Ondas de calor mortíferas estão a assolar cidades em quatro continentes no momento em que o Hemisfério Norte assinala o primeiro dia de Verão, um sinal de que as alterações climáticas poderão novamente contribuir para um calor recorde, criando o risco de se ultrapassar o Verão passado como o mais quente dos últimos 2000 anos.
Suspeita-se que as temperaturas recorde registadas nos últimos dias tenham causado centenas, se não milhares, de mortes na Ásia e na Europa.
Na Arábia Saudita, cerca de dois milhões de peregrinos muçulmanos estão a terminar o Hajj na Grande Mesquita de Meca esta semana. Mas centenas de pessoas morreram durante a viagem, devido a temperaturas superiores a 51º C, de acordo com informações das autoridades estrangeiras.
Fontes médicas e de segurança egípcias disseram à Reuters, na quinta-feira, que pelo menos 530 egípcios morreram durante a peregrinação – contra os 307 registados até quarta. Outros 40 continuam desaparecidos.
Os países em redor do Mediterrâneo sofreram também mais uma semana de temperaturas elevadas que contribuíram para os incêndios florestais de Portugal à Grécia, e ao longo da costa norte de África na Argélia, de acordo com o Observatório da Terra da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA.
Na Sérvia, os meteorologistas previram temperaturas de cerca de 40°C esta semana, uma vez que os ventos vindos do Norte de África impulsionaram uma frente quente através dos Balcãs. As autoridades sanitárias declararam um alerta vermelho e aconselharam as pessoas a não saírem à rua.
O serviço de emergências de Belgrado informou que os seus médicos intervieram 109 vezes durante a noite para tratar pessoas com problemas cardíacos e de saúde crónicos.
No Montenegro, onde as autoridades sanitárias também advertiram as pessoas para se manterem à sombra até ao final da tarde, dezenas de milhares de turistas procuraram refrescar-se nas praias da costa adriática.
Este ano, a Europa registou uma série de turistas mortos e desaparecidos em consequência do calor. Um americano de 55 anos foi encontrado morto na ilha grega de Mathraki, informou a polícia na segunda-feira – foi a terceira morte de um turista no espaço de uma semana.
Uma vasta faixa do Leste dos EUA também estava a murchar pelo quarto dia consecutivo sob uma cúpula de calor, um fenómeno que ocorre quando um sistema forte de alta pressão prende o ar quente sobre uma região, impedindo a entrada de ar frio e fazendo com que as temperaturas do solo permaneçam elevadas.
A cidade de Nova Iorque abriu centros de arrefecimento de emergência em bibliotecas, centros de idosos e outras instalações. Enquanto as escolas da cidade estavam a funcionar normalmente, vários bairros nos subúrbios mandaram os alunos para casa mais cedo para evitar o calor.
As autoridades meteorológicas também emitiram um alerta de calor excessivo para partes do estado americano do Arizona, incluindo Phoenix, na quinta-feira, com temperaturas que devem atingir 45,5º C.
No estado vizinho do Novo México, um par de incêndios florestais acelerados pelo calor abrasador matou duas pessoas, queimou mais de 9000 hectares e destruiu 500 casas, de acordo com as autoridades. As chuvas fortes poderiam ajudar a moderar os incêndios, mas as tempestades de quinta-feira também estavam a causar inundações repentinas e a complicar os esforços de combate aos incêndios.
No total, cerca de 100 milhões de americanos estavam sob aviso, vigilância e alerta de calor extremo na quinta-feira, de acordo com o Sistema Nacional Integrado de Informação sobre Saúde e Calor do governo federal.
As temperaturas brutais deverão começar a abrandar na Nova Inglaterra na sexta-feira, segundo o serviço de meteorologia, mas Nova Iorque e os estados do Atlântico Norte continuarão a suportar um calor quase recorde durante o fim-de-semana.
Contar os mortos
O período estival da Índia vai de Março a Maio, altura em que as monções começam a varrer lentamente o país e a quebrar o calor. Mas Nova Deli registou na quarta-feira a sua noite mais quente em pelo menos 55 anos, com o Observatório Safdarjung da Índia a registar uma temperatura de 35,2º C à uma da manhã.
As temperaturas descem normalmente à noite, mas os cientistas afirmam que as alterações climáticas estão a provocar o aumento das temperaturas nocturnas. Em muitas partes do mundo, as noites estão a aquecer mais rapidamente do que os dias, de acordo com um estudo de 2020 da Universidade de Exeter.
Nova Deli registou 38 dias consecutivos com temperaturas máximas iguais ou superiores a 40º C desde 14 de Maio, de acordo com os dados do departamento meteorológico.
Um funcionário do Ministério da Saúde indiano disse na quarta-feira que houve mais de 40 mil casos suspeitos de insolação e pelo menos 110 mortes confirmadas entre 1 de Março e 18 de Junho, quando o noroeste e o leste da Índia registaram o dobro do número habitual de dias de onda de calor num dos períodos mais longos do país.
No entanto, é difícil obter um número exacto de mortes causadas pelas ondas de calor. A maioria das autoridades de saúde não atribui as mortes ao calor, mas sim às doenças agravadas pelas temperaturas elevadas, como os problemas cardiovasculares. Por conseguinte, as autoridades subestimam as mortes relacionadas com o calor por uma margem significativa – normalmente ignorando milhares, se não dezenas de milhares de mortes.
Temperaturas recorde
De acordo com o serviço de monitorização das alterações climáticas da União Europeia, as ondas de calor ocorrem num contexto de 12 meses consecutivos que se classificam como os mais quentes de que há registo, em comparações anuais.
A Organização Meteorológica Mundial afirma que existe uma probabilidade de 86% de que um dos próximos cinco anos eclipse 2023 e se torne o mais quente de que há registo.
Embora as temperaturas globais tenham aumentado cerca de 1,3ºC em relação aos níveis pré-industriais, as alterações climáticas estão a alimentar picos de temperatura mais extremos, tornando as ondas de calor mais comuns, mais intensas e mais duradouras.
Em média, a nível mundial, uma onda de calor que teria ocorrido uma vez em cada 10 anos no clima pré-industrial ocorrerá agora 2,8 vezes em 10 anos e será 1,2 C mais quente, segundo uma equipa internacional de cientistas do grupo World Weather Attribution (WWA).
Os cientistas afirmam que as ondas de calor continuarão a intensificar-se se o mundo continuar a libertar emissões de gases com efeito de estufa provenientes da queima de combustíveis fósseis.
Se o aquecimento global atingir os 2ºC, as vagas de calor ocorrerão, em média, 5,6 vezes em 10 anos e serão 2,6ºC mais quentes, segundo a WWA.