A presidente da Comissão Europeia (CE) terá procurado atrasar a divulgação de um relatório sobre ataques à liberdade de imprensa em Itália, avançou esta segunda-feira o site “Politico”. A notícia surge numa altura em que Ursula von der Leyen procura assegurar o apoio de líderes mais extremistas na União Europeia, especialmente da primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni.
O “Politico” explica, citando quatro fontes anónimas na CE, que o relatório anual sobre o Estado de Direito na UE deveria ser aprovado no próximo dia 3 de julho, mas é esperado que seja atrasado até ser confirmada a continuidade (ou não) de von der Leyen à frente do executivo europeu.
O Parlamento Europeu agendou a votação para presidente da Comissão Europeia para o dia 18 de julho. No entanto, como os nomes indicados ao Parlamento dependem do Conselho Europeu, que reúne os chefes de Estado e de Governo, o processo pode prolongar-se ao longo de todo o verão e ficar concluído apenas em setembro.
O atraso, considerado “pouco habitual” pelo site, deve-se às tentativas de aproximação de Ursula von der Leyen a Giorgia Meloni. O problema pode residir no conteúdo do relatório em si, que não será propriamente favorável ao governo dos Irmãos de Itália, o partido extrema-direita liderado por Meloni, que chegou ao poder em 2022.
Uma fonte disse ao Politico que “há claramente uma vontade em pôr um travão em assuntos relacionados com Itália e o respeito pelo Estado de Direito”. Todos os quatro oficiais contactados garantem que a decisão de atrasar a publicação do documento se deve por motivos políticos.
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Outros dois membros da Comissão terão dito a jornalistas, nas últimas três semanas, para se absterem de fazer perguntas ao executivo europeu sobre “a situação de Itália”, apontado para o crescente desrespeito por valores democráticos e Estado de Direito na União Europeia.
“Os relatórios sobre Estado de Direito estão a ser preparados e não estamos ainda prontos para consultar com os Estados-membros sobre os rascunhos, que é algo que fazemos sempre. Vamos cobrir os desenvolvimentos do último ano para cada país, incluindo Itália, de forma factual e objetiva, como sempre”, garantiu o porta-voz da Comissão, Olof Gill, ao “Politico”, acrescentando que não houve qualquer indicação dada aos jornalistas sobre que tipo de questões a colocar.
Reeleição dependente de Europa mais extremista
O processo de reeleição de Ursula von der Leyen tem sido tudo menos comum. A vitória do Partido Popular Europeu (PPE), o grupo dos democratas-cristãos onde está inserido o seu partido alemão, a CDU, quase que lhe garantiu a presidência da CE – e os sociais-democratas do S&D devem ficar com a liderança do Conselho Europeu, discutindo-se o nome de António Costa para o papel.
No entanto, as negociações para os principais cargos europeus também dependem, agora, de uma presença musculada de partidos de extrema-direita, tanto no plenário europeu, como nos Governos nacionais. Nas últimas eleições europeias, apesar de terem tido resultados piores do que o esperado, os partidos mais extremistas do continente aumentaram consideravelmente o número de eurodeputados, potenciados em particular pelos alemães da AfD e pelos franceses da Frente Nacional (cuja vitória foi tão expressiva que fez cair o Governo de Emmanuel Macron).
A italiana Giorgia Meloni, que levou o partido neofascista Fratelli d’Italia até ao topo da política do país, é apenas um exemplo do tipo de apoio que von der Leyen tem de cortejar nas lideranças da Europa. A perspetiva de Le Pen no Eliseu, após as europeias, não é um cenário tão longínquo quanto se esperava, e outros chefes como o húngaro Viktor Orbán ou o holandês Geert Wilders podem complicar ainda mais a vida à Comissão Europeia, particularmente em assuntos relativos a direitos humanos e Estado de Direito.
Entretanto, Ursula von der Leyen não tem escondido que deseja uma maior abertura com os partidos de extrema-direita na Europa, especialmente com os italianos. Em maio, num debate entre candidatos à presidência da CE, a atual presidente concordou que espera assegurar o apoio do grupo dos Conservadores e Reformistas Europeus, o partido político europeu que inclui o Vox (Espanha), o Irmãos de Itália e, possivelmente, os eurodeputados eleitos pelo Chega. E até afirmou que Meloni é “pró-Estado de Direito”.
A discussão e aprovação do relatório foram agendadas no dia 11 de junho para serem concluídas no dia 3 de julho. Contudo, o Conselho Europeu só deve decidir sobre que nome propor ao Parlamento a meio de julho.
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Estado de Direito cada vez mais contestado em Itália
Nos últimos dois anos, a liberdade de imprensa em Itália tem vindo a ser colocada em causa pelo Governo nacionalista e ultraconservador. Além de impor uma medida que limita a divulgação de notícias sobre medidas preventivas, por exemplo, também procurou restringir os conteúdos da televisão pública RAI, levando a uma greve de jornalistas em maio contra a tentativa de “tornar a RAI numa porta-voz do Governo”.
A abertura do executivo de Meloni a mais queixas de difamação contra jornalistas pela divulgação de notícias (processos conhecidos pelo acrónimo inglês ‘SLAPP’), têm limitado cada vez mais os repórteres italianos, e até valeu um alerta no ano passado pela própria CE, num relatório sobre o Estado de Direito na comunidade europeia.
No espaço de um ano, a Itália caiu cinco posições no ‘ranking’ dos Repórteres Sem Fronteiras (RSF) sobre a liberdade de imprensa no mundo, do 41.º lugar para o 46.º.
Recentemente, as posições ultraconservadoras de Giorgia Meloni voltaram a estar no centro de uma controvérsia associada à reunião do G7. No final da cimeira, que decorreu precisamente em território italiano, a declaração final do grupo não incluiu as restrições ao acesso ao aborto numa parte sobre a “forte preocupação com redução dos direitos das mulheres, meninas e pessoas LGBTQIA+ em todo o mundo”.
Ora, como este era o maior ponto de desacordo entre a primeira-ministra italiana e os seus homólogos, e até figurava nos rascunhos iniciais, acredita-se que a Itália tenha sido responsável por esta omissão (apesar do Governo ter entretanto negado responsabilidade na decisão).
A opinião conjunta do G7 (que também inclui EUA, Reino Unido, França, Alemanha, Canadá e Japão) tinha incluído o direito de “acesso livre e legal ao aborto” no texto de 2023.
E, apesar de conter uma referência à comunidade queer, a Bloomberg avançou que foi também removido do texto final uma parte em que o G7 apoiava “a diversidade, incluindo as orientações sexuais e as identidades de género”. No ano passado, o executivo de Roma foi criticado pelos outros membros, especialmente pelo Canadá, por alterar regras que quase impedem a adoção de crianças por casais de pessoas do mesmo sexo.