Volvida a azáfama do processo eleitoral, verificaram-se também os esperados silêncios das intervenções partidárias sobre Política Externa, Segurança internacional e Defesa nacional. Isto é lamentável e preocupante, e o novo governo tem agora uma responsabilidade acrescida para esclarecer o posicionamento de Portugal no instável contexto internacional em que se insere.
A política externa sempre foi um tema distante e pouco atraente para o eleitorado de um país pequeno que não tem por hábito questionar o peso dos seus Negócios Estrangeiros lá fora. É ainda um assunto pouco urgente e menosprezado, em parte porque a maioria dos portugueses pensa que aquilo que acontece fora das nossas fronteiras não resolve os problemas da Saúde, Segurança Social, Educação, Habitação e Cultura. No entanto, aquilo de que o país se esquece, e aquilo que os nossos líderes partidários teimam em não salientar, é que praticamente todos os nossos problemas a nível doméstico dependem muito do que acontece na política e economia internacional.
Só nos últimos anos verificámos em primeira mão esta interdependência global com a pandemia da Covid-19, na compra de vacinas, na inflação, nas cadeias de abastecimento internacionais e no aumento das rendas. Em 2024, e pela primeira vez para a minha geração, estamos a sentir a nossa dependência em relação à União Europeia (UE) e à NATO em termos de visão estratégica, desenvolvimento de capacidades e ação em matéria de Segurança e Defesa. Crescemos a pensar que a paz e a estabilidade na Europa estavam asseguradas. Agora, a guerra é uma realidade.
Por esta razão, nesta nova legislatura deve interessar-nos muito enquanto cidadãos portugueses, mas sempre também europeus, o posicionamento de Portugal face à integração europeia, a guerra na Ucrânia, as sanções à Rússia, a guerra em Gaza, a degradação do sistema multilateral e a Cooperação para o Desenvolvimento. O posicionamento de um novo governo nacional em todas estas questões, as promessas assumidas em termos de política externa nacional e a congruência com os nossos aliados, são factores que deverão inevitavelmente fomentar o escrutínio político nos próximos anos.
Os portugueses podem e devem querer saber o que o novo executivo pretende fazer em relação ao próximo alargamento da UE, ao apoio inegociável à Ucrânia, ao aumento do orçamento da Defesa, ao futuro da NATO e à manutenção do Direito Internacional em Gaza. Os riscos e a responsabilidade sobre os ombros dos ministros da defesa nacional e dos negócios estrangeiros pesam hoje como nunca pesaram, até porque todas estas questões têm um simbolismo internacional muito forte e, como tal, é necessário que Portugal pense bem no posicionamento externo que quer ter.
Tal como se verificou no decorrer da campanha eleitoral, os partidos têm falhado redondamente na aproximação dos cidadãos à política externa. No entanto, a política externa vai-nos ficando cada vez mais próxima e incómoda, nomeadamente através do hipotético regresso do serviço militar obrigatório, das questões para a igualdade (as mulheres enquanto ativos cruciais para as forças armadas), dos renovados investimentos em armamento numa fase pré-guerra, e de uma economia que não está à prova de mazelas da insegurança internacional. Num país com uma abstenção elevada e um desencanto sistémico com a política, nunca foi tão importante os nossos ministros priorizarem transparência, realismo e honestidade para explicar aos seus cidadãos o que se avizinha.
Nas últimas semanas, assistimos a uma escalada de acusações contra os países europeus por parte de Vladimir Putin, a declarações provocadoras de Trump sobre a NATO e à sugestão do presidente Macron sobre o envio de tropas da Aliança Atlântica para solo ucraniano. A incerteza sobre o alastramento da guerra na Ucrânia aos países europeus membros da NATO é grande. Ainda assim, de forma inconsciente e meio lunática, há uma fatia de partidos nacionais, nomeadamente o PCP e o BE, que consideram plausível a resolução deste contexto geopolítico através da saída de Portugal da NATO – o nosso garante de sobrevivência nacional e coletiva –, do desarmamento e de uma negociação amigável com Putin. Para estes partidos, e ao fim de 50 anos de democracia sofrida contra ameaças anti-democráticas, a guerra da Rússia contra a Ucrânia é apenas um pequeno acidente histórico.
A política externa certamente não deu votos, mas poderá criar as condições para uma guerra. Os ministérios de Paulo Rangel e Nuno Melo têm agora uma responsabilidade acrescida.