“Desculpe, as minhas pernas têm vida própria”, diz Andriy Kulish assim que abre a porta do apartamento. Um homem grande, de quase um metro e noventa, cabelo branco e bigode farfalhudo. “Entre, esteja à vontade”, acrescenta, enquanto se esforça por se manter direito e parar os movimentos involuntários das pernas, que parecem querer dançar. O hall de entrada é em tons de bege e castanho, tal como o resto da casa, construída no final da década de 40, depois da II Guerra Mundial, por prisioneiros alemães. O ponto central do apartamento é a cozinha, limpa e organizada. Junto do lava-loiças, um pano com uma chávena virada para baixo, um prato, um garfo e uma colher. No fogão, uma chaleira a reluzir e uma panela de sopa feita naquele dia. É casa de um homem só, mas os quadros de animais espalhados pelas divisões e os bordados a enfeitar os móveis indicam que nem sempre foi assim. “Era a minha Natalka, ela gostava muito de bordar. Morreu de cancro, já viu a ironia? Eu é que estive em Chernobyl e ela é que morreu de doença oncológica.” Andriy sentou-se à mesa, onde tem o computador ligado, suspirou e abriu uma pasta cheia de fotografias a preto e branco. Está pronto para contar a história dos quatro longos meses que passou a menorizar as consequências do maior desastre nuclear da história.