Razões profissionais não permitem que tente entrar em vossas casas no domingo à noite nem na próxima 3ª feira.
Por castigo, sinto-me obrigado a correr o risco de fazer previsões sobre o resultado eleitoral de domingo e não poder a seguir defender-me e contextualizar o possível erro.
Não foi punição decretada pelo Ricardo Costa e Bernardo Ferrão, mas devia ter sido. No fundo, decidi ir sozinho para o pelotão de fuzilamento, que se levantará do chão para me estigmatizar, se eu falhar.
Vamos então à previsão. Em resumo: (i) o PS ganha, (ii) a Direita será maioritária, (iii) cada um dos três partidos radicais de esquerda elege um deputado europeu, (iv) a IL elege dois deputados e o CHEGA não alcança os 5 que os resultados de 10 de março poderiam permitir, e (v) dadas as circunstâncias, Sebastião Bugalho resiste melhor do que eu pensava quando isto começou.
ELEIÇÕES EUROPEIAS: 2019 PARA 2024
Comecemos por umas contas simples.
Nas eleições europeias em 2019 votou 30% do eleitorado, cerca de 3,3 milhões de eleitores, dos quais 6,93% votaram branco ou anularam o voto e 8,89% em partidos que não elegeram, um total conjunto de 15,82%.
Por comparação, em 10 de março deste ano, nas legislativas, votaram 6,47 milhões, correspondendo a 59,8% do eleitorado, dos quais 4,32% votaram branco ou anularam o voto e 3,21% em partidos que não elegeram, um total conjunto de 7,53%.
Nas eleições de 2019 os partidos de Esquerda que elegeram deputados tiveram no seu conjunto 55,1% (14 eleitos) do voto e os de Direita (no caso apenas o PSD e o CDS) 28,15% (7 eleitos).
Nas eleições legislativas de março de 2024, a erosão da Esquerda Radical e a entrada da IL e do CHEGA, teve como resultado uma forte inversão do equilíbrio: a Esquerda teve 40,64% e a Direita 51,85%.
Nas europeias de 2019 o PCP elegeu 2 deputados com 6,88% dos votos (que corresponderiam em março deste ano a 3,17% do total) e por isso foi o partido mais “poupado” a eleger (3,44% por 1 deputado).
Mas o CDS (6,19%), o PAN (5,08%) e o BE (4,91%) elegeram 1 deputado cada. Desperdiçaram votos, pois ficaram acima de 4%, que era o valor médio em 2019 por cada deputado depois de excluir os votos brancos, nulos e em partidos que nada elegeram. PS, PSD foram “poupados”, mas menos que o PCP (cerca de 3,7% por deputado).
Assumo que a votação este ano, apesar dos feriados, seja um pouco superior a 2019, pois há a sensação de que o voto será mais importante a nível interno do que se pensava em 2019.
Assim, embora eu considere provável que com 3,8% dos votos expressos se eleja um deputado, serão precisos mais votos, talvez mais 15% de votos (assumindo votação de 35%).
OS DEPUTADOS DOS PEQUENITOS
Comecemos então por prever em relação ao BE, PCP e LIVRE. Há 3 meses tiveram respetivamente 4,37%, 3,17% e 3,16%. Assumindo que terão voto fiel em grau razoavelmente elevado, é muito provável que as percentagens sejam agora maiores e que cada um eleja um deputado. E com isso sobram 18 lugares para atribuir.
Mantendo-nos nos partidos mais pequenos, a IL tem hipóteses de eleger dois deputados. Será mais difícil do que para os partidos radicais de Esquerda elegeram um cada, mas acho que vai conseguir.
Realmente a IL teve 4,94% em março e para eleger dois deputados, na minha previsão, precisa de chegar a 7,6%. Se os 320 000 votos que recebeu em março votassem todos de novo – o que é improvável – corresponderiam a 8,3% no próximo domingo.
Mas no sentido favorável joga o seu candidato Cotrim de Figueiredo que, para este tipo de eleição, vale mais do que a IL, tem notoriedade, imagem positiva, carisma e não será tão vítima do voto útil (como aliás os pequenos partidos à Esquerda) como em legislativas.
