Depois de vários meses a dizer que estava a trabalhar no pressuposto de convocar eleições legislativas no Reino Unido para a “segunda metade” do ano, dando a entender que a votação poderia acontecer em Outubro, Rishi Sunak revelou, finalmente, e de forma inesperada, a sua data oficial: 4 de Julho; ou seja, daqui a pouco mais de um mês. Para tal, o Parlamento vai ser oficialmente dissolvido na próxima semana.
O primeiro-ministro conservador reuniu-se esta quarta-feira com todos os seus ministros no n.º10 de Downing Street, em Londres, e depois de anunciar a data das eleições e o fim da legislatura, revelou que já falou com o rei Carlos III, a pedir a dissolução da Câmara dos Comuns do Parlamento de Westminster.
Os maus resultados obtidos pelo Partido Conservador nas eleições suplementares e locais mais recentes, somados às sucessivas sondagens, que dão uma vantagem considerável ao Partido Trabalhista, e à inflação elevada no país, dificultaram a tarefa do primeiro-ministro tory na busca por um bom momento político para convocar as legislativas, que, por lei, têm de se realizar até Janeiro do próximo ano.
O endurecimento da política migratória, nomeadamente através da aprovação do plano para enviar migrantes e requerentes de asilo para o Ruanda, foi tratado por Sunak e pela sua equipa como uma estratégia para ganhar apoios e popularidade, particularmente nas regiões de Inglaterra e do País de Gales que votaram a favor do “Brexit” em 2016 e em Boris Johnson e nos tories nas eleições legislativas de 2019.
Aparentemente, e apesar de ter caído menos do que o esperado, a redução da inflação para 2,3% em Abril – o valor mais baixo em quase três anos –, conhecida esta quarta-feira, e o facto de a economia britânica ter crescido 0,6% em Março, parecem ter lançado as bases para o “bom momento” que Sunak procurava.
“A inflação voltou ao normal” e o plano do Governo “está a funcionar”, afirmou o chefe do Governo no debate semanal desta quarta-feira com o líder da oposição, Keir Starmer, na Câmara dos Comuns.
Latest YouGov Westminster voting intention (15-16 May)
Conservative: 20% (+2 from 7-8 May)
Labour: 47% (-1)
Reform UK: 11% (-2)
Lib Dem: 9% (=)
Green: 8% (+1)
SNP: 3% (=)https://t.co/hQ1CRhDPNP pic.twitter.com/zcpiWJEb2Q— YouGov (@YouGov) May 17, 2024
A última vez que houve eleições legislativas em Julho no Reino Unido foi em 1945. O Partido Trabalhista, na altura liderado por Clement Attlee, venceu de forma clara os conservadores de Winston Churchill.
Turbulência tory, optimismo trabalhista
Segundo o último inquérito da YouGov para o Times, divulgado na sexta-feira da semana passada, o Labour recolhe 47% das preferências dos eleitores e os conservadores ficam-se pelos 20% – Reform UK (11%), Liberais-Democratas (9%), Partido Verde (8%) e Partido Nacional Escocês (3%) completam a lista.
A oposição tem pedido há muito a saída de cena dos conservadores, no poder desde 2010. Mas vários actuais e antigos deputados e ministros do Partido Conservador, pertencentes à facção brexiteer e radical do partido e próximos dos ex-primeiros-ministros Liz Truss e Boris Johnson (e críticos de Rishi Sunak), têm defendido que é arriscado marcar eleições com sondagens tão negativas e têm exigido uma nova estratégia política e comunicacional por parte do Governo e do partido.
Os media britânicos citam alguns destes críticos, que falaram sob condição de anonimato, que não excluem uma iniciativa interna para se tentar convocar uma moção de desconfiança a Sunak, que, em última instância, poderia levar a uma corrida à liderança do Partido Conservador antes das eleições.
Algumas dessas figuras do universo conservador que entraram em choque com Sunak, como o ex-vice-presidente do Partido Conservador Lee Anderson, optaram por se mudar para o Reform UK, o partido populista de direita radical fundado em 2018 pelo político eurocéptico e anti-imigração Nigel Farage, na altura com o nome de Partido do Brexit, que promete disputar votos com os tories.
Tendo assumido a chefia do Governo britânico em Outubro de 2022, depois de o plano económico e fiscal de Truss ter deixado os mercados em ebulição e atirado o valor libra para mínimos históricos e na sequência de uma série de escândalos políticos e pessoais derrubaram Johnson meses antes – nomeadamente o caso das festas e ajuntamentos em Downing Street durante períodos de confinamento e de restrições no âmbito da pandemia de covid-19 –, Sunak nunca conseguiu contrariar um certo ambiente de cansaço e de “fim de ciclo” dos conservadores.
Ao fim de quase 15 anos do Partido Conservador no poder, o Reino Unido teve cinco primeiros-ministros, realizou um referendo à Europa (vitória do “sim) e um referendo à independência da Escócia (vitória do “não), saiu da União Europeia e viveu uma pandemia, pelo menos duas crises financeiras e uma guerra no continente.
Também por causa da realidade conservadora, os bons resultados do Partido Trabalhista nas últimas duas eleições locais e autárquicas (Maio de 2023 e Maio deste ano) e a conquista de vários deputados aos conservadores em eleições suplementares convocadas para substituir membros do Parlamento que, por diferentes motivos, tiveram de renunciar aos cargos, fazem do partido de Starmer o favorito à vitória nas próximas legislativas.
A chave para o potencial primeiro governo trabalhista pós-Tony Blair e Gordon Brown está na reconquista do chamado “red wall” (“muro vermelho”), nas regiões operárias do Norte e Centro de Inglaterra e no País de Gales, cujos eleitores votaram nos conservadores em 2019, depois de décadas a votar no Labour.
Nessas eleições, vencidas por Boris Johnson e pelo Partido Conservador de forma clara, o Partido Trabalhista, na altura liderado por Jeremy Corbyn – entretanto afastado do partido pela direcção de Starmer, por supostamente não ter feito o suficiente para lidar com as acusações de anti-semitismo dentro do Labour – teve a sua pior derrota em legislativas desde 1935.