O Grupo Vita, liderado pela psicóloga Rute Agulhas, revela os dados do primeiro ano de atividade numa conferência de imprensa realizada em Fátima esta terça-feira.
No primeiro ano de funcionamento, foram recebidas 485 chamadas telefónicas: 278 entre maio e novembro de 2023, e 207 entre dezembro de 2023 e junho de 2024. “Estas chamadas não correspondem exclusivamente a situações de violência sexual no contexto da Igreja, na medida em que o Grupo VITA foi também contactado em relação a outras ocorrências, não relacionadas com a sua missão”, refere a psicóloga.
Foram identificadas 105 vítimas de abuso no contexto da Igreja. Dos pedidos de ajuda recebidos, realizaram-se 64 atendimentos (presenciais ou online) com vítimas de violência sexual.
No universo das chamadas telefónicas, 28 diziam respeito a situações de violência não relacionadas com a missão do Grupo VITA (por exemplo, abuso sexual intrafamiliar, violência doméstica), que foram encaminhadas para outras entidades como a GNR/PSP, Câmaras Municipais, estruturas de atendimento a vítimas de violência doméstica e sexual, ACT, ou acompanhamento psicológico.
A caracterização realizada pelo Grupo Vita recai sobre 58 vítimas com as quais foram feitas um atendimento individualizado (presencial ou online), para recolha detalhada de informação.
Dos 58 atendimentos até à data do presente relatório, a maioria das vítimas (72.5%) recorreu ao Grupo Vita para efeitos de apresentação da sua situação. Apenas 27.5% das situações já haviam sido também sinalizadas à Comissão Independente, que era liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht.
A maioria destas vítimas é do sexo masculino (60.3%) e todas elas possuem nacionalidade portuguesa. Relativamente à idade atual, esta varia entre os 19 e os 75 anos , sendo a média de idades de 53.8 anos.
Em termos de estado civil, cerca de 40% das vítimas (37.9%, em específico) estão solteiras, 31% encontra-se numa relação (22.4% estão casadas e 8.6% em união de facto) e um pouco mais de um quarto (27.5%, em concreto) encontram-se separadas ou divorciadas.
Considerando as habilitações literárias, 39.6% das vítimas têm escolaridade até ao 9.º ano, inclusive, 22.4% têm o ensino secundário concluído, e 38% frequentaram o ensino superior (licenciatura, mestrado ou doutoramento). No que diz respeito à situação profissional, cerca de 50% das vítimas trabalham e em setores profissionais distintos (por ex., especialistas das atividades científicas e intelectuais, como professores, técnicos e profissões de nível intermédio, engenheiros), aproximadamente 21% encontram-se reformadas e três são estudantes. Cerca de 16% encontram-se desempregadas ou sem ocupação. No que à religião diz respeito, mais de metade das vítimas (55.2%) consideram-se católicas. Em termos de frequência, cerca de 21% referem participar frequentemente em atos religiosos (“todos os dias”; “mais do que uma vez por semana” ou “uma vez por semana”) e 19% fazem-no de forma ocasional.
Em termos da idade em que ocorreu a primeira situação de violência sexual, esta varia entre os 5 e os 25 anos, sendo a idade mais prevalente a dos 11 anos, seguida dos 7, dos 12 e dos 14 anos.
Quando se analisa a idade em que ocorreu a primeira situação de violência sexual em função do sexo das vítimas, verifica-se que existe um número mais elevado de vítimas do sexo masculino na faixa etária dos 11 anos.
À data dos alegados factos, a maioria das vítimas (67.2%) vivia com a família nuclear. Comparando com a amostra do primeiro relatório, onde 18% viviam em instituição, neste segundo relatório cerca de 31% das vítimas (i.e., sensivelmente o dobro do número do primeiro relatório) encontravam-se nesta situação (oito vítimas em seminário, três em casa de acolhimento, uma em colégio de ordem religiosa e uma em casa de saúde).
Aproximadamente 40% das vítimas só agora revelaram a situação abusiva e 20.7% destas revelaram-na pela primeira vez ao Grupo VITA. Na sua maioria, não foi apresentada denúncia pela vítima ou por outra pessoa às estruturas da igreja (81%), nem aos Órgãos de Polícia Criminal/Ministério Público (86.2%).