Se eu estiver correto nas previsões, sobram agora 16 lugares para atribuir. E convém aqui recordar que nas eleições europeias de 2019 o PS e a AD tiveram precisamente 16.
CHEGA: TANGER NÃO É VENTURA
Poderiam assim os dois blocos mais fortes estar felizes. Mas não se podem esquecer de André Ventura e CHEGA, que em 2019 na coligação BASTA! alcançou 1,49% e já com o seu nome, 1,29% nas legislativas desse ano.
Se o CHEGA conseguisse repetir a votação de março deste ano (18,07%) poderia alcançar quase 5 deputados (se 3,6% dos votos chegasse para cada deputado).
Mas acho isso muito improvável, por várias razões: (i) o CHEGA é Ventura e ele não se candidata, (ii) Tanger Correia está longe de ser a “última coca cola do deserto” como candidato, (iii) muitos votantes de Ventura em março eram abstencionistas empedernidos e voltarão à sua tendência natural, (iv) Cotrim e Bugalho, cada um à sua maneira, entram em parte do eleitorado que votou CHEGA.
Por tudo isto parece-me (e mais não consigo prever) que o CHEGA terá 3 ou 4 eleitos, sendo mais provável que tenha apenas 3.
Se eu estiver correto nas previsões, sobram 13 lugares para atribuir ao PS e à AD. O que significa, desde já, que os dois vão perder provavelmente 3 deputados, visto que há 5 anos o PS teve 9 e a AD 7 deputados.
AD E PS: 6 A 7 OU 7 A 6?
Sobre o PS e a AD, vejamos em primeiro lugar as “estatísticas”, que sugerem um empate:
- Se a percentagem de março se mantiver (Direita – 51,85%, Esquerda – 40,64%), a Esquerda terá um mínimo de 9 e a Direita um máximo de 12 deputados;
- O PS terá assim 6 a 7 e a Esquerda radical no máximo 3 deputados;
- Mas à Direita, a AD tem de concorrer com CHEGA e IL que terão provavelmente 5 a 6, pelo que a AD também terá 6 a 7 deputados.
Vejamos agora os candidatos para ver se isso desempata:
- Marta Temido tem muito mais notoriedade do que Sebastião Bugalho e creio que fará o pleno do voto socialista melhor que Bugalho o da AD;
- As oposições mobilizam-se melhor que os governos em eleições que não são consideradas decisivas;
- O voto AD é mais jovem e de classe média (por isso mais propício a ficar em casa ou ir para férias).
Ou seja, o mais provável é que Temido perca 2 deputados e Bugalho 1 em relação em relação a 2019, mas que a primeira fique à frente.
Bugalho está a fazer uma boa campanha (ajudado pela agressividade excessiva dos jornalistas que seguem a campanha e o entrevistam), mas não creio que seja suficiente para ganhar.
A minha previsão é que o PS terá 7 e a AD 6 deputados. Mas agora o essencial para jogo político interno é analisar esse resultado.
Em minha opinião, a derrota da Esquerda em relação à Direita e a perda de 2 deputados socialistas vai acalmar PNS, e o PS não vai assim ganhar em 9 de junho dinâmica para eleições antecipadas.
E nesse sentido, o pior é o que recente sondagem (Aximage) revela:
- Luis Montenegro tem a maior avaliação positiva (54% e só 34% negativa) dos portugueses;
- LM bate PNS (40% contra 28%) em “confiança para primeiro-ministro”;
- André Ventura ganha a PNS como principal figura da oposição (43% contra 36%).
O QUE PODE ALTERAR O RESULTADO
Claro que existem alguns fatores que podem influenciar o resultado, os quais que não consigo quantificar.
Alguns são gerados pelo Governo: (i) o acordo com os professores, (ii) as propostas para a Saúde, Habitação, Jovens e Aeroporto (iii) a proposta para uma nova política de imigração, conhecida ontem, (iv) a decisão sobre o IRS a votar amanhã na Assembleia da República.
Outros fatores foram gerados pela Esquerda (vitória interna dos radicais) e ampliados pelos “media”: transformar esta eleição numa guerra entre quem é contra ou a favor das mulheres, quem é ou não a favor do direito fundamental ao aborto, quem é ou não a favor da eutanásia, quem é católico e por isso hesita e quem não hesita nalguns destes temas, quem quer ou não “limitar” a imigração.
