Em Portugal, a vacina contra o vírus do papiloma humano (VPH) foi introduzida em 2008, então apenas direcionado a raparigas com 10 anos de idade. Em 2020 alargou para os rapazes, também aos 10 anos de idade, numa estratégia de prevenção e rastreio, e os resultados são, passados 16 anos, muito animadores. No entanto, a luta contra esta infeção muito comum, sexualmente transmissível, que continua a deixar marca e a originar muitos casos de cancro não está ganha. É preciso continuar a afinar estratégias de combate.
A ambição de eliminar o VPH estende-se pela Europa, como ficou demonstrado na conferência que reuniu em Lisboa vários especialistas num evento organizado pela MSD, que contou com o Expresso como media partner. Neste combate, países como Itália, Irlanda, Suécia, Malta e Reino Unido já apresentaram planos de eliminação dos cancros causados pelo vírus do papiloma humano para serem atingidos até maio de 2025.
O VPH continua, no entanto, a ser uma preocupação da saúde pública europeia, pois está associado a diversos tipos de cancro, em especial o do colo do útero. A situação varia de país para país, mas é consensual a ideia da criação de programas eficazes de prevenção e controlo. A cobertura vacinal, o rastreamento e diagnóstico precoce, a educação e consciencialização (com campanhas de formação ou formação de profissionais de saúde) e a investigação são considerados fundamentais.
No caso português, acredita-se que ajudará à erradicação do VPH o cumprimento das recomendações da European Cancer Organization (ECO) e da Comissão Europeia, que defendem que a vacinação deveria chegar a outras populações, incluindo homens entre os 15 e os 26 anos, grupos de risco acrescido (como homens homossexuais), pessoas com vírus da imunodeficiência humana (VIH), mulheres com lesão prévia ou pessoas imunocomprometidas.
Ana Povo, secretária de Estado da Saúde, reconhece que a doença “tem um impacto não só na vida das pessoas, mas também na sustentabilidade de todo o sistema, não só de saúde como também da Segurança Social, com o absentismo ao trabalho, a necessidade de cuidados e de reformas antecipadas”, e que “a prevenção é fundamental”, mas sublinha que Portugal “está no bom caminho” e que é “um exemplo mundial”. Porquê? “Temos um programa de rastreio acessível, gratuito para todas as mulheres, e associadamente temos um plano de vacinação que inclui a vacina do VPH. Todos os portugueses devem orgulhar-se”, realçou.
Cumprir as ambições da Estratégia Nacional de Luta contra o Cancro, Horizonte 2030, é outra das recomendações. Por exemplo, alcançar uma taxa de cobertura geográfica (por Unidade Funcional de Cuidados de Saúde Primários) de 100% para o programa de rastreio do cancro do colo do útero até 2030 ou uma proporção de cobertura populacional superior a 95%. Outros conselhos igualmente essenciais: adesão superior a 65% ao programa de rastreio do cancro do colo do útero até 2030, entre os utentes elegíveis; redução dos tempos de acesso à inovação terapêutica (que atualmente estão estimados em 713 dias, um número muito superior aos 210 definidos por lei); aumento do investimento em literacia, e acesso à informação.
“DGS está a elaborar proposta”
Rita Sá Machado, diretora-geral de Saúde, apesar de satisfeita, também reconhece que ainda há um caminho a percorrer em Portugal para a erradicação: “A DGS está a elaborar uma proposta de forma a definir como e quando poderemos estimar conseguir atingir esse objetivo. Portugal está bem colocado em várias áreas — a da vacinação contra o VPH, por exemplo — e noutras ainda temos um desafiante espaço para melhoria, nomeadamente na área do rastreio de base populacional do cancro do colo do útero e do diagnóstico e tratamento atempado de lesões. A muito curto prazo a DGS fará essa apresentação, assegurando que a nossa proposta é exequível, credível e que permitirá a Portugal ser um país exemplo nesta matéria”, acrescentou.
Luís Mendão, do GAT, Grupo de Ativistas em Tratamentos, organização não governamental, com os pelouros de advocacia, políticas de saúde e relações externas, apontou necessidades, defendendo a vacina gratuita para pessoas até aos 26 anos, com VIH ou imunossupressão até aos 45. “Portugal, por enquanto, não oferece a vacina para pessoas com VIH, nem para pessoas trabalhadoras do sexo, nem para os jovens homens que têm sexo com homens. Os rastreios de lesões são insuficientes e as mulheres migrantes, em situação não regular ou mais pobres e marginalizadas, não têm acesso (ou é muito deficiente) aos rastreios do cancro do colo do útero”, informou. “O GAT tem trabalhado politicamente para aumentar o acesso à vacina aos grupos que dela possam beneficiar. Tem procurado aumentar a literacia sobre o VPH nos grupos mais vulneráveis (mulheres à cabeça). Vacinamos quem consegue pagar a vacina, o que é inacessível para a esmagadora maioria das pessoas. O GAT oferece ainda rastreios de
casos de cancro registados por ano em Portugal e cujo responsável é o VPH. Registam-se também perto de 800 mortes por ano
é a percentagem de pessoas sexualmente ativas que já tiveram contacto com o vírus do papiloma humano em alguma altura das suas vidas sem saber
dos cancros do colo do útero são originados pelo VPH, que é também responsável por 90% dos cancros do ânus, 75% dos da vagina, 63% dos do pénis, 69% dos da vulva e 70% dos da orofaringe
Pedro Vieira Baptista, do Centro Universitário Hospitalar de São João,falou sobre o protocolo inovador implementado no HSJ, em que a vacinação é vista como um complemento ao tratamento nas mulheres mesmo depois de ser diagnosticada uma lesão de alto grau causada pelo Vírus do Papiloma Humano
José Dinis, diretor do Programa Nacional de Doenças Oncológicas da Direção-Geral da Saúde, colocou Portugal “no topo da saúde pública no Mundo” quando fez a sua apresentação sobre “O rastreio do cancro do colo do útero”
Carmen Lisboa, do Centro Universitário Hospitalar de São João, lembrou que o HVP não afeta só as mulheres e que também tem impacto significativo nos homens. Trata-se de um tema normalmente menos discutido, que necessita de maior atenção e investigação.