Vivemos de facto uma época em que as pessoas confundem conceitos e campos com demasiada facilidade. É uma das marcas da infantilização do espaço público. Pessoas que, de manhã, veem numa palavra uma “microagressão” intolerável estão à tarde a comemorar o massacre de judeus ao lado de outras pessoas que são a negação total do que defenderam de manhã. Como é que as palavras doem mais do que ações mortais? E onde é que está a mais pequena coerência conceptual e política? Se é pró feminismo e pró LGBT, como é que o “ativista” de esquerda pode estar sempre ao lado – mas sempre mesmo – da entidade mais misógina e homofóbica (o patriarcado muçulmano)? Se é pró vida e pró família, como é que o “ativistas” de direita pode estar contra casais homossexuais que geram e adaptam vidas e como é que muitas vezes namora com a pena de morte?
Todos nós temos um pouco de incoerência, mas o nosso trabalho intelectual e cívico passa sempre por tentar fechar essas incoerências. Mas hoje em dia esse trabalho é visto como uma violação dos “safe spaces” a que alegadamente as pessoas têm direito.
A confusão continua. As pessoas que se queixam da intromissão dos outros na sua vida são as mesmas que expõem por completo a sua vida nas redes. Há pessoas ainda que não compreendem a diferença entre factos e narrativa, pois só aceitam a vigência da sua narrativa. Acham mesmo que os factos são ofensivos. E depois há pessoas que não compreendem o que é o humor, como já aqui descrevi. O que me leva ao ponto desta coluna: exigir a presença de pessoas do Chega no programa de humor de Ricardo Araújo Pereira é um absurdo. Ricardo Araújo Pereira não é jornalista, é humorista, logo não tem o dever de convidar pessoas do Chega para o seu programa de entretenimento. Não há aqui quotas, porque isso interfere diretamente com a liberdade criativa. Ademais, o humorista não tem de ser parcial ou neutral. Aliás, não deve.
Para lá do riso ou debaixo do riso, devemos muito ao trabalho coerente de Ricardo Araújo Pereira: de manhã, critica intelectualmente o fanatismo woke e à noite critica politicamente o fanatismo do Chega. Ao recusar entrevistar pessoas do Chega, Ricardo Araújo Pereira está a dizer uma coisa óbvia: os cheganos não estão a jogar o jogo democrático. Não querem jogar à bola como os outros, querem ficar com a bola, o que é bastante diferente. Ventura é aquele puto que agarra na bola para dizer “a bola é minha, a bola é minha”. E, quando os outros reagem, este puto vai fazer queixinhas e vestir-se de mártir. Já expliquei isto às minhas filhas. É um pouco estranho ter de explicar mesma coisa a adultos vacinados, sobretudo adultos vacinados e a instituições que dão vazão às queixinhas. Porque é que a ERC e a CNE estão a ser perfeitos idiotas úteis do Chega?