Recentemente, ficámos a saber que Sebastião Bugalho, o actual comentador político, será cabeça de lista pela Aliança Democrática às eleições europeias.
Eloquentemente laureado por Montenegro, Bugalho representa o pior que o comentário e análise política em Portugal têm para oferecer. Que os media contemporâneos optaram pelo sensacionalismo em detrimento da factualidade, pela opinião em vez da análise, é sabido. O comentário político não-especializado hoje é ubíquo: advogados, psicólogos, sociólogos, cientistas farmacêuticos e afins, até politólogos o fazem.
A contínua evolução mediática democratizou em grande parte o direito à opinião, o que é preponderantemente positivo e não necessariamente problemático. O problema parte do consciente desvanecimento do limiar entre o que constitui análise e o que é a opinião. É patente a promoção de determinados comentadores como analistas, na forma de rubricas e entrevistas em que o “analista” não é de todo qualificado para perscrutar as temáticas em questão. Da mesma forma, é manifesta a despromoção de analistas, qualificados e isentos, ao predicamento de “comentador”.
Tanto um quanto outro tem lugar legítimo e funções distintas na nossa democracia. No entanto, é palpável o incremental desequilíbrio entre ambos. Ser comentador tornou-se um autêntico ofício. Um exemplo claro durante as legislativas foram as copiosas horas dedicadas ao comentário e avaliação dos líderes partidários após debates de apenas alguns minutos. A política e a informação deram lugar ao espectáculo. É normal, as opiniões vendem. Todavia, nem elas são proporcionais. Há cada vez mais comentadores, a maioria homens e de direita. Qualquer um com uma plataforma considerável celeremente se torna comentador. Para majorar a chaga, ao desvanecerem a fronteira entre o comentador e o analista, em nome do lucro, os media traíram o seu mais fundamental propósito: informar. Quem mais sofre é a democracia portuguesa.
O telespectador, inevitavelmente também eleitor, percebe quando está a ser ludibriado. Percebe quando lhe é veiculada uma opinião velada de análise. Esta percepção polariza e radicaliza-o e, entendendo que foi atraiçoado por aqueles que o deveriam informar de forma desprovida de pendor ideológico, votará de acordo com a sua angústia. A concretização e sensacionalismo dos media contribuem activamente para a erosão democrática.
A opinião não é tão problemática com aqueles que sabemos ser comentadores e cujas posições conhecemos a priori, mas esse não era o caso de Sebastião Bugalho. Como excepção, a imagem de Bugalho não era a de um “tudólogo” formado em Direito e com afiliação partidária. Tinha um pouco mais de ethos: licenciado em Ciência Política e aparentemente isento. Como tal, estaria capacitado para julgar objectivamente a política e até avaliar os debates partidários de forma imparcial.
Conhecíamos a promiscuidade entre a política e o sector privado, e até entre a política e o comentário político, mas eis que chegamos a uma dimensão inédita: a transição do comentário para a política. Até a política incorre no malfeito do sensacionalismo: agora quem é comentador prontamente se torna político. A aparente isenção de Bugalho rapidamente cedeu a favor do carreirismo. Claramente, não era isento para escrutinar Montenegro ou avaliar os seus debates de forma imparcial. Afinal, o dilema foi resolvido: os possíveis cabeças de lista mais prestigiantes, ex-governantes que seriam capazes de disputar as europeias e que, segundo Bugalho, estariam relutantes em aceitar o convite, já não seriam necessários. O próprio os substituiria.
Ainda assim, o pecado não é tão capital com Bugalho quanto é com Montenegro. O oportunismo social-democrata minou indelevelmente a confiança do telespectador nos media para escrutinar os partidos. Ultimamente, foi aberta uma caixa de Pandora: uma nova avenida para a promiscuidade no contexto de portas giratórias que é a política portuguesa. A curiosidade mata o gato e a democracia. Não obstante, o pecado original e o ónus da ascensão da direita radical recai, em grande parte, nos media, que, entre outras questões, como o sensacionalismo da cobertura da direita radical, criaram as condições para a conjuntura actual. A selecção de Bugalho não é uma surpresa, só uma culminação lógica de tendências existentes. Este precedente não augura um bom futuro para uma política que é cada vez mais radicalizada e menos íntegra.