As eleições para o Parlamento Europeu, que se realizarão no próximo domingo, acontecem num momento muito relevante em que muitas das bases, em que assentou a política posterior à guerra fria, se vão questionando. A União Europeia tem enormes desafios que importa elencar.
O primeiro desafio que a UE tem pela frente é o do nascimento de uma nova ordem internacional onde a Rússia tenta renascer, a China se afirma potência passados cinco séculos e em que os Estados Unidos se vão retraindo na construção de um mundo aberto e livre.
O segundo desafio é o da importância da Europa, com as suas realidades próprias que obrigam à lentidão na decisão, que fez das suas estruturas enormes conglomerados burocráticos, que se atrasa na definição de uma política de segurança e, especialmente, na definição da sua relação com a NATO.
O terceiro desafio é o capacidade de estar à altura para competir com os Estados Unidos e com a China nos campos abertos da ciência e da tecnologia. Em boa verdade, é aqui que podemos antecipar, ou não, os sucessos das próximas décadas.
O quarto desafio é o da demografia. A União Europeia, cheia de relativismo, vive uma crise única que põe em causa o seu modelo social. Ora, para que não aconteçam largas vagas de pobreza decorrentes do envelhecimento das populações, interessa uma política concertada de promoção da natalidade e de sustentabilidade das pensões, assuntos que não podem deixar de merecer um comando único.
O quinto desafio é o da soberania alimentar. A aposta nos “mercados livres” provocou dois graves problemas internos. O primeiro é o de comermos o que vem de longe, sem critérios de sustentabilidade ambiental, com dumping social, produtos que provocam uma maléfica concorrência com os agricultores europeus. Nem os apoios comunitários são o bastante. Onde se encontra o equilíbrio entre não fechar portas e não deixar de ter agricultores?
O sexto desafio é o das crises civilizacionais – energia e água. Tanto na primeira, que tem que ser acertada tendo em conta as obrigações de soberania e segurança, não impondo politicamente tecnologias, como na segunda, que precisa de um comando europeu para que se possam limitar usos e regular caudais.
O sétimo desafio é o das migrações. Eu sou social democrata, mas antes de tudo sou humanista. O que tenho como certo é que a Europa deve ser um espaço de acesso, de liberdade e de dignidade. As portas escancaradas levam a tráficos, a vulnerabilidade e a indignidade. O equilíbrio entre receber e ter condições para receber sem provocar as revolvas que porão em causa a democracia liberal, é o que importa que façamos.
Parecem enormes e quase intransponíveis as missões que cumprirão às instituições europeias. Mas a CEE e a UE já ultrapassaram muitos momentos de tensão, de desafio e de desalento.
A União Europeia é o mais belo e jovem projeto político alguma vez levado à prática. Aquele que criou o mais longo período de paz na Europa.
Não haverá um português que queira trocar a liberdade de circular por novas fronteiras; não haverá um só jovem estudante que possa permitir o fim do Erasmus, aquele programa que construiu uma verdadeira geração de liberdade; não haverá trabalhador, técnico, cientista que queira voltar a ter que certificar as suas qualificações, país a país, com a proteção de cada um e o questionamento da qualidade de cada sistema de ensino; não haverá qualquer cidadão que queira voltar ao tempo em que, estando num outro país, não tinha acesso direto à saúde; não antecipo que haja qualquer português que queira voltar a ter o escudo como moeda sujeita aos especuladores; não penso haver um único português que dispense o fornecimento de bens e serviços que o faça dependente do que produzirmos e do que tivermos condições de pagar.
Essa Europa fechada em quadrículas pequenas já existiu, mas deve continuar tão longe dos portugueses quanto está a pobreza e o analfabetismo salazaristas.
Importa hoje lembrar duas personalidades que foram decisivas para o caminho que Portugal tem feito.
Jacques Delors conta, nas suas memórias, o processo final de adesão de Portugal à CEE. Estávamos num tempo muito difícil internamente (1983/1985) e Mário Soares não queria atrasar mais a adesão. Se Portugal não tivesse entrado com Espanha, em janeiro de 1986, tínhamos ficado irremediavelmente para trás.
Soares, usando a sua velha amizade com Mitterrand, conseguiu convencer políticos e técnicos de que não fazia sentido Portugal ficar de fora entrando Espanha. O presidente francês, contrariando mesmo o PSF, deu indicações para que o Quai d’Orsay desse o seu avale. E, soube-se depois, foi decisivo para vencer as interrogações da Alemanha de Helmut Kohl.
Soares e Mitterrand devem ser lembrados hoje.
Votar no domingo deve ser pensar no que conseguimos e como vamos continuar. Vencer cada dificuldade, cumprir cada novo sonho, continuar a concórdia, a moderação, a liberdade e a democracia, que fazem deste território europeu o que se apresenta com mais futuro neste mundo, é a nossa obrigação.