Talvez não deva ser essa a real preocupação. Talvez nos devamos antes preocupar com as condições que podemos proporcionar aos jovens que procuram fazer tudo isso, para que eles não deixem de aportar valor à sociedade que os viu nascer e crescer. Preocupa-me muito mais o desinteresse do que propriamente o fenómeno a que, facilmente, como sempre acontece nos dias de hoje, etiquetamos como “fuga”. Isso é já um sintoma. Não uma causa.
Há bem pouco tempo ouvimos alguém dizer no podcast que não o preocupava nada o facto de os jovens irem para fora estudar, ou até procurarem outras fontes de experiência, conhecimento e crescimento pessoal. Sou obrigado a concordar com ele.
Isso não significa, necessariamente, que o país não tenha oferta qualificada em qualquer um destes vértices – experiências transformadoras, oportunidades e qualidade de conhecimento, e oferta de ferramentas, a diversos níveis, para desenvolvimento de várias dimensões da vida de um jovem. Significa apenas que o mundo mudou e que hoje, ao contrário do que acontecia há 20 anos atrás, não existem os constrangimentos, medos, e limitações autoimpostas, nas novas gerações, que existiam, por exemplo, na minha. Isso é mau? pelo contrário. É bom para eles. Mas também pode ser muito bom para o País.
Portanto, a real pergunta que todos nos devíamos estar a fazer não é, na minha opinião, por que é que os jovens saem, até porque grande parte das razões por que o fazem não estão minimamente relacionadas com a comparação direta com aquilo que o País onde nasceram lhes pode oferecer quando estão na sua formação, mas antes, com a pergunta – por responder – de como é que o coletivo que este país representa pode (e deve) criar as condições ideais para que eles:
- Queiram regressar, e sintam que a sua iniciativa, ou, em muitos dos casos, o esforço de sairem do País, sejam entendidos como muito mais do que apenas meros devaneios de juventude ou, na lógica preconceituosa dominante, “fugas da realidade”;
- Mais do que quererem regressar, e ainda que não o façam, tenham vontade de contribuir para a evolução dos paradigmas económicos e sociais do País;
- Sintam que a sua voz é, não só reconhecida, como valorizada e, no fim do dia, integrada, na gestão dos destinos de todos;
- E, finalmente, percebam, de forma clara, que esse reconhecimento e valorização, se poderá também traduzir numa real qualidade de vida, tendo em conta os padrões médios de qualquer sociedade de um País dito desenvolvido, em termos de remuneração e condições para crescerem.
Mas, qual a solução afinal? Estou longe de ser o “Merlin” das poções mágicas para grandes desafios do País, mas gosto de pensar que a avaliação crítica do que temos agora, é a chave para o desenho das soluções de futuro. Futuro, sem passado, é fantasia. Passado, sem síntese, é desperdício. De conhecimento, de experiência, de aprendizagem. E desperdício é uma palavra que representa a antítese de tudo o que é sustentável.
Antes de vaticinar eventuais estratégias de saída de um problema, cujos números são amplamente debatidos e do conhecimento de todos que o queiram saber, talvez me concentrasse na pergunta fundamental, e anterior ao próprio fenómeno desta palavra “fuga”, que já entrou no léxico dos portugueses, mesmo os que não são economistas ou gestores.
E essa questão fundamental é, para mim, a seguinte: quando é que ocorre a real fuga? É quando a saída ocorre? ou é quando o não regressar se torna inevitável por não haver condições para um regresso sólido, sustentado e atrativo?
Eu sou dos que assume que a saída temporária do País é um fator de alavanca para o conhecimento e para a diversidade de experiências, que quase todos hoje classificam como sendo positiva. E, por esta razão, não tenho dúvidas em escolher a segunda opção. A real fuga ocorre, pela inexistência de um sistema de incentivos multidimensional ao regresso, e que transforma uma saída temporária, numa viagem sem fim. Um sistema de incentivos sustentado nas reais possibilidades do País e que seja sustentável, no sentido de não depender de lógicas eleitorais de 4 anos, ou de vistas curtas de gestão de curto prazo.
