Caro leitor,
Quando se procura “teletrabalho” no Google os primeiros nove resultados são “ofertas de emprego para teletrabalho”. A maioria dos links redireccionam para vagas de apoio ao cliente ou técnico administrativo. Mas também há muitas nas áreas da programação ou engenharia – as empresas querem cativar os trabalhadores mais cobiçados do mercado e é claro que, para além do salário, oferecem um conjunto de benefícios. O teletrabalho (ou híbrido) entra muitas vezes nesse pacote.
O número de pessoas em teletrabalho está a aumentar. Nos primeiros três meses do ano, 988,1 mil pessoas estavam a trabalhar remotamente com recurso a tecnologias da informação (vulgo, teletrabalho), de acordo com os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), divulgados no início de Maio. É praticamente 20% da população empregada.
É possível que seja esse o seu caso. Se calhar já trabalhava assim antes – ou passou a fazê-lo durante a pandemia, quando o teletrabalho “passou de uma prática limitada a algo quase generalizado”, ilustra Nuno Moreira, director da Stanton Chase, empresa especializada em recrutamento de executivos.
Há empresas que sempre o fizeram – como as tecnológicas – e outras que dificilmente o poderão fazer – como as do sector industrial.
As que podiam estrearam-se a fazê-lo quase todas ao mesmo tempo: durante a pandemia. E muitas não voltaram atrás: “Diria que grande parte das empresas decidiram, depois de a pandemia acalmar, manter o trabalho híbrido, seja dois, três dias a trabalhar de casa e os restantes a ir para a empresa”, continua o director da Stanton Chase.
O que não quer dizer que todas olhem da mesma forma para o teletrabalho. No ano passado, houve quem começasse a exigir que os trabalhadores voltassem ao escritório. A nível internacional, por exemplo, contam-se os exemplos da Microsoft, Google, ou mais recentemente da Boots britânica.
Isso quer dizer que o teletrabalho foi uma experiência que correu mal? Para Nuno Moreira, as experiências de teletrabalho correm bem quando são “processos bem implementados, com rigor, KPIs (key performance indicator ou indicador-chave de desempenho, em português), orientação lógica na avaliação da produtividade”. “Quando isso acontece é uma vantagem para ambas as partes”, acredita.
“Não tenho dúvidas nenhumas de que será algo definitivo. Não voltará para trás. Até pode haver um reajuste, mas, na minha opinião, não voltará ao que era anteriormente.”
Fazê-lo bem
Trabalhar de casa pode parecer ideal, mas nem tudo são rosas. Imaginemos este cenário: um almoço apressado entre reuniões, uma tentativa de compensar o trabalho que ficou por fazer fora do horário. Sem horas de expediente, com telefonemas e respostas a e-mails noite fora. Se não teve de imaginar este cenário, é porque já lhe conhece o lado negro.
“Um dia em teletrabalho é um dia diferente de um dia de trabalho em escritório e precisa de outra agenda”, salienta Liliana Dias, psicóloga da área da saúde e do bem-estar no trabalho. “O que acontece é que as pessoas efectivamente trabalham mais horas em teletrabalho, porque têm dificuldade em ter momentos de pausa.”
O teletrabalho não é para todos – este é o primeiro ponto que sublinha. “Individualmente nem todos nos ajustamos ou temos uma boa adaptação. Há pessoas que se ajustam e outras que têm muita dificuldade porque têm um trabalho mais social, mais interactivo, e preferem outro ambiente.”
Então, como saber se o teletrabalho é para mim? “O mais importante é perceber se a pessoa tem experiência”, começa. “Depois, as motivações. Se quer trabalhar remotamente para fazer o que quiser no seu tempo, há que saber que isso é pura mentira.”
