O vampirismo da capital
Para que não restem dúvidas, as três obras públicas anunciadas nesta semana por Luís Montenegro são necessárias e darão um inegável contributo para o desenvolvimento do país.
Apesar disso, e sem surpresa, todas elas estão centradas na área metropolitana de Lisboa.
De acordo, poder-se-á argumentar que o TGV também vai para Évora e que ao novo aeroporto acorrerão portugueses de outras zonas do país, e, contudo, sobre isto não restam dúvidas: são obras centradas na capital.
Terá de ser assim, afinal de contas trata-se da capital, coração económico, social e cultural do nosso país, argumentarão alguns. Porém, morando eu na Alemanha (e já sei que a partir desta frase serei rotulado inevitavelmente como emigrante e a minha opinião será – hélas! – desvalorizada), estou inserido num modelo de governação que não implica obrigatoriamente que todos os grandes projetos nacionais tenham o seu vértice na capital. Sim, é possível, assim haja vontade. Claro que o método de Hondt também não ajuda.
Gonçalo Coelho dos Santos, Berlim
Aeroporto “Luís de Camões”
A construção do novo aeroporto de Lisboa e respectivos custos, localização e prazos é assunto que já fez correr a tinta suficiente. Da minha parte, só mais uns pingos. Porquê a mudança de nome? O aeroporto “Luís de Camões” é para servir Lisboa ou para estimular a corrida aos terrenos e à implantação de avenidas, condomínios, lojas, restaurantes e clínicas privadas em Alcochete? Estamos diante de uma decisão bacoca e suspicaz. O aeroporto de Madrid chama-se “Adolfo Suárez” e situa-se na pequena localidade de Barajas, uns 12 km a noroeste da capital espanhola. Tal como Humberto Delgado, Adolfo Suárez tem o seu nome associado à implantação da democracia, três anos após a morte do ditador Francisco Franco. O processo não foi cómodo, tal a sanha dos franquistas “recauchutados” à pressa. Banir o nome de Humberto Delgado? Cada vez mais, por estas bandas, o mofo progride.
Luís Alberto Ferreira, Oeiras
Colonialismo: reparação e percepção
O tema da reparação das potências coloniais aos povos colonizados já é discutido há algum tempo em Inglaterra, França, Alemanha, etc. Agora chegou a Portugal, não talvez da forma mais adequada, mas chegou. Ainda bem.
Tenho lido artigos de historiadores, políticos e comentadores. Com perspectivas diferentes, ainda bem, mas haverá um momento de síntese e de tomar decisões, e aí entram os políticos.
E estes, ao contrário dos académicos, têm de explicar a decisão aos cidadãos e cidadãs.
Cidadãos e cidadãs que têm uma percepção de que o nosso colonialismo foi benévolo e inclusivo e são resistentes a discutir o passado. Percepção criada por um discurso dominante, que não nega a sua benevolência e que ainda prevalece na esfera pública passados 50 anos do 25 de Abril. Vai ser uma tarefa difícil, mas há que iniciá-la.
António Monteiro Pais, Vimieiro (Arraiolos)
Ainda o Ministério Público
Não tendo o poder da decisão judicial, o Ministério Público (MP) tem, no entanto, um poder de grande monta, que a mais ninguém compete: o poder de iniciativa processual e, correlativamente, o poder de acusar. Este conforma o poder de cognição do tribunal, uma vez que o juiz é obrigado a ater-se aos limites traçados pela acusação. Por isso mesmo é que o poder político normalmente se preocupa mais com o controlo do MP do que com o poder dos juízes, que não oferece grande contestação.
Vários Estados democráticos da Europa continental consagram a vinculação do MP ao executivo, mantendo este autonomia funcional, uma vez que o ministro da Justiça apenas pode emitir instruções de carácter genérico. Este foi o nosso sistema até 1992, em que começou a vigorar a Lei n.º 23/82, de 20/8. Actualmente, sendo autónomo, o MP não responde perante nenhum órgão de soberania, parecendo ser essa a solução desejável. Isso não significa, porém, que seja de admitir ausência de qualquer forma de controlo e de escrutínio democrático.
Não me repugna absolutamente nada que o procurador-geral da República possa ser solicitado para dar esclarecimentos sobre a actividade do MP na Assembleia da República, que é actualmente quem aprova a lei de política criminal, sob proposta do Governo (Lei n.º 17/2006, de 23/5). O limite será a proibição de discutir casos concretos que contendam com investigações em curso, mas não, a meu ver, situações espoletadas por esses casos que foram publicamente comentadas e que causaram alarme social.
António Costa, Porto