Globalmente, as situações abusivas ocorreram no século passado, nomeadamente, nas décadas de 60 (29.3%) e 80 (25.9%), sendo menos frequentemente reportados comportamentos abusivos nas décadas de 70 (19%) e 90 (12.1%), tendência que parece manter-se a partir do ano 2000 e até ao presente (13.7%).
A grande maioria das vítimas (82.8%) identifica o agressor. Destas, quase todas referem uma idade aproximada do agressor entre os 20 e os 70 anos. As restantes vítimas não conseguiram precisar a idade do agressor.
Relativamente ao contexto onde conheceram a pessoa que cometeu a violência sexual, a maior parte das vítimas (89.7%) refere um contexto diretamente ligado à Igreja. No que respeita ao local onde ocorreu a violência sexual, as situações ocorridas na Igreja correspondem a 32.8% dos casos e, em instituição, a 20.9% dos casos. A maior parte das situações no contexto da Igreja aconteceram, sobretudo, no confessionário, seguido da sacristia. Para 16 vítimas, as situações abusivas ocorreram na casa do padre, no seu carro, no seu gabinete, na sua casa de férias ou na casa paroquial. Com sete vítimas, os comportamentos abusivos ocorreram no seminário.
O padrão típico de aliciamento da criança ou adulto vulnerável decorre, tal como já se verificava com os dados do primeiro relatório, de uma situação de grande familiaridade entre agressor e vítima (65.5%), o que gera “confusão, engano e surpresa” (58.6%). Na grande maioria das situações (91.4%) registou-se um “abuso de autoridade” resultante do estatuto do agressor.Através das respostas dadas pelas vítimas ao Grupo Vita, é possível concluir que o agressor parece justificar os seus atos, usando a religião como justificação da violência; recorrendo a intimidação e medo, e fazendo manipulação emocional e psicológica para confundir e controlar as vítimas. “O recurso a estas estratégias parece potenciar os sentimentos de culpa e de responsabilidade nas vítimas.”
Denunciados 24 casos à PGR e PJ e 66 às estruturas da Igreja
Durante a conferência de imprensa, o Grupo Vita – criado há cerca de um ano pela Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) e que vem substituir o trabalho da Comissão Independente, que era liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht – revelou ter enviado 24 das denúncias de abusos que recebeu nos últimos doze meses para a Procuradoria-Geral da República (PGR) e Polícia Judiciária (PJ) e 66 para as estruturas eclesiásticas. A discrepância entre as situações sinalizadas às estruturas eclesiásticas e PGR/PJ relaciona-se com o facto de “alguns suspeitos terem já falecido e, noutras situações, ter já decorrido (ou estar a decorrer) um processo judicial de natureza criminal”. Existem ainda algumas situações em que o denunciante identifica mais do que um suspeito, por vezes pertencentes a estruturas eclesiásticas diferentes, “o que se traduz em mais do que uma sinalização, por vítima”.
Na quase totalidade das situações (91.4%), a pessoa que cometeu a violência não reconheceu a agressão e não pediu desculpa. O padrão típico de aliciamento da criança ou adulto vulnerável decorre, tal como já se verificava com os dados do primeiro relatório, de uma situação de grande familiaridade entre agressor e vítima (65.5%), o que gera “confusão, engano e surpresa” (58.6%). Na grande maioria das situações (91.4%) registou-se um “abuso de autoridade” resultante do estatuto do agressor.
Durante o primeiro ano de funcionamento, chegaram ao Grupo Vita um total de 39 pedidos de compensação financeira. As vítimas que pediram, até à data do presente relatório, a compensação financeira são maioritariamente do sexo masculino. Rute Agulhas garante que a esmagadora maioria concorda com o processo de indemnização estipulado pela Igreja. Só uma pessoa não concordou com este modelo, que irá atribuir uma compensação financeira, caso a caso e consoante a sua gravidade.
Rute Agulhas revela ainda que tem estado em contacto com grupos semelhantes nos Estados Unidos e Irlanda.
A psicóloga diz que duas vítimas já tinham partilhado a sua informação pessoal com a Comissão Independente, dando autorização para que essa comissão partilhasse os seus dados com o Grupo Vita. Mas tal não veio a acontecer. Sobre um dos casos não chegou ao Grupo Vita qualquer tipo de informação. No outro, apenas foi recebido um parágrafo. E garante não saber onde se encontram os dados coligidos pela anterior comissão.