Resultado? 95% das empresas que implementaram o modelo durante seis meses avaliaram positivamente a experiência. Da parte dos trabalhadores inquiridos, assinalou-se um ganho na conciliação entre a vida profissional, pessoal e familiar. Se antes essa conciliação era difícil ou muito difícil para 46% dos envolvidos, a percentagem baixou para 8% com o modelo de semana de quatro dias. A experiência mostrou também uma redução em 19% de sintomas de exaustão associada ao trabalho; o índice de ansiedade diminuiu em 21%; o de fadiga em 23%; e o de insónia ou problemas de sono em 19%.
Uma das coordenadoras deste estudo e diretora de Trabalho Flexível no World of Work Institute
Para Rita Fontinha, uma das coordenadoras deste estudo e também diretora de Trabalho Flexível no World of Work Institute, as vantagens da semana de quatro dias são claras para os trabalhadores, mas também para as empresas: “Estas empresas poupam devido à redução do absentismo, à diminuição de erros de produção, à maior facilidade em contratar e reter trabalhadores e à maior visibilidade que obtêm na esfera pública, o que melhora o negócio. Embora o aumento da produtividade seja residual, verifica-se que a mesma se mantém ou aumenta apesar da redução horária”.
“Country manager” do ManpowerGroup Portugal
A retenção de talento, é aliás, uma das principais vantagens apontadas ao modelo, num cenário em que 81% dos empregadores em Portugal afirma ter dificuldade ou muita dificuldade em preencher vagas que lança para o mercado, segundo apurou a ManpowerGroup Portugal. “Vemos surgir uma nova relação entre trabalhador e empregador em que os primeiros procuram flexibilidade e autonomia, priorizando o equilíbrio vida-trabalho, juntamente com fatores como a realização pessoal, a confiança, o propósito e o bem-estar”, salienta Rui Teixeira, “country manager” do ManpowerGroup Portugal. Por isso, “as organizações devem procurar adaptar-se a esta força de trabalho que deseja uma maior flexibilidade e alinhamento com as suas prioridades individuais”, acrescenta.
As vantagens de uma semana de quatro dias superam, assim, as desvantagens, que passam sobretudo pela operacionalização, uma vez que “nem todas as empresas têm um modelo de negócio que se possa adaptar a este horário ou permitir a sua aplicação de forma alargada a todas as funções”, salienta Rui Teixeira. No caso dos trabalhadores, o estudo-piloto realizado em Portugal apurou que 33% dos trabalhadores sentiram uma intensificação do ritmo de trabalho, mas acrescentaram que o benefício do dia extra compensou essa intensificação e que a mesma foi superada, para 77% dos trabalhadores, com a reorganização do trabalho.
Coordenadora do Laboratório Português de Ambientes de Trabalho Saudáveis.
São assim vários os estudos que concluem que o mercado de trabalho está a mudar de forma acelerada. E a inteligência artificial (IA) surge aqui como ferramenta potenciadora das novas tendências. “A IA está e vai cada vez mais fazer parte das nossas vidas e do mundo do trabalho, vai criar novas respostas, novas necessidades e as empresas e os profissionais vão ter de desenvolver competências para fazer face a essa dinâmica”, destaca Tânia Gaspar, coordenadora do Laboratório Português de Ambientes de Trabalho Saudáveis.
Como a IA pode ajudar
Neste contexto acelerado e multivariável de alteração do modelo de trabalho, a inteligência artificial está a impregnar-se nas várias dimensões das empresas. Naturalmente, nem todas as funções requerem uma componente de IA. Nas empresas, as tarefas onde esta é mais utilizada é no serviço ao cliente, na cibersegurança e prevenção da fraude, nos assistentes digitais e na criação de conteúdos, segundo a plataforma de tendências globais Exploding Topics.
Mas o potencial é muito maior. Segundo estimativas da McKinsey, a automatização de atividades de trabalho, possibilitada pelas tecnologias emergentes, poderá permitir que a economia global registe um aumento anual da produtividade de 0,2 a 3,3% até 2040, dependendo da taxa de adoção da automatização, sendo que a IA generativa irá contribuir com 0,1% a 0,6% desse crescimento.