Fiquei estupefato por esta opção estratégica dos temas pela Esquerda, mas posso estar enganado, pode ser que os portugueses considerem estes os temas essenciais para decidir em quem votar no domingo.
E pode ser que estigmatizar Bugalho pelo seu catolicismo e pelas dificuldades que hipoteticamente lhe suscita e assim não conseguir tratar a preto e branco estes temas, reforce a vitória que prevejo para Marta Temido ou que, pelo contrário, ajude Bugalho a derrotá-la.
Veremos como será. Não vos consigo dizer mais do que isto…
IMIGRAÇÃO E SAÚDE: AJUDA BUGALHO?
Uma curta nota sobre o tema da imigração, pois ontem se conheceu a proposta governamental.
A Imigração e o Plano de Emergência da Saúde (conhecido na passada semana depois do meu programa) parecem-me dois momentos fortes do Governo, que se revela capaz de montar soluções moderadas em dois temas que são muito importantes para setores relevantes do eleitorado.
E são temas que recordam fracassos clamorosos do Governo António Costa e em que a Esquerda Radical com facilidade critica o PS como sendo igual ao PSD na estratégia.
Não sei se isto vai influenciar o voto domingo, mas seguramente que se influenciar não será contra Bugalho.
O ELOGIO
Hoje elogio dois ministros, por causa do Plano de Emergência da Saúde e da Imigração: Ana Paula Martins e António Leitão Amaro.
“Dicionário de Luís de Camões” (Caminho), obra essencial, coordenada por Vitor Aguiar e Silva, e “Camões, Vida e Obra” (D. Quixote) de Carlos Maria Bobone, que me dizem ser uma excelente biografia, nas livrarias para a semana.
E de um historiador que muito admiro e a que ouso chamar clássico (felizmente está entre nós), António Borges Coelho, “Crónicas e Discursos” (Caminho) que são escritos dispersos publicados desde 1968 a 2022.
A PERGUNTA SEM RESPOSTA
Uma plumitiva de voz meiga do Público e um jornalista do Expresso que se inspira em Arundhati Roy e no seu “O Deus das Pequenas Coisas”, resolveram atacar Sebastião Bugalho, por alegadamente hesitar ou gaguejar sobre a sua posição quanto ao aborto (apesar de ser claro que apoia a solução que consta da lei em Portugal).
Segundo uma, “as mulheres ficaram a saber que não poderiam contar com ele para lutar pelo seu direito mais consequente. E Deus ficou a saber que Bugalho faz cedências em campanha eleitoral”.
Para outro, “há hesitações que não são defensáveis. Nem por fé. Nem por casmurrice. Nem por conservadorismo mofento. E podem e devem custar votos nestas europeias”.
Poderia limitar-me a remeter para o que escreveu João Miguel Tavares, na passada 5ª feira no Público (“Aborto, direitos fundamentais e radicalismo de esquerda”), ou recordar que eu defendi a despenalização do aborto no referendo de 1998, quando eram quase inexistentes à Direita os que pensavam como eu, e se não dizia de Guterres o que se diz agora de Bugalho.
Mas quero deixar duas perguntas: valeria a pena, por manobras eleitorais, atacar a seriedade ética de adversários? E acham mesmo que assim fazem Bugalho perder votos?
A LOUCURA MANSA
O anterior governo tratou tão mal as comemorações dos 500 anos do aniversário de Luís de Camões que me surpreendeu.
Como revelei em 26 de dezembro de 2023, “o programa das comemorações que deveria ter sido proposto ao Governo até final de 2022 não existe, porque depende de estruturas que nunca foram criadas” e a Comissária Professora Rita Marnoto, nomeada em 2021, confessou que “desde a sua nomeação, não teve notícias nenhumas” sobre as duas comissões com que tinha de trabalhar.
Agora parece-me que era mesmo por não gostarem do poeta: vejam o simbolismo da moeda comemorativa que vai estar à venda a partir de 5 de junho, se ainda tivessem dúvidas: