O protesto estudantil contra a ofensiva israelita em Gaza teve início nos EUA, mas rapidamente se alastraria a vários países, Portugal incluido. Na quinta-feira à noite, mais de meia centena de alunos ocuparam um departamento da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, acabaram expulsos do seu interior, mas nem por isso desmobilizaram e, irredutíveis, acampariam no exterior, ladeados de cartazes evocativos do protesto: “Solidariedade proletária por uma Palestina Livre”, “Israel não é uma democracia, Israel é um país terrorista” e “A revolução começa aqui”.
A porta-voz do grupo de manifestantes, Joana Bernardes, também ela aluna, exigiu um “imperativo corte de relações” da universidade com o regime de Israel e pediu mesmo uma “condenação formal do genocídio que ocorre” na Palestina. Segundo Joana Bernardes, a Universidade do Porto tem “ligações alarmantes” a entidades [nomeadamente a Embaixada de Israel em Portugal] e empresas israelitas, lembrando à instituição que a ciência “não é um instrumento neutro, mas uma ferramenta que os Estados e outros agentes políticos e económicos usam para avançar com os seus objetivos”.
Sobre a continuação do protesto à porta, os manifestantes querem crescer, ser ainda mais, e apelaram já na sexta-feira à adesão de todas as associações de estudantes da Academia ao movimento. “Sabemos que as nossas reivindicações são justas e não vacilaremos. Se o Reitor cessar as relações com Israel daqui a meia hora, nós saímos daqui contentes e eu vou continuar as minhas aulinhas e mestrado. Se não for essa a resposta, continuaremos”, garantiu a porta-voz.
Outros não receberam um tratamento, apesar de tudo, tão permissível das instituições ocupadas. Na manhã desta sexta-feira, duas dezenas de estudantes protestaram e ocuparam o edifício do Ministério dos Negócios Estrangeiros, em Lisboa, exigindo um cessar fogo “imediato e incondicional” na Faixa de Gaza e acusando o Governo e o Ministério de “nada fazerem” para impedir “um genocídio em direto”. Acabaram retirados, denunciam que “com violência”, por guardas da GNR.
Falemos de Gaza e, concretamente, da cidade no sul do enclave, Rafah, onde se encontram 1,4 milhões de pessoas (na maioria deslocados) e que tem sido alvo de uma operação militar israelita. Segundo garantiu hoje a ONU, terão pelo menos 630 mil palestinianos abandonado, “forçadamente”, a cidade só nos últimos 12 dias. “Muitos procuraram refúgio em Deir al-Balah, agora insuportavelmente apinhada de pessoas em más condições”, avança também a organização.
Israel não só avança contra Rafah, como, pelo seu controlo da passagem fronteiriça, tem impedido operações de ajuda humanitária. A situação pode melhorar no imediato, não por qualquer benevolência israelita, mas por ação dos EUA.
O Comando Central dos Estados Unidos (CENTCOM) informou esta sexta-feira que vários camiões de ajuda começaram a desembarcar, pela primeira vez, na Faixa de Gaza através do cais flutuante construído pelos norte-americanos na costa do enclave. Prevê-se que cerca de 90 camiões por dia cheguem a Gaza por meio desta infraestrutura, número que aumentará para 150 numa segunda fase.
Nem todos estão satisfeitos pela chegada de ajuda a Gaza. Hoje mesmo, dezenas de manifestantes israelitas resolveram atacar um camião na Cisjordânia, espancando o motorista e incendiando o veículo — desconhecendo, talvez, que este camião transportava apenas mercadorias comerciais e não a propalada ajuda. Até porque há mais de uma semana que nenhum alimento entra nas duas principais passagens de fronteira no sul de Gaza e cerca de 1,1 milhão de palestinianos estão à beira da fome.
O Exército israelita garante que os seus soldados, logo que chegados ao local, “afastaram” os agressores.
A comunidade internacional, já se sabe, vem condenando a ofensiva de Israel. E nesta sexta-feira o cerco ao primeiro-ministro Benjamin (“Bibi”) Netanyahu adensou-se. Desde logo, Netanyahu receberia uma carta do G7, e subscrita por diversos países, da Alemanha à Austrália, da Coreia do Sul à Dinamarca, da França ao Reino Unido, exigindo de Israel “um plano credível para proteger os civis” em Rafah e declarando a sua “oposição a uma operação militar em grande escala”.
A missiva não foi assinada pelos Estados Unidos. Conhecidos apoiantes do Estado de Israel e de Benjamin Netanyahu, os norte-americanos acabaram metidos pelo Tribunal de Haia, ou Tribunal Internacional de Justiça, no mesmo “saco” dos israelitas.
A Assembleia dos Estados-membros do tribunal garantiu nesta sexta-feira que não se deixa “intimidar por ameaças”, referindo-se à investigação a alegados crimes de guerra do exército israelita, investigação que Netanyahu considerou “um crime de ódio antissemita” e os EUA como “vergonhosa e ilegal”.
O Tribunal de Haia respondeu hoje, pendido respeito pela sua “independência e imparcialidade”. “Temos o mandato fundamental de responsabilizar os autores de crimes e de proporcionar justiça a todas as vítimas de forma igual”, garantiu.
OUTRAS NOTÍCIAS QUE MARCARAM O DIA
⇒ Narendra Modi, primeiro-ministro da Índia e nacionalista hindu denunciado pela perseguição e discriminação contra as minorias religiosas no país, nomeadamente a muçulmana, veio hoje a terreiro garantir que, “durante o Ramadão”, manteve conversações privadas com Israel com vista a um cessar-fogo em Gaza. Narendra Modi refere-se a si próprio na terceira pessoa: “O meu enviado especial a Israel encontrou-se com o primeiro-ministro Netanyahu. Disse-lhe para lhe dizer que não devíamos bombardear Gaza no mês do Ramadão. Aqui [na Índia] sou acusado de fazer política contra os muçulmanos, mas Modi tentou parar os bombardeamentos em Gaza. Não quero publicidade para isso”.
⇒ O Exército israelita anunciou também esta sexta-feira ter descoberto (e repatriado) os corpos de três reféns que foram raptados durante o ataque realizado pelo Hamas no dia 7 de outubro. Segundo o porta-voz do Exército, Shani Louk, Amit Buskila e Itzhak Gelerenter “foram brutalmente assassinados”.