O ministro sem pasta do gabinete de guerra de Israel Benny Gantz anunciou a sua demissão este domingo à tarde, numa conferência de imprensa. Gantz é membro do partido centrista “Azul e Branco” e tem sido o mais sério oponente político do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu desde que apareceu na cena política, há cerca de cinco anos. Quando a guerra contra o Hamas começou, Gantz ofereceu apoio ao atual Executivo, mas há vários meses que se mostrava crítico das ações – ou inações – de Netanyahu na condução do conflito. “Netanyahu está a impedir-nos de avançar para uma verdadeira vitória”, disse Gantz, citado pelo “Jerusalem Post”. “Por isso, hoje deixamos o governo de emergência com o coração pesado, mas com toda a convicção”.
“As decisões estratégicas mais importantes estão a ser tomadas com hesitação e procrastinação, por culpa das considerações políticas”, de Netanyahu, disse Gantz, que apelou à realização de eleições no outono, e pediu a Netanyahu para fixar uma para a sua realização. Tal como já tinha feito antes – e é essa uma das grandes diferenças entre Gantz e Netanyahu – exigiu um acordo para a libertação dos restantes reféns. “Exijo que o primeiro-ministro mostre a coragem necessária para apoiar o acordo e fazer tudo para o fazer avançar”, afirmou.
A notícia era esperada, até era esperada antes, já no sábado à noite, mas a libertação de quatro reféns israelitas adiou o anúncio. É pouco provável que o Governo venha a cair como consequência direta desta demissão, mas é uma fissura muito óbvia na frente que Netanyahu quer mostrar unida. Como explica o “New York Times”, a instabilidade aumenta “à medida que aumenta a frustração pelo fracasso em derrubar decisivamente o Hamas e em trazer para casa todos os reféns detidos em Gaza”. A isto se juntam oito meses de combates, e pesadíssimas acusações sobre a atuação de Israel em Gaza.
Apesar de não haver uma consequência imediata para esta demissão, uma vez que a coligação do primeiro-ministro continua a deter uma estreita maioria no Parlamento israelita, alguns analistas sustentam que a saída de Gantz poderá encorajar os ministros de extrema-direita da coligação de Netanyahu, principalmente Itamar Ben-Gvir (Segurança Nacional) e Bezalel Smotrich (Finanças), que ameaçaram já por diversas vezes derrubar o governo se o primeiro-ministro avançar com algum cessar-fogo.
Benny Gantz, o homem que mais perto esteve de derrotar Netanyahu
MENAHEM KAHANA/Getty Images
Netanyahu já respondeu a esta demissão, e voltou a colocar o foco na guerra “existencial” que Israel vive. “Benny, agora não é o momento de abandonar a luta, é o momento de combinar poderes. Israel está numa guerra existencial em várias frentes”, disse, citado pelo “Jerusalem Post”. Prevendo já que pode precisar de novos apoios, o primeiro-ministro disse que a sua porta está aberta para “qualquer partido sionista que esteja disposto a partilhar o fardo e a ajudar a obter a vitória sobre os nossos inimigos e a garantir a segurança dos nossos cidadãos”. Gantz, ex-general das forças de defesa agora na reserva, também está a começar a reunir tropas. Fez rasgados elogios ao Ministro da Defesa, Yoav Gallant, e pediu aos que ainda permanecem no gabinete de guerra para que “ouçam as consciências”.
Gantz também respondeu a esta resposta de Netanyahu. Depois de elogiar a libertação dos reféns, disse que “convém lembrar que todos os desafios que Israel enfrenta, no que diz respeito ao regresso dos outros 120 reféns, e no que diz respeito aos outros desafios de segurança em geral nos teatros de guerra, em relação à região, em relação ao mundo e também a nível interno – permanecem como estavam”.
Itamar Ben Gvir, como se esperava, reagiu à notícia aproveitando para pedir que o seu partido, e ele mesmo, fossem convidados para fazer parte do gabinete de guerra. “É hora de recuperarmos o poder que tínhamos antes de Gantz ter aparecido”, disse,citado pelo “Jewish Chronicle”. “Chegou o momento de tomar decisões corajosas, de empreender uma verdadeira dissuasão e de trazer segurança ao Sul, ao Norte e a todo o país”, afirmou ainda.
Imagens de reféns israelitas detidos pelo Hamas em Gaza, expostas em Telavive, Israel, a 4 de fevereiro de 2024.
EPA / ABIR SULTAN
Ben Gvir opõe-se a qualquer acordo com o Hamas, mesmo um que garanta a libertação de reféns, é ele mesmo um colono em terras que a lei internacional designa para a Palestina e apoia que se continuem a construir colonatos de cidadãos israelitas em terra que deveria fazer parte de um futuro estado palestiniano.
Gantz tinha anunciado já a 18 de maio a sua lista de exigências, que voltou a elencar este domingo. As prioridades, no seu entender, são seis: devolver os reféns, destruir o Hamas, desmilitarizar a Faixa de Gaza, proporcionar uma alternativa de governo na Faixa de Gaza, fazer regressar os residentes do Norte às suas casas até 1 de setembro e reabilitar o Negev [deserto]; promover a normalização com a Arábia Saudita e adotar um esquema de serviço nacional normalizado em que todos os israelitas sirvam o país. Neste momento os judeus ortodoxos não cumprem o serviço militar – e também não são chamados para a guerra.
Uma das divergências mais proeminentes entre Gantz e Netanyahu tem sido em relação aos planos para a futura governação de Gaza. Os críticos dizem que Netanyahu não conseguiu articular um plano coerente para a forma como Gaza será governada após o fim da guerra, e por quem. Gantz apelou à criação de um órgão administrativo para supervisionar os assuntos civis, com o apoio de americanos, europeus, árabes e palestinianos.