O Irão poderá lançar um ataque a Israel ainda nesta sexta-feira ou sábado, escreve o “The Wall Street Journal”. Um responsável dos Estados Unidos refere que os relatórios dos serviços secretos do país apontam para um ataque de retaliação iraniano “possivelmente em solo israelita”. Israel estará a preparar-se para um ataque direto tanto ao sul como ao norte.
Após uma “escalada na retórica do Irão”, tal ataque “não é improvável”, indica ao Expresso Tiago André Lopes, professor da Universidade Portucalense. Em causa está o bombardeamento de 1 de abril ao consulado iraniano em Damasco, na Síria, atribuído a Israel e que matou altos funcionários militares iranianos. O líder supremo do Irão, Ali Khamenei, declarou na quarta-feira que Israel “deve ser punido e será”. “Quando atacam o consulado, é como se tivessem atacado o nosso solo”, disse num discurso que assinalou o fim do mês sagrado muçulmano do Ramadão.
“A retaliação, para o Irão, está juridicamente consagrada por causa deste ataque”, explica Tiago André Lopes. Isto porque, de acordo com a Convenção de Viena, “o consulado iraniano em solo da Síria não é sírio, é iraniano”. “O problema é a passividade da comunidade internacional, em particular dos Estados Unidos, perante as transgressões de Israel ao direito internacional. Deveria ter havido pelo menos uma condenação pública”, afirma o também investigador do Instituto do Oriente.
A missão permanente do Irão nas Nações Unidas defendeu, numa mensagem publicada na rede social X na quinta-feira, que, se o Conselho de Segurança “tivesse condenado o ato de agressão do regime sionista contra as instalações diplomáticas em Damasco e levado os seus perpetradores à justiça, o imperativo do Irão de punir o regime desonesto poderia ter sido evitado”.
Além do bombardeamento ao consulado, também o facto de o Conselho de Segurança das Nações Unidas não ter chegado a um consenso sobre a candidatura do Estado da Palestina a membro de pleno direito pode ser usado como “instrumento” para um eventual ataque, servindo para “justificar como uma defesa da causa palestiniana”, numa espécie de “dupla legitimidade”, refere Tiago André Lopes.
É também relevante o Irão encontrar-se numa fase “entre eleições”, em que já foram eleitos 245 deputados na primeira volta e sobram os restantes 45 assentos para decidir numa segunda volta. “Pode interessar ao regime muscular a resposta contra Israel”, aponta o académico. O que pode acontecer não “diretamente”, mas com recurso a uma “coligação de forças”, como a Jihad Islâmica ou o Hezbollah.
Médio Oriente
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Reações ao risco
Vários responsáveis demonstraram preocupação e tentaram acalmar os ânimos. A ministra dos Negócios Estrangeiros alemã, Annalena Baerbock, apelou ao homólogo iraniano “máxima contenção” de forma a evitar uma escalada. Também o ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, David Cameron, disse a Hossein Amirabdollahian que o Irão não deveria arrastar o Médio Oriente para um conflito mais alargado.
Face ao risco iminente, o Ministério dos Negócios Estrangeiros francês desaconselhou os cidadãos do país a viajarem para o Irão, Líbano, Israel e territórios palestinianos. Familiares de diplomatas em Teerão vão regressar a França e os funcionários públicos franceses estão impedidos de realizar quaisquer missões naquelas zonas, indica uma publicação na rede social X. O Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia informou os cidadãos que não devem viajar para o Médio Oriente, especialmente para Israel, Líbano e territórios palestinianos.
A embaixada dos Estados Unidos em Israel disse aos funcionários e membros das respetivas famílias que não poderão viajar para fora das áreas de Telavive, Jerusalém e Beersheba até nova ordem. Também a companhia aérea alemã Lufthansa suspendeu, pelo menos até sábado, os voos de e para Teerão. Todas estas decisões são uma “indicação” de que “poderá acontecer alguma coisa”, refere Tiago André Lopes.
Mas há “outra possibilidade” em cima da mesa: se o Irão mantiver durante alguns dias esta “retórica do medo”, tal será “tão paralisante quanto um ataque direto” e ainda “desvia a atenção”, no caso de o Hamas ou o Hezbollah quererem atacar a partir do Líbano, por exemplo.
Já em Israel, o porta-voz do exército, Daniel Hagari, diz que os civis não estão a ser instruídos para fazerem quaisquer preparativos especiais, mas garantiu que Israel está “altamente preparado para uma série de cenários”. Também o primeiro-ministro israelita assegurou que, além do conflito em Gaza, o país está preparado “para cenários que envolvem desafios noutros sectores”. “Quem quer que nos prejudique, nós iremos prejudicá-lo. Estamos preparados para responder a todas as necessidades de segurança do Estado de Israel, tanto a nível defensivo como ofensivo”, lê-se numa nota divulgada pelo gabinete de Benjamin Netanyahu após uma visita à base aérea de Tel Nof, no sul de Israel, na quinta-feira.
Guerra Israel-Hamas
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Israel e Estados Unidos estão “lado a lado”
O ministro da Defesa israelita foi ainda mais claro. “Um ataque iraniano direto exigirá uma resposta israelita adequada contra o Irão”, disse no mesmo dia Yoav Gallant ao secretário da Defesa dos Estados Unidos, Lloyd Austin, segundo o respetivo gabinete. O Pentágono informou que os dois responsáveis discutiram o compromisso “firme” dos Estados Unidos com a segurança de Israel contra as ameaças do Irão e aliados, que o Presidente Joe Biden já tinha sublinhado ser “inabalável”.
A visita a Israel de Michael Erik Kurilla, general dos Estados Unidos para o Médio Oriente, foi antecipada para debater as “atuais ameaças à segurança”. Durante o encontro, já nesta sexta-feira, Gallant avisou o Irão de que Israel e Estados Unidos estão “lado a lado”. “Os nossos inimigos pensam que podem separar Israel e os Estados Unidos, mas o que acontece é o contrário: aproximam-nos e reforçam os nossos laços.”
O compromisso dos Estados Unidos “não deve ser nem pode ser um compromisso cego”, considera o professor Tiago André Lopes. “Devem proteger o seu parceiro, mas também devem, como bom parceiro que dizem ser, chamar à atenção sempre que transgredirem as normas, e não estamos a ver isso acontecer”, observa. A hipótese de envolvimento direto norte-americano na proteção de Israel é “muito difícil”, até porque tal “implica custos”.
Internacional
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Para Netanyahu e para todo o gabinete de guerra israelita, cuja popularidade “está em declínio”, interessa “este tipo de disrupção para manter o conflito vivo”. Conflito esse que “já é regional”, mas que pode sofrer uma “aceleração”. “É quase diária a troca de tiros entre as forças do Hezbollah no Líbano e forças de Israel, a partir de posições quer da Síria, quer no Iraque, por via da Jihad Islâmica e dos movimentos de resistência”, enumera o especialista.
Além disso, o Ramadão terminou sem o aguardado cessar-fogo em Gaza. “É possível que a comunidade islâmica regional esteja ainda mais galvanizada, motivada e revoltada para responder quer contra Israel, quer contra a perceção de que o Ocidente está pouco preocupado com o sofrimento dos palestinianos e dos muçulmanos no Médio Oriente.”