Em 2000, quando Portugal teve a Presidência da União Europeia, apostou numa agenda de transição para uma economia competitiva, dinâmica e baseada no conhecimento, em que as universidades deveriam contribuir para a criação do espaço mais inovador do mundo. Ficou-se aquém dos objetivos estabelecidos. Não por acaso em 2024 insiste-se na necessidade de concretizar o processo de Bolonha e de se constituírem consórcios europeus de universidades para a inovação, em parceria com organizações sociais e empresas. O processo de Bolonha continua longe de estar compreendido e concretizado, mas a ideia de inovação tornou-se central no discurso político, a ponto de integrar a designação do novo Ministério da Educação, Ciência e Inovação.
2023 ficou marcado pela apresentação do relatório final da comissão de avaliação do Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior (RJIES). Ainda não sabemos o que o Governo pensa fazer, mas importa falar de inovação.
As universidades devem continuar a ensinar, investigar e transferir conhecimento, mas de forma diferente do passado. Uma universidade que ensina é uma universidade que pensa e discute o que ensina e o modo como o faz com os poderes públicos, a sociedade e as empresas. Sem isso, o ensino é um labor fechado sobre si mesmo, esvaziado do sentido universal que a universidade, por natureza, deve cultivar. E o mesmo vale para a investigação, a transferência do conhecimento e a gestão académica.
O conhecimento é hoje a principal base do exercício da cidadania e o grande impulsionador da riqueza e segurança das nações. Quem não acede ao ensino superior e não se insere ativamente nos processos de produção do conhecimento tem menos oportunidades de participar na vida coletiva. Há por isso que garantir o acesso a um ensino superior de qualidade para todos. Numa altura em que um número crescente de “não académicos” procura formação universitária, é importante que os académicos se direcionem para esses novos públicos.
Os desafios de formação são complexos e exigem novas políticas públicas e práticas visando 1) aumentar as qualificações das pessoas em benefício da comunidade; 2) desenvolver competências com incidência no crescimento económico e numa nova cultura do trabalho; 3) superar a tradicional divisão entre ensino e mercado de trabalho; 4) fortalecer a participação cívica e a democracia; 5) assegurar a aprendizagem ao longo da vida.
A sociedade do conhecimento, as novas tendências económicas e societais e os problemas sociais exigem respostas inovadoras das universidades.
A aprendizagem ao longo da vida e a melhoria das condições de empregabilidade são exigências do mercado de trabalho, mas são sobretudo diferenciais dos percursos na vida ativa. Da mudança social emerge um novo paradigma educativo no ensino superior que se projeta na reconfiguração, flexibilidade e mobilidade dos currículos e dos percursos educativos e científicos, assim como no reforço da função social das universidades.
Universidades inovadoras têm missões diferenciadas e visões organizadas em múltiplos contextos educativos, ultrapassando velhas dicotomias entre o que é educação e formação, entre o que é formal e não formal, entre o que é formação geral e formação profissional, entre o que é do Estado e não é do Estado, entre o que é nacional e não nacional.
As universidades devem ser autónomas para poderem organizar-se livremente, de modo a aumentarem a capacidade de resposta às necessidades das pessoas e das comunidades. É preciso que se especializem para agregar valor, que disponham de capacidade de iniciativa e de realização, que intensifiquem o uso de tecnologias, que se constituam como modelos institucionais híbridos, ora voltadas para a função social e científica, para a função profissional ou para a função comunitária, procurando desenvolver soluções para o dilema quantidade/qualidade em termos de oferta educativa e de chegada a novos públicos e consolidando conhecimento e redes de pertença.
Neste contexto desafiador, a educação superior é mais do que um processo de transmissão de conhecimento; é um pilar fundamental sobre o qual a sociedade constrói o seu presente e futuro. É preciso compreender também que a educação não é uma responsabilidade exclusiva das instituições de ensino, mas um desígnio coletivo que deve ser alimentado pelos poderes públicos e a sociedade. Por outro lado, a educação não deve ser vista apenas como uma preparação para o mercado de trabalho, mas como um meio de promoção da felicidade e realização pessoal. Como académicos e cidadãos, somos testemunhas de uma alteração profunda na forma como o conhecimento é visto com a ascensão da educação a distância e em rede e o advento de novas tecnologias educativas. O conceito de espaço educativo está a expandir-se e a tornar-se mais fluido, com oportunidades educacionais emergindo em diversos contextos, desde o ambiente doméstico aos espaços públicos.
Propomos, assim, a visão de uma “univercidade”, onde a educação permeia todos os aspetos da vida coletiva como reflexo de um processo de transformação de grande impacto. As cidades tornam-se centros de aprendizagem e as instituições sociais, incluindo as famílias, desempenham um papel ativo na promoção do conhecimento e da cultura. Esta abordagem da educação não apenas democratiza o acesso ao conhecimento, como fortalece os laços sociais e promove uma maior participação cívica e inclusão. A universidade, na sua abrangência de “univercidade”, ou cidade educadora, comporta um alargamento da realidade por via do aumento da consciência individual e da participação cívica, ligando famílias, instituições sociais e lugares públicos.
Na palavra “univercidade”, a letra “C” significa ciência e conhecimento, mas também cidadania, com responsabilidade na formação de cidadãos conscientes e comprometidos, capazes de contribuir, com confiança, para o desenvolvimento humano e social. A universidade é concebida como um agente de transformação que transcende as fronteiras do ensino e da investigação, promovendo a integração entre conhecimento, tecnologia e valores humanos universais, estando à cabeça a liberdade e responsabilidade académicas. É também neste contexto que ganha relevância simbólica e política a ideia de uma universidade online e onlife, ou seja, uma universidade de acesso digital livre que responda às necessidades das pessoas.
As universidades terão de ser inovadoras para poderem acompanhar as mudanças da realidade geopolítica e dos mercados e, desse modo, poderem cumprir as suas missões, em cenários de elevada exigência e escrutínio. Este é o caminho a prosseguir.