O Líbano não deve tornar-se “outra Gaza”, insistiu hoje o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, ao denunciar a “retórica belicosa” de Israel e do Hezbollah, que faz temer uma catástrofe “inimaginável”.
“Sejamos claros: os povos da região e os povos do mundo não podem permitir que o Líbano se torne noutra Gaza. Sinto-me hoje compelido a expressar a minha profunda preocupação com a escalada entre Israel e o Hezbollah ao longo da Linha Azul”, a linha de demarcação estabelecida pela ONU entre Israel e o Líbano, declarou Guterres à imprensa.
“Escalada na troca contínua de tiros. Escalada na retórica belicosa de ambos os lados, como se a guerra total estivesse iminente. O risco de o conflito se estender ao Médio Oriente é real e deve ser evitado. Um movimento precipitado, um erro de cálculo, pode provocar uma catástrofe muito para além da fronteira, e francamente inimaginável”, alertou.
O conflito entre Israel e o grupo islamita palestiniano Hamas na Faixa de Gaza conduziu a um recrudescimento da violência na fronteira norte de Israel com o Líbano, onde as trocas de tiros entre o exército israelita e o movimento xiita libanês Hezbollah, um aliado do Hamas e pró-Irão, se intensificaram nas últimas semanas.
A escalada da retórica belicosa entre os dois protagonistas fez aumentar ainda mais os receios de uma guerra em grande escala.
Nações Unidas tem plano para assegurar “manutenção da paz” no Líbano “aconteça o que acontecer”
As Nações Unidas têm “planos de proteção muito detalhados” para os seus capacetes azuis destacados no sul do Líbano, “em caso de explosão total” no Médio Oriente, declarou ainda o secretário-geral.
A missão da ONU no sul do Líbano (UNIFIL) conta com 10.147 capacetes azuis de 49 países.
“Temos regras a seguir para garantir a segurança da força de manutenção da paz, aconteça o que acontecer“, afirmou Guterres, embora reiterando que a principal preocupação é “impedir uma escalada dramática que seria um desastre para a região”.
O responsável máximo das Nações Unidas convocou esta conferência de imprensa especificamente para ler uma declaração sobre as atuais tensões ao longo da Linha Azul, como é designada a fronteira entre Israel e o Líbano, que não é oficialmente reconhecida pelos dois países.
Nos últimos meses, e coincidindo com a guerra na Faixa de Gaza, os guerrilheiros libaneses do Hezbollah lançaram numerosos ataques contra Israel, aos quais o exército israelita respondeu, com bombardeamentos que custaram a vida a cerca de 500 pessoas, a maioria das quais do lado libanês e nas fileiras do Hezbollah, que confirmou cerca de 320 baixas entre os seus combatentes e pelo menos 70 civis mortos, entre os quais dez menores e três jornalistas.
O fogo cruzado na fronteira entre o sul do Líbano e o norte de Israel fez também 93.000 civis deslocados do lado libanês e 60.000 do lado israelita.
O “caos total” tem prejudicado a entrada de ajuda humanitária em Gaza
O estado de “anarquia” e “caos total” na Faixa de Gaza tem dificultado a distribuição de ajuda humanitária e provocado muitos saques de camiões quando entram naquele território palestiniano. Guterres reconheceu que a guerra em Gaza “é diferente de qualquer outra guerra”, porque normalmente há regras que são respeitadas e cada lado controla uma parte do território, onde garante, de uma forma ou de outra, a segurança.
Mas em Gaza, sustentou, os combatentes israelitas e do movimento islamita palestiniano Hamas estão constantemente a deslocar-se de um lado para o outro, o que resulta num “caos total” e na “ausência de autoridade na maior parte do território”.
“Israel nem sequer autoriza a chamada polícia azul (polícia palestiniana) a escoltar as nossas colunas humanitárias, por ser uma polícia local ligada ao Governo [do Hamas], pelo que a anarquia é total. Temos grandes dificuldades em distribuir [ajuda] dentro de Gaza”, o que, na sua opinião, se tornou agora o principal problema humanitário.
“Tem de se criar um mecanismo que garanta um mínimo de lei e de ordem para permitir a distribuição da ajuda, e é por isso que um cessar-fogo é tão necessário”, sublinhou.
Esta quinta-feira, a Organização Mundial da Saúde (OMS) apelou a Israel para que reabra o posto fronteiriço de Rafah, para a entrada de material médico e de todo o tipo de ajuda humanitária, perante o aumento previsto de doenças, na sequência da nova deslocação maciça da população palestiniana.
A título de exemplo, um representante da OMS referiu que há atualmente 26 camiões com medicamentos e outro equipamento médico — seis dos quais da organização não-governamental Médicos Sem Fronteiras (MSF) – à espera para entrar em Gaza através do posto de Kerem Shalom, onde as instalações logísticas são menores e a via de acesso (do lado de Gaza) é perigosa.