rafah, já que seria realmente difícil para os israelitas atacarem o Hamas sem causar grandes danos e potencialmente um grande número de mortes. Ainda não vimos isso a acontecer.”
Em declarações ao Expresso, o analista Raphael S. Cohen explica a argumentação norte-americana: “Penso que temos realmente de saber o que aconteceu antes de avaliar a política dos EUA. Pelo menos segundo o relato israelita dos acontecimentos, eles usaram deliberadamente uma pequena bomba contra um alvo válido do Hamas, mas a bomba incendiou um depósito de armas do Hamas nas proximidades. As FDI divulgaram uma intercetação das secretas que confirmava essa história, e as publicações nas redes sociais também parecem indicar uma explosão secundária. Se a história for verdadeira, então poder-se-ia argumentar que os israelitas estavam a cumprir em grande parte as orientações de Biden para minimizar as baixas civis. Se a versão israelita dos acontecimentos estiver incorreta, então a história é diferente.”
Mas a situação torna-se mais complexa, após a descoberta do jornal “The New York Times”: as bombas usadas no ataque aéreo israelita que causou o incêndio em que dezenas de pessoas deslocadas morreram em Rafah no domingo foram produzidas nos EUA. Os destroços de munições captados em vídeo no local do ataque, já no dia seguinte, eram, na verdade, restos de uma GBU-39, uma bomba projetada e fabricada nos Estados Unidos, apurou o jornal norte-americano. As autoridades dos EUA têm pressionado Israel a usar mais deste tipo de bomba, que dizem poder reduzir as vítimas civis.
Tanques israelitas conduziram um segundo dia de ataques em Rafah nesta quarta-feira. Contrastando com as táticas utilizadas na ofensiva terrestre de Israel no resto de Gaza, os residentes de Rafah disseram à Reuters que os tanques israelitas realizaram ataques a Tel al-Sultan, no oeste de Rafah, Yibna e perto de Shaboura, no centro, antes de recuarem para posições perto da fronteira com o Egito.
Questionado sobre o que pode pôr termo à guerra se Israel não cumprir as ordens do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) e os EUA não deixarem de apoiar o país com remessas de armas, Raphael S. Cohen considera que os israelitas não vão recuar: “Eu começaria por fazer com que o Hamas libertasse os 128 reféns que mantém. Se um grupo terrorista mantivesse 128 reféns norte-americanos, tenho dificuldade em imaginar qualquer Presidente dos EUA a interromper uma guerra para trazê-los de volta para casa. Consequentemente, tenho dificuldade em imaginar os israelitas a fazer algo diferente.”
Nesta quarta-feira, o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, exigiu a Israel um plano para o “dia seguinte” em Gaza, depois do “horrível” bombardeamento israelita ao campo de refugiados em Rafah. “Na ausência de um plano para o dia seguinte, não haverá dia seguinte”, admitiu Blinken, numa conferência de imprensa durante uma visita à Moldávia.
Blinken considerou “muito importante” a elaboração de um plano para “o dia seguinte”, precisamente “quando Israel tiver conseguido destruir a capacidade do Hamas”. É necessário chegar a esse ponto “o mais rapidamente possível”, uma vez que esse plano só garantirá a derrota duradoura do Hamas, argumentou ainda o alto responsável norte-americano.
STEFANI REYNOLDS
Médio Oriente
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Outras notícias a destacar:
⇒ Emmanuel Macron apelou ao chefe da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas, que “aplique as reformas indispensáveis” na “perspetiva de reconhecimento do Estado da Palestina”, segundo adiantou a Presidência francesa em comunicado. No decurso de um contacto telefónico, o Presidente francês “assinalou o compromisso da França em trabalhar para garantir com os seus parceiros europeus e árabes uma visão comum de paz que forneça garantias de segurança para palestinianos e israelitas”, e “inscrever a perspetiva de reconhecimento do Estado da Palestina numa dinâmica útil”.
⇒ Os rebeldes hutis do Iémen reivindicaram o abate de um drone norte-americano MQ-9 na província de Marib (no centro), o sexto que reclamam ter neutralizado desde novembro, quando iniciaram os ataques a navios no Médio Oriente. O grupo também diz ter realizado um ataque com mísseis que danificou um navio de propriedade grega no Mar Vermelho, num total de seis operações nos últimos dias, incluindo no Mediterrâneo. No total, os rebeldes lançaram seis ataques com mísseis balísticos e drones contra navios que navegam nos mares Vermelho, Arábico e Mediterrâneo.
⇒ O líder da oposição em Israel, o centrista Yair Lapid, reuniu-se com os líderes de dois partidos de direita também na oposição para coordenar uma estratégia para derrubar o atual Governo de Benjamin Netanyahu. “Concordámos com um plano de ação para substituir o Governo pelo bem do futuro do Estado de Israel”, disseram os oposicionistas, em comunicado conjunto. Lapid lidera a oposição à frente do partido Há Futuro e já conseguiu criar uma alternativa de governação a Netanyahu em 2021, reunindo forças de todas as tendências contrárias ao atual primeiro-ministro, mas que durou apenas um ano. Avigdor Liberman, que lidera o grupo secular de extrema-direita Israel Nossa Casa, e Guideon Saar, que lidera o grupo de direita Nova Esperança, também fazem parte desta solução alternativa.