Páginas e páginas e páginas, minutos e horas de televisĂŁo e rádio e nem uma notĂcia sobre o que está a acontecer em Lisboa. Há meses que o assunto está no ar com o seu terrĂvel fedor a lixo nĂŁo recolhido e tambĂ©m nas calçadas, tĂŁo sujas como nunca, e ainda nas árvores descabeladas e nos canteiros mal ou nĂŁo podados — tudo viscoso e porcalhĂŁo, sujo e encardido, a turĂstica pocilga.
Tudo isto Ă© contestável, mas imagino que Moedas nĂŁo se sobressalte, já que dorme o sono dos inconscientes. Já a coluna de opiniĂŁo demolidora de Miguel Sousa Tavares sobre o mesmo assunto, semanas depois reforçado por nova coluna – ainda mais arrasadora e factual – assinada por Manuel Salgado e JosĂ© Sá Fernandes, mereceu uma primeira altiva resposta do edil. Escreveram eles que o atual presidente da Câmara se apropriou de várias obras já em curso e que faz de conta que sĂŁo dele para brilhar. Fui verificar um par dessas obras e projetos – Salgado e Fernandes tĂŞm razĂŁo. NĂŁo há volta a dar: a apropriação existe, Moedas está a fazer pelo menos alguma batota – dou-lhe, naturalmente, algum benefĂcio da dĂşvida. Há trĂŞs possĂveis razões para este plágio: Carlos Moedas fez muito pouco, ainda nĂŁo conseguiu fazer o que quer ou entĂŁo nĂŁo tem ideia do que pretende para a cidade.
NĂŁo sou polĂtico, sou tĂŁo-sĂł lisboeta, e talvez esteja a ficar velho e precise mais de lĂrios, hortĂŞnsias e passarinhos do que da antiga cidade branca; e que este meu amanhecer endiabrado encontre nos meus genes grisalhos parte do desgosto que me atormenta. Acontece que nĂŁo sou o Ăşnico a ver e cheirar a cidade assim, em decadĂŞncia acelerada. Muita gente que conheço sente uma humilhante saudade de Fernando Medina – um dos polĂticos mais impessoais e altivos da pátria. Parece ficção cientĂfica – nostalgia de Medina, quem diria…? Acontece que Lisboa está um caco, regrediu tĂŁo depressa como a certa altura tinha florescido.
Bem sei que governar Ă© difĂcil, cuidar de uma cidade talvez seja dos trabalhos mais complexos — e tambĂ©m dos mais excitantes. O desgaste, o atrito e o conflito sĂŁo permanentes, sĂŁo o modo de vida urbano. O turismo, que julgo fundamental e bem-vindo, multiplicou (digo: quadruplicou) as necessidades e a extraordinária chegada de expatriados fez disparar os preços. Apesar de descapitalizado, gosto de uma Lisboa cosmopolita e diversa que exigiria mais trabalho pĂşblico, mais cuidado, mais esforço e mais liderança para estar Ă altura das circunstâncias. Nada disso aconteceu. Lisboa nĂŁo tem sĂł mar da palha, tem um mar de lixo com belas gaivotas lixeiras a condizer.