A imagem de Portugal enquanto credor ainda não está a ser afetada pela instabilidade política, nem pela discussão em torno da despesa pública já executada em 2024 e da forma como se chegou a um rácio de dívida sobre o PIB abaixo de 100% no final de 2023.
A evolução recente dos juros da dívida pública em mercado secundário tem sido, globalmente, em linha com as congéneres. Tão ou mais importante do que isso, o spread em relação à Alemanha é cerca de 12 pontos base mais baixo do que no início do ano e tem-se mantido sem tendência definida desde as eleições de 10 de março.
As taxas de juro em mercado secundário estão mais altas em 2024, mas devido à revisão de expectativas quanto à atividade do BCE este ano, bem como de outros bancos centrais. Ou seja, os juros até têm subido, mas menos do que os da Alemanha. Os leilões de dívida têm corrido bem. Esta semana, por exemplo, a procura foi duas vezes e meia superior à dívida que o IGCP – Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública pretendia colocar.
Há, no entanto, duas ameaças a este atual estado de coisas. Uma delas é parcialmente exógena e está relacionada com uma dinâmica menos favorável na relação entre os juros da dívida e a evolução do PIB nominal. A descida do deflator do PIB para níveis mais “normais” e que ficam abaixo da taxa de juro marginal, implicará maior dificuldade em pagar dívidas, ficando o país mais dependente do crescimento económico para diminuir o rácio de dívida. Neste domínio, os melhores tempos já passaram.
A outra ameaça é de caráter político e orçamental. Já se esperava que um governo (tão) minoritário tivesse dificuldades em concretizar políticas. No entanto, foi mais surpreendente ver a oposição a legislar à revelia do Governo em matérias com impacto financeiro relevante, como no caso das ex-SCUT. A pergunta “afinal quem governa Portugal?” não é descabida.
Portugal tem sido percecionado, desde a troika, como um país de rigor orçamental e consciente da importância de reduzir os rácios de dívida. Por isso, seria importante que permanecesse claro que, mesmo com margem de manobra limitada, há um Governo em funções, legitimado pelo Parlamento, que tem o direito e o dever de governar e que será responsável pela condução das contas públicas. A sustentabilidade da dívida também depende de um bom sistema de governo. Ter a oposição a gerar volatilidade nos gastos públicos não só dá má imagem, como pode colocar em causa o trabalho de mais de dez anos na credibilização de Portugal nesta matéria.