Depois do anterior ministro das Finanças, Fernando Medina, ter proposto um fundo que se afigurava ilegal no Orçamento de Estado de 2024 (“fundo para investimento estruturante pós-2026”), que não terá ido para a frente, mas exigiria explicações (não solicitadas na sua recente audição no Parlamento), como expliquei noutro espaço de opinião, eis que outro antigo ministro das Finanças socialista, o “Ronaldo” do Eurogrupo, que passou diretamente para governador do Banco de Portugal (BdP), aparece com uma proposta que parece extravasar a sua competência de “aconselhar o Governo nos domínios económico e financeiro” (alínea e) do artigo 12º da Lei Orgânica do BdP, ao apontar apenas um caminho que poderá ser limitativo da prossecução do programa do Governo eleito.
Na apresentação do Relatório e Contas do BdP de 2023, Centeno defendeu que o governo deve guardar as receitas e excedentes atuais e futuros da Segurança Social para “pagar pensões no futuro”, “investindo na dívida pública”, e que para tal, “devemos ter um excedente entre 1% e 1,5%” do PIB. Isto foi o que sucedeu em 2023, em que o excedente foi de 1,2% do PIB e Medina canalizou o saldo positivo do sistema previdencial para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS) – que investe mais de 50% da carteira em dívida pública –, cumprindo a Lei de Bases do Sistema de Segurança Social (LBSSS).
Ora o remanescente de um eventual excedente é para amortizar dívida pública, pelo artigo 23º da Lei de Enquadramento Orçamental, e o mesmo acontecerá a saldos positivos do sistema previdencial uma vez atingido o mínimo de dois anos de pensões cobertas pelo FEFSS (tal poderá acontecer em breve), pela LBSSS, se o Governo assim quiser. Pode ainda decidir ter um saldo equilibrado ou até um défice (se necessário para reformas estruturais) para cumprir o seu programa se tal for aceite a nível europeu, é uma prerrogativa que parece ter sido esquecida por Centeno, que enquanto ministro das Finanças teve um excedente ligeiro em 2019 e défices no resto dos anos, convém lembrar.
Centeno parece continuar a querer ser um ator político e não devia. Neste caso, aparentemente para tentar proteger Medina e condicionar a ação governativa, mas já houve mais exemplos. Relembro que o Banco Central Europeu teve de apreciar se o convite a Centeno para substituir António Costa como primeiro-ministro tinha violado o dever de independência do BdP, o que foi refutado, mas não deixou de ser um episódio grave.