A Polícia Judiciária e o Ministério Público estão a efetuar uma dezena de buscas relacionadas com o caso das gémeas luso-brasileiras que tiveram, alegadamente, acesso irregular a um tratamento no Serviço Nacional de Saúde (SNS).
O CM sabe que as autoridades estão a realizar buscas no hospital de Santa Maria, em Lisboa, e no gabinete do antigo Secretário de Estado da Saúde António Lacerda Sales, na secretaria de Estado da Saúde.
Outros locais visados pelas buscas são o próprio Ministério da Saúde, onde a secretaria-geral teve intervenção no processo, bem como o Instituto da Segurança Social e o Infarmed.
As autoridades estão a varrer todas as instituições do Estado e privadas que se viram envolvidas na polémica sobre o tratamento das gémeas. A investigação tem por objetivo apurar se ocorreu algum favorecimento no tratamento das gémeas com o medicamento Zolgensma, que teve um custo aproximado de 4 milhões de euros, mas também em todo o processo relacionado com a terapia aplicada, como o equipamento entregue à família mas nunca levantado.
O CM sabe que são investigados vários crimes, entre os quais o abuso de poder, prevaricação e o tráfico de influências, e que o processo se encontra na Polícia Judiciária desde Janeiro, tendo já sido ouvidas várias pessoas na qualidade de testemunhas. Não há arguidos constituídos.
As buscas decorrem na sequência do envio para o Ministério Público do relatório da Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS), em finais de 2023, que concluiu que as gémeas luso-brasileiras tiveram acesso irregular ao tratamento no SNS.
Foram encontradas irregularidades na marcação da primeira consulta no hospital de Santa Maria, realizada em 2020 na sequência de um telefonema efetuado pelo gabinete do então secretário de Estado da Saúde, António Lacerda Sales. O relatório da IGAS considera que a marcação da primeira consulta “merece reparos”, mas que o tratamento decorreu nos trâmites legais.
Depois de receber o relatório da IGAS, o Ministério Público distribuiu o processo à Unidade Nacional de Combate à Corrupção (UNCC) por estarem em causa alegados crimes de abuso de poder e tráfico de influências.
As buscas decorrem no dia para a qual estava marcada a primeira sessão da Comissão de Inquérito Parlamentar a este caso das gémeas. Lacerda Sales devia ser ouvido esta quinta-feira, mas pediu para adiar a sessão invocando motivos profissionais.
O CM sabe que não há buscas domiciliárias nem buscas na Presidência da República. Recorde-se que o Presidente da República e a Presidência foram envolvidos neste caso devido às diligências efectuadas pelo filho de Marcelo Rebelo de Sousa, que terá pedido a aceleração do tratamento das gémeas em Santa Maria. Nuno Rebelo de Sousa é suspeito de ter feito várias diligências junto da Presidência e do Governo, então liderado por António Costa, com Marta Temido na pasta da Saúde e Lacerda Sales como secretário de Estado, solicitando o tratamento rápido das gémeas.
Reunião entre Lacerda Sales e Nuno Rebelo de Sousa
Segundo o relatório da IGAS, o então secretário de Estado da Saúde teve conhecimento do caso das gémeas depois de uma reunião com o filho de Marcelo Rebelo de Sousa, no dia 7 de novembro de 2019, “na qual lhe foi solicitada a colaboração para a obtenção de tratamento com o medicamento Zolgensma”.
A secretária de Sales remeteu para o Santa Maria informações sobre “a identidade das crianças, data de nascimento, diagnóstico e datas em que os pais poderiam estar presentes” no hospital.
Em declarações sobre o caso em 2023, Sales negou ter contactado o hospital: “Não marquei nenhuma consulta, não fiz nenhum telefonema, nunca recebi nenhum processo formalmente constituído. Portanto, também nunca contactei formalmente com o hospital de Santa Maria”, afirmou o ex-secretário de Estado da Saúde.
A IGAS considera que o “centro hospitalar cumpriu as normas técnicas e a legalidade no acesso e na prestação de cuidados de saúde a duas crianças”, que receberam o medicamento para atrofia muscular espinhal Zolgensma.