“A IA irá permitir que nos foquemos nos aspetos humanos das nossas funções, ao mesmo tempo que nos liberta de atividades que uma máquina pode fazer melhor do que uma pessoa. Quando as máquinas assumem essas tarefas repetitivas, as pessoas podem ficar com funções mais interessantes e com maior potencial de criação de valor. Funções que exigem mais competências humanas, como por exemplo a criatividade, a resolução de problemas e a colaboração com outros”, defende Rui Teixeira. Salienta também que a força de trabalho está a envelhecer em todo o mundo, pelo que a produtividade, o principal motor do crescimento económico nas últimas décadas, está a evoluir mais lentamente, assim como o crescimento do emprego. “A IA é parte da resposta a este desafio, oferecendo-nos novas ferramentas e soluções de inovação para complementar as competências humanas e aumentar a produtividade”, destaca.
E como é que este aumento de produtividade facilitado pela IA pode vir a beneficiar o modelo de semana de quatro dias? Para o responsável do ManpowerGroup Portugal, os líderes das empresas devem “refletir sobre o que querem fazer com esse acréscimo de produtividade. É importante que os benefícios deste valor criado sejam também distribuídos pelos trabalhadores. Nesse sentido, a semana de quatro dias pode ser uma das vias que as empresas adotam”.
A inteligência artificial articulada com semanas de quatro dias pode também desempenhar um papel no combate ao desemprego. Rita Fontinha salienta que “de forma a combater um potencial aumento de taxas de desemprego, resultante da utilização extensiva de inteligência artificial, a implementação de uma semana de trabalho de quatro dias, em larga escala, poderia ser uma forma de mitigar uma possível situação de maior desemprego”.
Apesar de ser assumido que os avanços tecnológicos causem perturbações no mercado de trabalho, dados do ManpowerGroup Employment Outlook Survey indicam que 58% dos empregadores antecipam que as tecnologias imersivas os levarão a empregar mais trabalhadores.
Aposta na formação
Preparar os colaboradores tendo em conta novos processos de trabalho potenciados pela IA é, assim, considerado crítico. É aqui que entra a “necessária” componente de formação. Apesar de “a relação entre a IA e a diminuição de postos de trabalho não ser linear”, na perspetiva de Tânia Gaspar, “se formos observar a história das revoluções laborais existe sempre esse receio e o facto é que as sociedades e o mundo do trabalho sofrem adaptações”. Por isso, defende que “face aos desafios atuais os profissionais do futuro têm de ter determinadas competências. Naturalmente competências e literacia digital, a par de competências cognitivas, associadas à capacidade de colocar a inteligência ao serviço da resolução de problemas, competências socioemocionais como a autorregulação e as relações interpessoais, capacidade de adaptação”.
Tânia Gaspar destaca as várias transformações que estão a acontecer na sociedade em simultâneo, onde a formação tem um papel essencial para as superar. “O desenvolvimento de competências está no centro das mudanças que estão a ocorrer na educação e nos mercados de trabalho no meio das megatendências globais, como a automatização, a ação contra as alterações climáticas, a digitalização de produtos e serviços e a diminuição da força de trabalho, que estão a mudar a natureza do trabalho e as exigências de competências”, disse ao Negócios. Defende, por isso, “a necessidade de formação continua e maior ligação da formação profissional e universitária às necessidades do mercado presente e futuro”.
Tendo em conta que a IA generativa pode aumentar substancialmente a produtividade do trabalho em toda a economia, “isso só será possível se houver um investimento claro na capacitação dos trabalhadores, ajudando-os a desenvolver as competências necessárias para que sejam mais produtivos nas suas funções atuais, ou a evoluírem para novas funções”, assinala Rui Teixeira. Por isso, também corrobora que “devemos investir na criação de ecossistemas – que unam as iniciativas das empresas, das academias e do governo – e que apoiem os trabalhadores nesta constante evolução das suas competências. Só assim poderemos dotar as pessoas das competências necessárias para alavancar a tecnologia, reforçando a sua empregabilidade e contribuindo para concretizar a promessa de um futuro mais produtivo, mas também mais próspero”, acrescenta.