De repente, vá lá perceber-se, deu um frenesim à Esquerda portuguesa em vésperas de férias.
Não há outra explicação aparente para, por exemplo, Mendonça Mendes – o homem forte de PNS para as Finanças – insistir em que o Governo defina rapidamente com quem quer negociar o Orçamento de Estado, que o deve fazer já e antes de preparar a proposta para entregar na Assembleia da República, e enfatizar implicitamente que só o deve fazer ou com o CHEGA ou com o PS.
Mas, para quem já não se lembra, a Esquerda não é só o PS. Também existem os micropartidos radicais.
Por esse lado, tudo se mistura: guerras no BE, com a oposição interna a achar – calcule-se … – que Mortágua não é suficientemente radical; o LIVRE em bicos de pés a querer federar toda a Esquerda; o PCP, meio perdido, a afirmar que se não pode contar o PS para se opor ao Governo da Direita.
Mas todos eles a tentar ver se saem da sua crescente irrelevância, copiando (já era assim no Séc. XIX…) a França e fazendo uma Frente Popular… com o PS para as autárquicas.
A EVOLUÇÃO DOS PEQUENITOS
Comecemos pelos partidos pequenitos, que parecem querer recriar a história de Benjamin Button.
Veja-se o PCP: em 1979 teve 1.130.000 votos, 17,5% e 47 deputados, mas em 2024 só conseguiu 205.000, 3,17% e 4 deputados. Ou seja, em 45 anos perdeu mais de 80% dos votos e 90% dos deputados.
E mais recentemente não foi melhor: em 2015 tivera 446.000 votos e 17 deputados, em 2019 329.000 votos e 12 deputados, em 2022 apenas 239.000 votos e 6 deputados. Isto também talvez seja o resultado da geringonça ou de a ter abandonado, vá lá saber-se.
Não é preciso ser um génio para perceber esta derrocada para a irrelevância, apesar dos comunistas terem tentado tudo e o seu contrário para a evitar.
E o BE? É mais novinho pelo que vou começar apenas em 2015, quando alcançou 551.000 votos e 19 deputados; depois em 2019 foram 492.000 votos e manteve os 19 deputados, em 2022 desceu para 245.000 votos e 5 deputados e este ano ligeira subida para 282.000 e manteve os 5 deputados.
É preciso ser justo com o BE: o seu caso não é comparável com a derrocada do PCP. Mas é um facto que, desde 2015, perdeu 50% dos votos e quase 75% dos deputados.
Compreende-se que no meio da tragédia da Esquerda Radical, se ouça (por exemplo na Rádio Observador) jornalistas a enfatizar o “grande crescimento” (outros referiram que foi “exaltante”) do LIVRE.
E não há dúvida que de 2015 a 2024 subiram 500% em votos e entre 2022 a 2024 aumentaram 400% o número de deputados. Se isto não é um crescimento excecional, o que seria?
Mas, se lembrarmos que com este crescimento o LIVRE em 2024 teve 204.000 votos e 4 deputados, e com isso ficou atrás do BE e até do PCP, talvez não fosse má ideia colocar algum gelo nos pulsos de alguma media em êxtase encantatória com Rui Tavares, o qual aliás alguns transportam aos ombros …
Mas dito isto, o mais relevante – e vamos já passar ao PS – é que existe uma correlação positiva dos votantes na Esquerda Radical com a perceção de que adoram discursos inflamados, mas o que verdadeiramente mobiliza os seus eleitores é poder entrar na grande tenda socialista. Para fazer o quê? Isso já é outra coisa…
O problema é que no BE não há coragem de o afirmar e no PCP nem sequer para o pensar. No fundo, no fundo, continuam culturalmente dependentes da sua genética: no BE é a do trotskismo (com a social democracia a única estratégia tem de ser o “entrismo” para a destruir desse modo) e no PCP a do estalinismo (a social democracia não é mais do que um instrumento não frequentável do imperialismo do grande capital).
O LIVRE percebeu o que fazer, mas para existir tem de lutar no campo e no eleitorado da Esquerda Radical contra estes fantasmas. Desejo, como é evidente, muita boa sorte.
PNS E O DESEJO DE AGNÓRISE
O PS perdeu muito em dois anos, de 2022 para 2024: passou de 2.300.000 votos e 120 deputados para 1.810.000 e 78 deputados: menos 21% dos votos e menos 35% dos deputados. Mas a situação não é desesperada. Longe disso.
Realmente, se a Esquerda Radical tivesse tantos votos como o CHEGA e a IL, o resultado de março deste ano daria para governar muitíssimo à vontade.
Mas tendo a Esquerda Radical tão poucos votantes (no seu conjunto apenas 700.000), a maioria absoluta do PS só pode estar ao virar de uma esquina se PNS convencer os portugueses de que se deslocou para o Centro, tratando os seus amigos radicais como a irrelevância que os define, além do mais nesta que é a pior conjuntura para a Esquerda radical europeia em quase 80 anos.
