Transvases, mais armazenamento, centrais dessalinizadoras, aumentar o preço da água em 26%, e combate ao mercado negro de água são algumas das soluções apontadas em estudo da Católica para melhor gerir a água no país.
A escassez de água em Portugal ameaça vir a ter sérios impactos na economia portuguesa. Num cenário extremo de falta de água, o PIB português arrisca afundar 3,2%. As soluções para mitigar este impacto negativo passam por melhorar o armazenamento da água, reduzir as perdas na rede ou combater o mercado negro através da criação de um mercado. E também por aumentar o preço da água em quase 26%.
O alerta consta do estudo O valor económico da água em Portugal, uma investigação liderada pelo professor Miguel Gouveia da Universidade Católica Portuguesa, que vai ser hoje apresentado
“A escassez hídrica terá um impacto direto no potencial de geração de hidroeletricidade em Portugal, promovendo uma alteração do seu mix energético, encarecendo-o, numa altura em que se pretende a descarbonização. A escassez de água terá impactos macroeconómicos significativos, nomeadamente no PIB (num cenário de efeitos climáticos mais severos, o PIB poderá cair 3,2%), em aumentos das taxas de desemprego e inflação, e numa deterioração da balança comercial. Estes impactos serão maiores quando se consideram cenários com redução dos caudais vindos de Espanha”, pode-se ler no documento.
No estudo, são destacados os “fortes impactos negativos” que serão verificados nos “sectores trabalho-intensivos, nomeadamente nos primário e terciário, bem como o aumento considerável nas taxas de desemprego (+28,2%), e a diminuição no consumo público (-18,4%) (que por sua vez está relacionada com a perda de receitas relativas a impostos sobre o consumo e contribuições sociais). Dado o peso dos sectores primário e terciário na balança comercial, também esta regista um forte impacto negativo com um aumento do déficit comercial na ordem dos +17,5%”.
E quais as soluções?
O estudo aponta várias estratégias que podem ser seguidas para promover um uso mais eficiente da água em Portugal.
“Há muitas estratégias possíveis: mais armazenamento, mais albufeiras, investimentos nos transvases, dessalinização, reaproveitamento de águas residuais, investimentos na recuperação e redução de fugas. Vamos gastar dinheiro em todas? É preciso fazer um estudo sistemático sobre o custo benefício e separar o trigo do joio. Os recursos não são infinitos, há uma quantidade limitada de dinheiro para investir na água. A nossa proposta mais importante e que seja aplicado custo-benefício sistemático”, disse ao JE o professor Miguel Gouveia.
O estudo defende a necessidade de regulamentar os mercados de água, que já são usados em vários países. “Quando há falta de água em algumas zonas, muitas pessoas começam a vender e a comprar água à socapa, no mercado negro. Por exemplo, um agricultor numa área de regadio, com tantos hectares, tem direito a X milhares de m3 por ano. Está doente, ou vai-se reformar, tem direito a uma data de água, mas não a vai utilizar. Porque não agarrar no seu direito e vender a quem a vai rentabilizar. Este tipo de transações em Portugal é irregular, nunca foi regulado. Podíamos tentar fazer em Portugal: em vez de mercado negros, todos ficavam a ganhar”.
No caso das barragens, apontou que o país tem uma das maiores capacidades instalada/milhão de habitantes da Europa. “As melhores barragens já estão feitas. Se querem mais, têm de provar que vale a pena. Mas além de mais barragens, pode-se ampliar barragens existentes: estudar se há barragens para utilização hidroelétrica que possam tornar-se também em barragens para irrigação. Tentar aproveitar o que já temos”.
O professor de Economia destacou também a necessidade de gerir bem os aquíferos, a água subterrânea. “É muitíssimo importante. Se queremos aumentar a capacidade de reter a água, em vez de barragens, e de poços para tirar a água subterrânea, pode-se fazer poços para encher os aquíferos, os sistemas de retenção. É mais económico, o país devia estudar esta alternativa”.
Para terminar, o estudo deixa a sugestão de subir o preço da água. “Conjugando o crescimento económico, o decréscimo da população e da dimensão das famílias, o consumo urbano de água deverá aumentar cerca de 5,7% até 2030. Para manter o consumo ao nível de 2022, o preço da água terá de subir 25,7% até 2030, para uma média de €3,2/m3 , o que pode ser visto como o valor económico da água em consumo urbano”, afirma.
Impactos negativos
Por sector, o estudo aponta que no caso da indústria e construção, por exemplo, os “impactos de restrições no consumo de água, decorrentes das alterações climáticas, são heterogéneos e estão fortemente relacionados com a expressão da água e da energia no total dos respetivos custos de produção. Sectores com taxas mais altas de consumo de água por unidade de output serão naturalmente mais afetados (e.g. produção de alimentos e bebidas, indústria química, do papel, plásticos, etc.). No caso dos serviços, mesmo daqueles serviços não transacionáveis como é o caso da saúde, da educação e da administração pública, os efeitos dos impactos negativos deverão fazer sentir-se fundamentalmente através do aumento dos custos de distribuição de água”.
Assim, “num contexto em que não se verifica competição entre o sector hidroelétrico e os restantes sectores, aqueles que têm atividades mais intensivas na utilização de água (a agricultura e florestas, as pescas, a distribuição e fornecimento de água, e a manufatura de alimentos, bebidas e papel), tornam-se menos rentáveis, e reduzem consequentemente os seus níveis de produção. Já aqueles sectores menos intensivos na utilização de água, como sejam a manufatura de produtos não minerais, equipamento elétrico, e maquinaria e equipamento, tornam-se mais rentáveis e aumentam os seus níveis de produção. Se, entretanto, se verificar competição entre a produção de hidroeletricidade e os restantes sectores, os efeitos da escassez hídrica só se deverão manifestar nos sectores que não energéticos por via das variações dos preços da eletricidade”.
O estudo conclui que a “escassez hídrica em Portugal, decorrente dos efeitos das alterações climáticas e da competição entre sectores pelos recursos de água, irão colocar importantes desafios ao desenvolvimento económico e social do país, sendo os respetivos impactos macroeconómicos significativos. Estes impactos serão tanto maiores quanto se considere a intensificação da escassez hídrica em Portugal como resultado do consumo de água do lado espanhol”.
Os impactos das alterações climáticas na “disponibilidade do recurso água acabam por ter um impacto direto no potencial de geração de eletricidade em Portugal, promovendo uma alteração do seu perfil de produção energética, num momento em que a tendência global favorece uma economia de baixo carbono, e os mixes energéticos nacionais na Europa estão rapidamente a transitar de energias fósseis para energias renováveis. Adicionalmente, o estudo chama ainda a atenção para o facto de as alterações climáticas aumentarem a complexidade da gestão económica transfronteiriça da água, já que qualquer alteração no país a montante afetará a disponibilidade dos recursos de água no país a jusante”.
“Embora a responsabilidade de providenciar água nas condições adequadas para dar resposta a necessidades sociais, económicas e ambientais, seja frequentemente atribuída a um sector específico, do qual se espera que assegure a infraestrutura adequada e que canalize a água na direção correta, na realidade, enfrentar os desafios associados à gestão da água requer intervenções transversais a toda a economia, e a sua gestão carece de cooperação e coordenação entre diversos stakeholders e “jurisdições” sectoriais”, destaca.