Porque o sair do País para aprender e ganhar mundividência e experiência, parece-me ser, por si só, como já referi, positivo para todos. Aliás, atrevo-me até a sugerir que isso seja um desígnio nacional, altamente patrocinado por entidades públicas, e privadas, que estejam realmente comprometidas com a qualificação e desenvolvimento da nação. Uma atitude bafienta e conservadora de querer “reter”, sem entender que o objetivo deveria ser, muito mais, o de entusiasmar e cativar, mas não apenas por patrióticas afirmações de inspiração ocas e sim pelo desenho de políticas públicas favoráveis, e pela oferta de incentivos privados adequados, tem um pavio demasiado curto e vai, inevitavelmente, acabar por queimar a base da vela.
Por isso, sem querer ser o “alfaiate do fato à medida”, e porque este é um desafio complexo, deixo algumas sugestões aos nossos governantes e gestores. Para aqueles que as quiserem ouvir:
- Tratem os nossos jovens como cidadãos plenamente integrados na sua sociedade – só podemos exigir responsabilidade a alguém, quando lhes atribuímos o poder, pelas vias institucionais mais indicadas, de terem uma voz ativa nos destinos de um País. Caso contrário, é só matéria prima para julgamentos liminares e estigmatizados, sem causa e sem argumento. E isto significa muito mais do que fazer conselhos de jovens, consultorias juniores que só servem os interesses comerciais de quem as promove, ou dar prémios a jovens ativos na sociedade – significa mudar a mentalidade, e perceber o valor real que eles podem (e devem, diria eu) ter, na construção das sociedades do futuro;
- Continuem a apostar na qualidade do ensino, do conhecimento e na melhoria das condições de acesso equitativo à educação, para os jovens portugueses – mas com uma gestão de expectativas realista. Não me parece que os jovens vão deixar de querer ter as experiências internacionais de aprendizagem e vida que hoje querem ter. E ainda bem! É sinal de que estão adaptados aos tempos, e que percebem a importância de saírem da caixa, para depois a reformularem. Por isso mesmo, a aposta que façam nestes jovens, que a façam, entendendo que isso não evita a saída. E que pode atrair muitos outros novos talentos que, embora não sendo nacionais, podem ter muito para dar ao País;
- Falem menos, oiçam mais – creio que um dos maiores riscos para uma sociedade mais equilibrada no futuro é o arreigar das nossas ações, em convicções que já não servem as gerações que, muito em breve, tomarão conta dos destinos do coletivo. O modelo de trabalho mudou muito. A inteligência artificial, o metaverso e as formas alternativas de governança, como o blockchain, ou as alternativas de modelos de finanças sustentáveis, vieram para ficar. Não sejam julgadores do presente, à luz do passado, emitindo julgamentos de preguiça ou de desinteresse fáceis, sobre quem está a criar formas alternativas de trabalhar e de viver, nas quais o trabalho não é o centro da vida, mas apenas mais uma dimensão do bem estar, e preocupem-se muito mais (e aqui dirijo-me, em especial, às lideranças seniores do momento atual), em construir as bases para uma construção conjunta de um caminho novo. Porque, diria, é indispensável, que gerações distintas, com linguagens diferentes, saibam conversar, negociar e chegarem a entendimentos comuns. Todos beneficiaremos com isso.
Em resumo, e para terminar, estou muito mais preocupado com a afinação das lentes, que possam permitir às gerações que estão agora no domínio das organizações e instituições que gerem a nossa economia, entenderem, aceitarem e integrarem novas construções de paradigmas, do que com a tão famigerada “fuga” ou, sob outra perspetiva, com o desespero da necessidade de “retenção” de talentos.
A palavra “reter”, por si só, significa constrangimento, prisão. O contrário do que precisamos. Precisamos de compreensão, abertura, alargar de horizontes e de visão. Como sempre, na história da humanidade, aquilo que conseguimos fazer é absolutamente determinado pela longitude e latitude do alcance do que conseguimos ver. Abram os olhos. E lancem um piscar de olhos, com senso e sentido, a quem já está a ver mais à frente. E quem está a ver mais à frente? São os nossos jovens.
Mário Henriques
Oiça aqui os episódios do podcast Ser ou não ser: