O número de execuções pelos Estados que têm pena de morte atingiram no ano passado o valor mais elevado em quase uma década devido sobretudo ao aumento registado no Irão, denunciou hoje a Amnistia Internacional.
No relatório anual sobre a aplicação da pena de morte a nível mundial, a organização internacional de defesa dos direitos humanos contabiliza um total de 1.153 execuções em 16 países em 2023, advertindo, porém, que este número “não inclui os milhares [de execuções] que se acredita terem sido realizadas na China”.
O número representa um aumento de mais de 30% em relação a 2022 e foi o mais elevado registado pela Amnistia Internacional desde 2015, quando o número conhecido de pessoas executadas chegou a 1.634.
“O enorme aumento nas execuções registadas deveu-se principalmente ao Irão”, explica a secretária-geral da Amnistia Internacional, Agnès Callamard, citada no documento.
Três em cada quatro execuções por pena de morte registadas no ano passado aconteceram no Irão, onde 853 pessoas morreram por deliberação estatal, ou seja, mais 48% do que em 2022.
“No Irão, as autoridades intensificaram a utilização da pena de morte para incutir medo na população e reforçar o seu controlo sobre o poder, realizando execuções em todo o país”, refere a organização internacional de defesa dos direitos humanos.
As execuções tiveram um impacto desproporcional na minoria étnica Baluchi, que foi alvo de 20% das execuções registadas, apesar de representar apenas cerca de 5% da população do Irão, adianta a Amnistia Internacional.
Segundo a organização não-governamental (ONG), o Irão realizou pelo menos 545 execuções ilegalmente, alegando razões que “não deveriam resultar na pena de morte”, incluindo “crimes relacionados com drogas, roubos e espionagem”.
“As autoridades iranianas demonstraram total desrespeito pela vida humana e intensificaram as execuções por crimes relacionados com drogas, realçando ainda mais o impacto discriminatório da pena de morte nas comunidades mais marginalizadas e empobrecidas do Irão”, adianta a representante.
De acordo com o documento, apesar do aumento de execuções registado em 2023, o número de países que aplicaram a pena de morte foi o mais baixo alguma vez contabilizado pela Amnistia Internacional.
“Apesar dos reveses que assistimos este ano, especialmente no Médio Oriente, os países que ainda realizam execuções estão cada vez mais isolados”, frisa a secretária-geral da Amnistia Internacional, afirmando que a campanha da organização contra “esse castigo abominável” está a funcionar e vai continuar até conseguir “pôr fim à pena de morte”.
O relatório identifica a China, o Irão, a Arábia Saudita, a Somália e os Estados Unidos como os cinco países com maior número de execuções em 2023, sendo o Irão responsável por 74% de todas as execuções registadas.
“Nos Estados Unidos, as execuções aumentaram de 18 para 24” pessoas no ano passado, aponta a ONG, adiantando que “projetos de lei para realizar execuções por pelotões de fuzilamento foram introduzidos [nas legislações dos estados de] Idaho e Tennessee” e que “a assembleia estadual de Montana estava a considerar uma medida para expandir as substâncias usadas em injeções letais”.
Na Carolina do Sul “foi assinada uma nova lei para ocultar a identidade de pessoas ou entidades envolvidas na preparação ou execução de execuções”, denuncia ainda o relatório da Amnistia Internacional.
“Alguns estados dos Estados Unidos demonstraram uma consonância assustadora para com a pena de morte e uma intenção insensível de investir recursos na eliminação de vidas humanas”, alerta a secretária-geral da Amnistia Internacional, Agnès Callamard, citada no documento, acrescentando que o Alabama “usou vergonhosamente” o método não testado de execuções através de asfixia com nitrogénio
“O Presidente [Joe] Biden tem de parar de adiar a sua promessa de abolir a pena de morte federal”, exige Callamard.
Apesar dos valores associados à República Islâmica do Irão, a organização admite que a China “continuou a ser o principal carrasco do mundo”, porque a verdadeira extensão da utilização da pena de morte no país permanece desconhecida, uma vez que estes dados são classificados como segredo de Estado.
Como tal, o número global registado pela Amnistia Internacional exclui os milhares de execuções que se acredita terem sido levadas a cabo na China, bem como as realizadas no Vietname e na Coreia do Norte, onde a organização estima que a pena de morte tenha sido praticada extensivamente.
“A maioria das execuções conhecidas aconteceu na China (milhares), no Irão (pelo menos 853), na Arábia Saudita (172), na Somália (pelo menos 38) e nos Estados Unidos (24)”, refere o relatório, adiantando ter registado execuções em 16 países, uma diminuição relativamente ao anterior relatório, quando o número global situava-se nos 20 Estados.
O fim da pena de morte está ainda muito longe, lamenta a Amnistia Internacional que lembra que, no final do ano passado, pelo menos 27.687 pessoas estavam condenadas à morte.
Durante o ano, foram impostas 2.428 novas sentenças de morte em 52 países, o que indica um crescimento face ao ano anterior, quando se contabilizaram 2.016 sentenças.
“Houve um aumento de 20% no número de sentenças de morte proferidas globalmente em 2023”, destaca o documento.
Neste campo, os maiores aumentos aconteceram no Bangladesh (de 169 pessoas em 2022 para 248 em 2023), no Egito (de 538 para 590), no Iraque (de 41 para 138) e no Quénia (de 79 para 131).
Por outro lado, houve diminuições significativas no número de sentenças de morte impostas na Argélia (de 54 pessoas em 2022 para 38 no ano passado), na República Democrática do Congo (de 76 para 33), na Gâmbia (de nove para cinco) e na Índia (de 165 para 120).
Apesar do panorama global, a organização sublinha que tem havido progressos em relação à pena de morte.
“Até agora, 112 países tornaram-se totalmente abolicionistas e 144 aboliram a pena de morte na lei ou na prática”, refere a Amnistia Internacional, congratulando-se com o facto de, em 2023, não terem sido registadas execuções na Bielorrússia, no Japão, em Myanmar (antiga Birmânia) e no Sudão do Sul.