Aos psicopatas é associada a ideia de criminosos ou assassinos, mas muitos vivem entre nós e até ocupam lugares do poder, alerta o psiquiatra João Carlos Melo, que descreve estas pessoas como malévolas, que não sentem culpa nem compaixão. No livro Lugares escondidos da mente — Do mais sombrio ao mais luminoso da natureza humana, João Carlos Melo escreve sobre estas pessoas que se escondem por detrás de “uma máscara de sanidade”, mas que “são máquinas frias, calculistas, programadas para sobreviver e atacar”.
Em entrevista à agência Lusa, João Carlos Melo explicou que os psicopatas têm uma vida e um “aspecto normal” e alguns ocupam lugares de poder, o que é “o mais complicado de tudo”. “Disfarçam-se de cidadãos exemplares, amantes irresistíveis, profissionais briosos, adoptam discursos e gestos adequados às ocasiões. Mas as leis são as deles. Não se conformam nem respeitam as regras sociais, a menos que isso os prejudique”, afirma o psiquiatra no livro, lançado este sábado, em Lisboa.
Estes homens e mulheres têm poder dentro da própria família e dos grupos que fazem parte. “Depois de terem o poder revelam-se como são, humilhando e destruindo de várias maneiras os outros”. Para o psiquiatra, a “arma principal” para combater este problema é “a informação e a divulgação” da sua existência. “Eles vivem entre nós. Cruzamo-nos diariamente com eles, até convivemos com alguns (…). Isto não seria problemático se estas pessoas fossem inócuas”, mas são tudo menos isso, daí a necessidade de identificá-los para as pessoas perceberem quem são e se poderem defender do “perigo que constituem”, escreve.
Segundo o especialista, os psicopatas “nunca pedem ajuda” e quando o fazem é porque a mulher, no caso dos homens, os obrigou a fazer psicoterapia com a ameaça de os deixarem ou porque têm sintomas de depressão, ansiedade ou insónia. “Mas porque não quer perder a mulher? Porque precisa dela para descarregar aquela maldade ou porque precisa dela como um objecto, para não se sentir só, mas não a respeita”, explicou.
Contou que nessas situações é “muito claro”, ao dizer-lhes que “não faz sentido fazerem psicoterapia”, porque para aceitar o tratamento a pessoa tem de ter consciência que tem um problema e que quer o resolver, o que não é o caso. “Portanto, o melhor tratamento para a psicopatia é a prevenção, nomeadamente das pessoas que lidam com essas pessoas, saindo das relações o quanto mais cedo melhor e, nos casos em que é possível, nem chegarem a entrar na relação, o que é difícil porque são pessoas falsas, manipuladoras sedutoras e que enganam as outras pessoas”, salientou.
A psicopatia e a sociopatia não são classificadas como doenças psiquiátricas e por isso não há dados fidedignos sobre a percentagem da população que sofre destes transtornos de personalidade. Por isso, também não são detectados na saúde. E também não são apanhados pela justiça, porque “os mais inteligentes e mais perseverantes (…) estudam o Código Penal para perceberem até onde é que estão dentro e fora da lei”.
Da essência do psicopata faz parte “a ausência de sentimentos, de empatia”, o que faz com que não gostem de ninguém. “As suas emoções são planas e secas, sem profundidade nem vida”, descreve no livro em que conta a história do neurocientista e investigador James Fallon que descobriu que ele próprio era psicopata durante um estudo que estava a realizar.
João Carlos Melo disse ter “uma vontade profunda” de ajudar pessoas que foram ou são vítimas de indivíduos com características psicopáticas, narcísicas, mas admitiu não gostar “destes indivíduos”. “Se fosse cirurgião e um indivíduo desses precisasse de uma cirurgia eu fazia e dedicava-me completamente, mas reservava-me o direito de continuar a não gostar dele”, sustentou o também psicoterapeuta, que durante nove anos fez “grupanálise” para ficar mais preparado para “tratar os outros”.
À questão levantada por si “Os psicopatas têm partes boas, facetas positivas e humanas da sua personalidade”, responde “evidentemente que sim, são humanos, mas uma coisa é certa: Não têm cura”.
No livro, João Carlos Melo reúne histórias reais de situações limite e ajuda a compreender a origem de determinados comportamentos e atitudes. “O ser humano é capaz do melhor e do pior: dos actos mais cruéis, sádicos e monstruosos aos mais sublimes, generosos e grandiosos. Somos capazes de amor e de ódio— todos, individualmente e como espécie. É esta a nossa natureza, é assim que somos feitos, quer se goste ou não”, escreve o psiquiatra, autor de vários livros.