As autoridades alemãs decidiram impedir a realização de uma conferência sobre a Palestina, que estava prevista para sexta-feira, sábado e domingo na capital, Berlim, e prenderam 17 pessoas que iriam participar no evento, escreve o “Washington Post”.
Ghassan Abu Sitta, cirurgião reconstrutivo britânico-palestiniano que se tornou uma estrela nas redes sociais devido aos vídeos que foi publicando a partir dos hospitais de Gaza, que ia falar na conferência, foi impedido de entrar no país logo no aeroporto, onde foi interrogado durante três horas, segundo escreveu na rede social X. Abu Sitta passou 43 dias em Gaza a tratar doentes graves, fez diversos apelos pelo cessar-fogo e foi fonte de muitos jornais e televisões por todo o mundo.
A conferência – que, segundo o site da organização, visava, entre outras coisas, denunciar a ligação entre a Alemanha e o “genocídio que está a acontecer em Gaza” – foi cancelada logo depois de uma mensagem em vídeo enviada de Gaza pelo tio de Abu Sitta, Salman Abu Sitta . “Nunca antes vimos tantos meios que sustentam a vida a serem destruídos: hospitais, clínicas, escolas, universidades, bibliotecas, monumentos antigos, mesquitas, cemitérios, apartamentos”, disse Salman antes da intervenção da política. A polícia de Berlim enviou 30 polícias para a conferência, que, neste primeiro dia, tinha 250 participantes. Os outros dois dias, sábado e domingo, também foram cancelados.
Os advogados de Ghassan já deram entrada com um pedido de esclarecimento junto das autoridades alemãs para que estas pudessem explicar o que motivou a deportação. O Expresso perguntou ao ministério do Interior da Alemanha que razões estiveram na base do do impedimento da entrada do cirurgião, mas o ministério disse que não é possível providenciar detalhes por questão de segurança de dados pessoais.
A polícia de Berlim ofereceu algumas explicações para o sucedido. Nos seus canais nas redes sociais, disse que Abu Sitta “está proibido de falar publicamente na Alemanha” porque “um palestrante que já fez comentários antissemitas e declarações que glorificam a violência é considerado um risco”.
O mesmo fez o presidente da Câmara, dizendo que a polícia agiu em conformidade com o que lhe era exigido. “Sempre deixámos claras as regras que se aplicam em Berlim. Deixámos claro que o ódio a Israel não tem lugar em Berlim. As pessoas que não cumpram as regras enfrentam as consequências”, escreveu Kai Wagner no X.
Já de regresso ao Reino Unido, Abu Sitta juntou-se a um protesto perto da embaixada alemã na capital britânica para denunciar o que considera um “silenciamento das vozes palestinianas”. “Em comparação com o que eles estão a fazer às pessoas em Gaza, isto é nada. Mas agora querem silenciar as testemunhas.”
A Alemanha tem sido atacada pelos defensores da causa palestiniana pela forma severa como tem lidado com algumas demonstrações pró-Palestina, porém as autoridades justificam as ações com a necessidade de lutar contra o que dizem ser o crescimento dos episódios de antissemitismo no país.
Wieland Hoban – presidente da associação Voz Judaica para uma Paz Justa no Médio Oriente, que co-organizou o evento – disse, citado pelo “Washington Post”, que os organizadores não tinham sido informados de que Salman Abu Sitta estava sujeito a uma proibição de falar. Dois dos membros do grupo foram detidos, incluindo uma pessoa que se dirigiu ao local da conferência com um cartaz onde se podia ler “Judeus contra o genocídio”.
Algumas das intervenções públicas de Abu Sitta já tinham antes causado celeuma entre a comunidade judaica na diáspora. Em janeiro, o cirurgião escreveu um ensaio onde dizia que “podia muito bem ter sido um dos que quebraram a cerca”, uma referência ao ataque terrorista contra Israel realizado pelo Hamas a 7 de outubro, se “fosse mais novo e ainda vivesse no campo de concentração chamado Gaza”.
O “Jewish Chronicle” escreveu sobre um outro evento em que o médico foi um dos oradores: o aniversário da morte de um membro da Frente Popular para Libertação da Palestina, cujo braço armado, as brigadas Abu Ali Mustafa, participaram no 7 de outubro.
O passado da Alemanha, como país que um dia foi governado por Hitler, torna toda a situação muito mais volátil. A proteção dos judeus é, obviamente, uma prioridade para as autoridades, mas os defensores da causa palestiniana alegam que o passado não deveria ser justificação para não se discutir o que se está a passar no presente.
Em Janeiro, Berlim implementou uma nova cláusula de financiamento a actividades culturais que não permite que os críticos de Israel recebam apoio financeiro da cidade. Vários artistas acabaram por decidir cancelar concertos e exposições.
A definição de antissemitismo da cidade está agora em linha com a que é defendida pela Aliança Internacional para a Memória do Holocausto, na qual cabem coisas como “estabelecer comparações entre a política israelita contemporânea e a dos nazis” ou “negar ao povo judeu o seu direito à autodeterminação afirmando que a existência de um Estado de Israel é um esforço racista”.