O antigo Ministro da Administração Interna em Portugal, José Luís Carneiro, afirmou que o voto em mobilidade adoptado nas eleições europeias de 2024 poderia ser expandido às eleições legislativas, presidenciais e autárquicas. Nas legislativas portuguesas, um eleitor poderia votar em qualquer mesa dentro do respectivo distrito. Nas presidenciais, o eleitor votaria em qualquer parte do país, porque o Presidente é eleito no círculo nacional, correspondendo a todo o território nacional.
O voto em mobilidade poderia, também, ser adoptado nas eleições gerais angolanas, o que permitiria, por exemplo, a um eleitor recenseado no município de Luanda votar, igualmente, num outro município na província de Luanda. Ficando, apenas, limitado a votar no respectivo círculo eleitoral.
Esta possibilidade implicaria, obrigatoriamente, uma alteração na legislação eleitoral angolana, porque esse tipo de exercício de voto não tem respaldo legal. Está estatuído na lei que um eleitor deve votar na área da sua residência (artigo 87.º, n.º 8 da Lei n.º 30/21, de 30 de Novembro, que aprova a Lei Orgânica sobre as Eleições Gerais).
O que significa, no plano prático, que um eleitor angolano só poderá exercer o seu direito de voto numa mesa previamente determinada pela Comissão Nacional Eleitoral Angolana, sem nenhuma possibilidade de votar fora dessa mesa. Quando um eleitor angolano se apresenta numa mesa de voto que não a sua não pode exercer o seu direito de voto, sendo-lhe retirado um direito constitucionalmente consagrado por imposição administrativa e organizativa das eleições.
A adopção do voto em mobilidade em Angola retiraria essa limitação e ampliaria a possibilidade de exercício do referido direito. Mas, o eleitor ficaria sempre adstrito ao seu círculo eleitoral provincial, tal como sugerido pelo antigo Ministro da Administração Interna portuguesa.
Mesmo essa limitação legal prevista na Lei n.º 30/21, que acaba por obrigar o eleitor a votar no seu círculo eleitoral provincial, é bastante questionável, em nosso entender, porquanto os círculos eleitorais angolanos têm a sua magnitude determinada na Constituição de 2010, com a atribuição de 5 deputados independentemente do seu peso eleitoral.
No caso português, realiza-se um levantamento da população de cada distrito para definir o número deputados (o peso eleitoral ou magnitude de cada círculo) que cada distrito deve eleger num parlamento composto por 230 deputados. Deste modo, procura, sobretudo, aferir-se quantos deputados devem ser atribuídos a cada distrito eleitoral português em respeito ao princípio da proporcionalidade, consagrado constitucionalmente. O que não ocorre na realidade angolana, visto que o sistema está construído para maximizar o conteúdo do princípio da representação geográfica e paritária das províncias, com cinco deputados.
Deve, de facto, existir uma regra que limite o eleitor a votar no seu círculo provincial para assegurar um certo grau de representatividade das províncias angolanas. Mas, do ponto de vista técnico-eleitoral, os cidadãos angolanos deveriam possuir, em nosso entender, um maior grau de liberdade do que o eleitor português. Porquanto os eleitores em Angola, embora elejam os deputados, não definem o peso eleitoral da sua província, como acontece em Portugal.
O maior obstáculo à introdução desse mecanismo em Angola, tão bem-sucedido nas eleições europeias em Portugal, seria a efectiva falta de confiança no processo eleitoral. Sem um certo grau de confiança nas eleições é praticamente impossível ampliar o campo de possibilidades de exercer o voto. Por conseguinte, os meios de combate à abstenção eleitoral, que se situou nos 55,18% nas últimas eleições em Angola, ficam extremamente limitados. Como sabemos, os eleitores jovens valorizam a existência de menos constrangimentos no exercício do direito de voto, valorizam a liberdade.
Pensamos, deste modo, ser o momento oportuno para debater a forma de votar na realidade angolana, uma vez que está instituído, até ao ensejo, um tipo de voto ou forma de votar conservadora e amplamente restritiva de movimentações do eleitor, sem se atender ao tipo de eleitor e respectivas características enquanto sujeito político e social. Ou seja, não existe uma cultura de forte de participação eleitoral face ao reduzido número de actos eleitorais realizados na História eleitoral de Angola, em primeiro lugar.
Em segundo lugar, este eleitorado é bastante jovem, pelo que precisa de mais incentivos para participar do que um eleitorado cristalizado (com uma identificação partidária consolidada, por exemplo) cuja cultura de participação política e eleitoral já está enraizada. Por último, o ambiente de medo e de retaliação pelo exercício do voto persiste na mentalidade de alguns eleitores, como evidenciava o estudo realizado por Wacussanga et al. (2008)[1].
No estudo de Wacussanga et al. (2008), alguns cidadãos manifestaram um certo temor e receio em participar nas eleições depois da experiência de 1992. Mas, paradoxalmente, a taxa de participação nas eleições de 2008 acabou sendo superior às demais eleições (2012, 2017 e 2022) pelo que, aparentemente, o receio dos cidadãos não os impediu de votar (Dundão, 2022, p. 376)[2].
Assim, ao longo de três textos, iremos apresentar possibilidades de introduzir outras modalidades de votação ou voto no quadro legal angolano que possam servir como incentivo a uma maior participação eleitoral. Para esse efeito, iremos evidenciar outras modalidades de votação já introduzidas noutras realidades e com algum sucesso.
No entanto, mesmo com a adopção destas novas modalidades de voto, temos dúvidas que se consiga revolucionar a participação eleitoral, visto que as causas subjacentes a uma maior ou menor participação eleitoral devem ser entendidas com base na observação de Franklin (2003: 325), segundo a qual “a explicação das reais razões da participação eleitoral contém em si enigmas sociais”[3].
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.