Eis algumas dicas (aprovadas por uma psicóloga) para um bom teletrabalho:
- Replicar as rotinas do trabalho presencial, com as pausas e “marcadores óbvios” que servem para distinguir o início e o fim do período de trabalho;
- Ter uma área reservada em casa para trabalhar, “que não se mistura com as outras áreas da casa”;
- Mexer-se. Levantar-se para atender o telefone, por exemplo. “O sedentarismo é um grande risco do teletrabalho”, afirma Liliana Dias, e tem consequências na saúde física e nos níveis de stress;
- Deixar de usar o telemóvel com propósitos profissionais a partir de uma determinada hora. Há quem tenha um “cesto de telemóveis” para desligar;
- Não descurar a socialização. Planear o dia de forma a ter um “contacto social real”, uma vez que os contactos digitais não trazem “exactamente a mesma qualidade de interacção nem os mesmos benefícios”.
Do lado da empresa também é preciso que se façam ajustes. Desde logo é importante fazer check-ins periódicos com os trabalhadores, e perceber “como é que as coisas estão a correr, qual é o apoio necessário”. “As pessoas estando mais sozinhas estão menos apoiadas”, acredita Liliana Dias.
Nas empresas que optaram pelo modelo híbrido, é importante que as pessoas percebam porque é que têm de ir ao escritório um certo número de dias. Como resume, “as pessoas às vezes têm conflitos sobre o trabalho híbrido porque não percebem porque vão ao escritório se depois estão sempre em videochamada”.
Sobre este ponto, Nuno Moreira é da opinião de que “a pessoa deve ir à empresa quando se justifica ir”, mas põe a tónica noutra questão: quem não é visto não é lembrado. “Quem vai à empresa tem uma probabilidade significativamente maior de ser promovido.” Algo em que pensar quando se fica a trabalhar de casa.
Trabalho extra
Como tornar os dias mais produtivos?
Em primeiro lugar, um esclarecimento: produtividade não é sinónimo de se estar ocupado. É com esta linha orientadora que arranca a entrevista de Chris Taylor, jornalista da agência Reuters, com Laura Mae Martin, especialista interna em produtividade da Google, que acabou de publicar um livro sobre o tema. O artigo traça um plano em quatro fases para aumentar a produtividade que responde às questões: “o que fazer”, “quando o fazer”, “onde o fazer” e (talvez mais importante) “como o fazer bem”.
O seu coach de saúde mental, à distância de uma mensagem
Não são profissionais de saúde mental, mas “guias especializados” que podem “ajudar a gerir conflitos ou organizar os hábitos de sono”, descreve Rebecca Ruiz no site Mashable. Há empresas que começam a oferecer a ajuda de life coaches como parte do pacote de benefícios para os seus trabalhadores e cada vez mais aplicações que oferecem este tipo de serviços – o coach está à distância de uma mensagem.
Um Tinder para procurar emprego
Chama-se Eikko e quer reduzir perdas de tempo e enviesamentos no processo de recrutamento. As semelhanças com uma app de encontros começam logo na inscrição: o que procura? Prefiro teletrabalho, trabalho presencial ou híbrido? Em part-time ou a tempo inteiro? Quanto quero receber por ano? Quando há match, ambas as partes são notificadas. O Fernando Costa explica como neste texto do PÚBLICO.
As mulheres e os cargos de liderança
Os obstáculos que as mulheres enfrentam no início da carreira têm impacto nos cargos de liderança que alcançam mais tarde, escreve Anjli Raval no Financial Times. De acordo com os dados citados pelo jornal, no Reino Unido e nos Estados Unidos há mais mulheres nos conselhos de empresas do que nunca, mas o número de executivas caiu.
Os factores já são conhecidos: vieses na contratação e promoção, o trabalho doméstico não remunerado (que ainda cai nos ombros das mulheres), o facto de serem prejudicadas quando têm filhos… E a redes de apoio: “Para as mulheres que desejam avançar, mentores, patrocinadores e uma rede sólida de apoio dentro e fora de uma empresa são importantes”, lê-se no artigo.