“Queremos processar o Estado moçambicano através dos seus agentes. Vimos as pessoas, conhecemos os policiais que estão por detrás desta operação (…) vamos levar o caso a instâncias internacionais para se saber o quão este Governo, o Estado moçambicano, trata os seus cidadãos, trata os jornalistas e os defensores de direitos humanos”, disse Adriano Nuvunga, diretor do CDD, pouco depois da libertação da ativista, que se identifica também como jornalista.
A ativista do CDD terá sido detida na noite de terça-feira, em Maputo, quando transmitia em direto o protesto, iniciado em 28 de maio, de centenas de antigos oficiais das Forças de Defesa e Segurança de Moçambique acampados à porta da representação das Nações Unidas para reclamar compensações resultantes do Acordo Geral de Paz, que pôs fim à guerra civil no país.
“É sequestro quando a polícia persegue a cidadã que estava a reportar uma situação que estava a acontecer na via pública”, referiu o diretor do CDD.
Um vídeo que circula nas redes sociais, feito pela própria ativista, mostra o momento em que terá sido levada por agentes da Polícia da República de Moçambique (PRM) enquanto gritava por socorro e dizia que a polícia a estava a atacar.
“Esta polícia acaba de atacar-me e não vou parar de filmar”, gritava Sheila Wilson, até que a transmissão ao vivo foi interrompida.
A ativista foi libertada esta manhã e, segundo Adriano Nuvunga, o telemóvel que usava para filmar foi apreendido pela polícia.
Segundo a ativista, a polícia fez menção a ordens superiores para justificar a sua detenção, referindo ainda que foi ameaçada e obrigada a apagar o vídeo.
“Foi aberto um processo contra mim (…) estive aqui a noite e o meu celular continua aqui apreendido, infelizmente, e não sei porquê”, disse Sheila Wilson, em declarações à comunicação social após ser libertada.
A Lusa contactou as Nações Unidas e a polícia moçambicana para ter esclarecimentos, mas não obteve resposta.
A Resistência Nacional Moçambicana (Renamo) considerou “repugnante e condenável” a detenção da ativista, manifestando também alívio pela sua libertação.
“Esperamos que as autoridades responsáveis investiguem esse incidente e tomem medidas para garantir que situações semelhantes não voltem a ocorrer”, referiu a Renamo numa nota publicada na sua página do Facebook.
A intervenção da polícia na terça-feira levou também à “fuga em debandada” de centenas dos oficiais em protesto disse à Lusa o líder do grupo, pouco depois da ação policial.
“Não consigo confirmar se foi feita alguma detenção. Estavam cerca de 200 pessoas que tiveram de fugir em debandada. A polícia usou a força, chegaram sete carrinhas cheias de polícias de todos os tipos e bem armados”, descreveu Adolfo Samuel, porta-voz do protesto, antigo oficial superior da segurança do Estado.
O Acordo Geral de Paz pôs fim à guerra dos 16 anos, que opôs o exército governamental, do qual os queixosos faziam parte, e a guerrilha da Renamo, que já se desarmou e tem estado a reintegrar os seus guerrilheiros envolvidos nesta guerra.
O conflito, que deixou milhares de mortos, viria a terminar com a assinatura do acordo, em 04 de outubro de 1992, em Roma, entre o então Presidente, Joaquim Chissano, e o líder histórico da Renamo, Afonso Dhlakama, que morreu em maio de 2018.
O Acordo Geral de Paz foi violado em 2013 por confrontos armados entre as duas partes, devido a diferendos relacionados com as eleições gerais.
Em 2014, as duas partes assinaram um outro acordo de cessação das hostilidades militares, que voltou a ser violado até ao terceiro entendimento, em agosto de 2019, o Acordo de Paz e Reconciliação Nacional, do qual resultou o desarmamento do braço armado do principal partido de oposição em Moçambique.