Centenas de mulheres brasileiras voltaram a sair às ruas de São Paulo para protestar contra um projecto de lei para restringir o aborto, que após as 22 semanas seria tratado como homicídio.
Foi a segunda manifestação em três dias na cidade contra a proposta, que estabeleceria penas semelhantes às previstas para o crime de homicídio para a interrupção de gravidez depois de 22 semanas, mesmo em caso de violação.
Tal como na quinta-feira, 50 instituições e grupos feministas reuniram-se na Avenida Paulista, uma das principais artérias de São Paulo, e percorreram o centro da maior cidade do Brasil.
Vestidas com lenços verdes, as manifestantes gritaram contra Arthur Lira, o presidente da Câmara dos Deputados brasileira, que na quinta-feira aprovou debater em regime de urgência a proposta.
O carácter de urgência do debate, aprovado pela maioria conservadora da câmara baixa do parlamento, vai permitir que o projecto de lei tramite mais rapidamente e siga directamente para o plenário da câmara dos deputados.
O grito mais repetido no protesto de sábado, e que se tinha repetido nas manifestações de quinta-feira, foi “Criança não é mãe”, para denunciar o elevado índice de gravidez na adolescência.
De acordo com dados do sistema público de saúde brasileiro, a cada hora nascem 44 bebés de mães adolescentes no Brasil, dos quais dois são de gestantes entre 10 e 14 anos.
Também no sábado, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva qualificou como loucura o projecto de lei e condenou “a punição a uma mulher vítima de violação com uma pena maior do que o criminoso que comete a violação”, como propõe o projecto.
“Como o aborto é uma realidade, devemos tratá-lo como uma questão de saúde pública”, disse o chefe de Estado brasileiro.
Lira disse ao jornal O Globo que o projecto será modificado para preservar os casos já protegidos por lei e que, apesar do carácter de urgência, “será amplamente debatido” pelos deputados, dos quais apenas 17,7% são mulheres.
No Brasil, de acordo com a legislação actual, o aborto só é legal em casos de violação, risco de morte para a mãe ou em caso de o feto ser anencéfalo (malformação do sistema nervoso central em que há ausência parcial do cérebro).
A proposta de alteração ao Código Civil foi apresentada pelo deputado Sóstenes Cavalcante, do Partido Liberal (direita conservadora), do ex-presidente Jair Bolsonaro, e conta com o apoio das influentes igrejas evangélicas.
De acordo com o projecto, se o aborto for realizado após 22 semanas de gestação, será considerado “homicídio simples”, para o qual a lei prevê penas que variam entre seis e 20 anos de prisão.
A proposta argumenta que essa classificação deve ser aplicada mesmo nos casos em que a gravidez é resultado de violação, o que gerou uma onda de protestos de alguns sectores da esquerda brasileira.