A vitória do Partido dos Socialistas da Catalunha (PSC) nas eleições deste domingo é claríssima, mas o oposto terá de se dizer do futuro político da região. Com quase 100% dos votos contados, o PSC — filial do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE, centro-esquerda), que governa Espanha em coligação com a frente de esquerda populista Somar — consegue 27,94% dos votos e 42 dos 135 assentos do parlamento regional. Com o ex-ministro da Saúde espanhol Salvador Illa à cabeça, é a primeira vez que fica à frente em número de sufrágios e de assentos.
Não quer isto dizer que os socialistas retomem a chefia da Generalitat (governo regional), que ostentaram entre 2003 e 2010 com os presidentes Pasqual Maragall (o autarca da Barcelona dos Jogos Olímpicos de 1992) e Josep Montilla. Para tal, serão precisas longas negociações. Se uma maioria progressista parece aritmeticamente possível, politicamente está difícil. E governar em minoria é sempre arriscado, exigindo a boa vontade das oposições.
O primeiro-ministro espanhol Pedro Sánchez (à esquerda) num ato de campanha ao lado do candidato socialista à chefia do governo catalão, Salvador Illa
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A reforçar o triunfo de Illa, o conjunto das forças independentistas fica mais longe do que nunca da maioria (acumulam 61 deputados, quando seriam precisos 68). Se o Juntos pela Catalunha (JxC, direita independentista) do ex-presidente catalão Carles Puigdemont cresce de 32 para 35 lugares e fica em segundo (21,64%), a Esquerda Republicana da Catalunha (ERC, que governava em minoria) cai de 33 para 20, com apenas 13,68%, e a Candidatura de Unidade Popular (CUP, esquerda radical independentista) fica com menos de metade da bancada (de nove para quatro, com 4,09%). A contrariar a tendência, surge um novo grupo, Aliança Catalã (direita radical independentista), com dois deputados.
Socialistas querem governar
“Ao fim de 45 anos de história, pela primeira vez o PSC ganhou as eleições para o Parlamento da Catalunha em votos e deputados”, regozijou-se Illa, que garante que é candidato a chefiar o governo regional. Frisando a perda de maioria do conjunto das forças independentistas, pensa que “a Catalunha abre uma nova etapa”, que dedica a “todos os catalães, pensem o que pensem, falem a língua que falem e venham de onde venham”. Atribui o resultado, em parte, às “políticas realizadas pelo Governo de Espanha, pelo primeiro-ministro Pedro Sánchez”.
Este último devolveu-lhe a generosidade. “A partir de hoje abre-se uma nova etapa na Catalunha para melhorar a vida dos cidadãos, ampliar direitos e reforçar a convivência”, escreveu na rede social X (antigo Twitter). E, em catalão, afiançou que a região “está preparada para tornar realidade um novo futuro e abrir um tempo de esperança”.
Completam o futuro hemiciclo o Partido Popular (direita espanhola), que quintuplica o seu espaço de três para quinze assentos, com 10,97%; o Vox (extrema-direita espanhola), que mantém 11 lugares com 7,96%; e a frente esquerdista Em Comum Somar (ECS, sócia do PSOE no Executivo espanhol), caindo de oito para seis deputados com 5,81%. O partido de direita liberal Cidadãos, nascido na Catalunha para contrariar o secessionismo e depois alargado a Espanha, desaparece em todos os âmbitos. Se em 2017 venceu as eleições catalãs, este domingo ficou mesmo atrás do Partido Animalista.
A política de distensão do PSOE, que promoveu uma lei de amnistia atualmente a ser tramitada no Parlamento espanhol, rendeu frutos à sua versão catalã. Já a ERC, formação independentista que mais dialogou com os socialista, é punida, ao passo que o mais confrontacional Puigdemont colhe frutos. Na oposição à estratégia de Sánchez, o PP é quem capitaliza, engolindo à passagem o Cidadãos sem perder votos para a extrema-direita.
Presidente cessante escolhe passar à oposição
A solução de governo de 2003-10 seria recuperável na Catalunha, já que PSC, ERC e ECS somam 68 deputados, precisamente o número mágico da maioria absoluta. Acontece que Pere Aragonès, presidente cessante do governo catalão e cabeça de lista republicano, leu nos “muito maus” resultados uma instrução diferente: “A ERC assumirá a vontade dos cidadãos e trabalharemos para continuar, fá-lo-emos na oposição”. Foi ao ponto de indicar que devem ser PSC e JxC a governar (o que exigiria um pacto improbabilíssimo), comentando que “a via da negociação não foi suficientemente bem valorizada pelos cidadãos, que consideram que é tempo de outro liderar uma nova etapa”.
Pere Aragonès, presidente do governo catalão desde 2021 e candidato da Esquerda Republicana, assume que passará à oposição
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Claro que isto não impede que a ERC viabilize um executivo autonómico presidido por Illa, mas só se conseguir apresentar ganhos de causa ao seu eleitorado, evitando a acusação de ter capitulado a Madrid que, seguramente, lhe farão Puigdemont e a CUP nesse caso.
Puigdemont ensaia um regresso difícil
O ex-presidente e candidato do JxC, aliás, pronunciou-se explicitamente contra uma solução PSC-ERC-ECS, pedindo aos de Aragonès que conversem para o reconduzir à presidência da região, que deseja assumir após entrar em vigor a lei de amnistia. Afirmou mesmo que deixaria a vida política se não conseguisse voltar ao poder.
Puigdemont fez toda a campanha no sul de França, já que entrar em solo espanhol lhe valeria voz de prisão. Vive na Bélgica há seis anos, fugindo à justiça espanhola para não enfrentar as acusações pela intentona separatista frustrada de 2017, que levou vários correligionários seus à cadeia.
O antigo governante catalaõ Carles Puigdemont, procurado pela justiça espanhola, fez campanha em França e quer recuperar o poder na Catalunha
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O antigo governante prefere “refazer pontes” com a ERC, promovendo uma “estratégia partilhada” que permita “construir um governo sólido de obediência nitidamente catalã”. Faltam-lhe, porém, os números. Convencer o PSC a possibilitar um governo separatista é do foro do inimaginável. Nem a dependência do Executivo espanhol de Sánchez do apoio parlamentar do JxC e da ERC deverá ser suficiente para o fazer dar esse passo atrás.
As próximas semanas serão decisivas. A XV legislatura da comunidade autónoma catalã incia-se até 20 dias úteis após as eleições, ou seja, até 10 de junho. Eleitos o presidente do parlamento e a respetiva mesa, há um prazo de dez dias úteis para celebrar o plenário de investidura, o que significa que será a 25 de junho, o mais tardar.
Para ser investido presidente da Generalitat, um candidato tem de ter 68 votos favoráveis (maioria absoluta). Se tal não suceder, passados dois dias há nova votação, que exige apenas maioria simples, isto é, mais votos afirmativos do que negativos (é onde uma abstenção pode viabilizar um governo). O processo de apresentação de candidato e votação de investidura pode repetir-se várias vezes num período de dois meses a contar da primeira tentativa. Depois disso, o parlamento regional é dissolvido e repetem-se as eleições.