Depois de uma vida como professor de engenharia industrial, aos 90 anos, Miguel Ángel Gallo realizou um novo sonho: licenciou-se em Belas Artes na Universidade de Barcelona, ao lado dos colegas quase 70 anos mais novos. O novo Michelangelo promete que ainda quer fazer um novo doutoramento. Mas não foi o único: nos EUA, Virginia Hislop aos 105 anos terminou o mestrado em Stanford.
Na década de 1940, Virginia estava prestes a entregar a tese de mestrado quando rebentou a Segunda Guerra, que lhe trocou os planos, conta a ABC News. Quando o então namorado, George Hislop, foi chamado para servir no exército, decidiu abandonar os estudos para se casar e ajudar no esforço de guerra.
Ao longo das décadas seguintes — tem dois filhos, quatro netos e nove bisnetos — foi professora de artes nas escolas de Washington. Recentemente, a Universidade de Stanford deixou de exigir uma tese para a obtenção do grau de mestre e Virginia Hislop decidiu ter finalmente o diploma do mestrado de artes em educação. “Meu Deus, esperei muito tempo por isto”, disse ao reitor, Daniel Schwartz, na cerimónia deste domingo. E declarou: “A falsa modéstia nunca foi um dos meus problemas. Senti que merecia e fiquei encantada por receber o diploma.”
Já Miguel Ángel Gallo foi, em 2017 que, reformado da carreira académica, decidiu voltar a estudar, depois de “agarrar no pincel” e fazer uma primeira pintura a óleo. “Inscrevi-me sem contar nada aos meus filhos”, confidencia, ao jornal catalão La Vanguardia, apesar da proximidade à família numerosa, sempre pronta a apoiar. “A minha mulher e eu tivemos 13 filhos extraordinários. Depois chegaram 39 netos e, por enquanto, 13 bisnetos”, contabiliza.
A nova aventura estudantil aconteceu quase seis décadas depois de Miguel Ángel ter saído da Escola Técnica Superior de Engenheiros Industriais de Barcelona e de iniciar a carreira académica, primeiro com o doutoramento e depois com uma vida de professor na Universidade de Navarra. “O mundo mudou muito e eu tive a oportunidade de o testemunhar, em directo, a partir daqui”, orgulha-se.
A adaptação não foi difícil, diz, e os novos colegas ajudaram-no a adaptar-se. Ana Fernández era uma das colegas de turma e destaca a calma de Miguel Ángel face aos desafios, sem deixar de comparar as diferenças geracionais. “Ele fazia tudo à mão, sem tecnologia, tanto quanto possível”, afiança, com humor, elogiando também a capacidade de o colega conciliar os estudos com a vida profissional, já que o antigo professor faz parte do conselho de administração de várias empresas de engenharia.
Como maior dificuldade, Miguel Ángel desabafa que foi difícil adaptar-se novamente ao papel de estudante. “Passei a vida a examinar os outros”, lembra, confidenciando que teve de mostrar aos professores que “levava muito a sério” a nova licenciatura, de tal forma que ainda quer fazer um novo doutoramento.
“Miguel Ángel chegou às salas de aula com uma percepção muito económica, científica e disciplinada e daqui surgiu um licenciado muito mais aberto e influenciado pelas humanidades”, elogia a professora Carme Portas, que também orientou o projecto de final de curso, uma pintura que o aluno dedicou às memórias da sua vida.
A professora destaca, ainda, o papel que Miguel Ángel teve na turma, como “um avô ou pai muito interessante do grupo”. Gallo defende que apenas de limitou a tentar “compreender as histórias pessoais dos colegas e a ajudá-los do ponto de vista da experiência”.
Quando lhe perguntam qual é o segredo para a longevidade, Miguel Ángel define quatro pilares: a religião, o ambiente que o rodeia, a paixão e os passatempos. Ser católico, defende, ajudou-o a enfrentar “os momentos difíceis da vida” e a vocação de engenharia foi alimento intelectual — publicou 12 livros sobre o tema. Mas não menos importante foi o desporto: “Até aos 83 anos, esquiava acompanhado por um dos meus filhos, para que ninguém me atropelasse. E, até aos 85, andei a cavalo com a minha mulher.”