É de tal modo evidente o que refiro que até fere os olhos. Numa conjuntura de viragem à Direita, a única estratégia inteligente da Esquerda Moderada (a Radical não anda neste mundo para ganhar eleições, mas para manter acesa a chama sagrada da Revolução até ao dia em que seja possível pegar fogo à seara…) é deixar-se ir com a corrente.
Não acredito que PNS – ainda que esteja longe da cabeça do pelotão dos políticos de alto gabarito – seja estúpido ou que tenha pulsões suicidas em matéria política.
Tudo é muito mais trivial: PNS não se libertou (ainda?) da cultura juvenil das RGA universitárias e pensa que as suas inequívocas qualidades de tribuno, chegarão para que se opere uma agnórise na cidadania portuguesa, por enquanto “intoxicada” pela Extrema-Direita.
O nosso tribuno, no fundo, gosta de discursar altaneiro, com os cabelos ao vento, o peito inflado para o futuro e os braços estendidos para as massas ululantes, e espera conseguir assim essa revelação típica da tragédia clássica.
O sonho – pois de um sonho romântico afinal se trata – é que umas centenas de milhar de eleitores vejam de repente o que estava oculto para eles e que alterem assim a sua conduta com um golpe de asa em que se revela aquilo que sempre afinal sabiam, mas não conseguiam ver.
O TRIBUNO E O DILEMA DO PRISIONEIRO
Preso nessa sua “image d’épinal”, PNS insiste em fazer a guerra à Direita Moderada como em França a Nova Frente Popular a faz à Direita Radical e que mesmo aí vai provavelmente acabar mal.
Para o novel líder tribunício do PS, há um muro de Berlim a separá-lo de toda a Direita e apenas uma ligeira sebe verdejante e cheia de zonas de passagem a uni-lo em bela paisagem política à Esquerda Radical, que aliás insiste em não admitir apelidar desse modo.
Assim as coisas, há um problema que se não resolve – diria Camões – com “Um som alto e sublimado/Um estilo grandíloquo e corrente”: chama-se Orçamento para 2025.
O PS quer, acima de tudo, evitar que ele seja rejeitado e haja eleições em fevereiro de 2025.
O ideal para PS (e para o CHEGA) é que seja o outro a viabilizar o Orçamento, mas este é um caso da teoria dos jogos (“dilema do prisioneiro”), pois nenhum deles sabe o que o outro fará e aqui cada um quer aumentar ao máximo a sua própria vantagem sem lhe importar o resultado do outro.
Há 4 hipóteses possíveis:
a) O CHEGA viabiliza, votando a favor;
b) O PS viabiliza, abstendo-se;
c) Ambos viabilizam, com medo que o outro não o faça;
d) Nenhum viabiliza, esperando que o outro o faça.
Para fugir a este especial dilema do prisioneiro, o PS não pode combinar lealmente a solução com o CHEGA, pelo que a única hipótese que deseja – quiçá com ingenuidade, mas de modo revelador – é que a AD informe rapidamente se opta por negociar com o PS ou com o CHEGA e que o faça antes de apresentar a proposta na Assembleia da República.
A AD não vai evidentemente fazer isso, pois (i) libertaria o “prisioneiro” que não escolhesse, e (ii) ficaria prisioneira daquele que informasse ser a sua opção, pois este ficaria com a faca e o queijo (e até as bolachas) na mão e poderia vender caríssima a viabilização.
E, pior, o dilema para o PS é que não pode confiar no CHEGA e teme que este não faça mais do que abster-se – o que não chega para viabilizar se o PS não se abstiver também e nesse caso nem seria necessário.
O PS teme ainda mais: que não aceitando a AD meter-se voluntariamente na jaula e não sabendo o PS como irá votar o CHEGA – e se ambos tiverem medo – o CHEGA vote a favor e o PS se abstenha, dando assim uma enorme e desnecessária vitória a LM.
E, no entanto, em minha opinião a solução seria óbvia. O PS deve tomar a iniciativa de assumir um posicionamento moderado contra os radicais de ambos os lados, anunciar que se vai abster por razões de Estado mesmo que o Orçamento lhe pareça inaceitável, e encetar a caminhada para o Centro que concretizará nas autárquicas e no apoio a um candidato presidencial com perfil para ganhar sem o voto dos 700 000 votantes radicais… a não ser em 2ª volta.
O problema é que para isso é precisa muita coragem e seria o fim do sonho tribunício.
E pode ser que sem esse sonho se descubra que nada resta de PNS.
O RADICALISMO NÃO SAI DE PNS
Um exemplo da dificuldade que teria PNS em “recentrar-se” revela-se num episódio que passou quase despercebido.
Uma empresa que – mea culpa – nem sabia que existia, chamada Medway (antiga CP Carga, vendida ao grupo MSC em janeiro de 2016) é a maior operadora ferroviária de mercadorias de Portugal, com cerca de 80% de quota de mercado.
A Medway queixou-se, com ou sem razão, de que o Governo anterior falhou compromissos que terá assumido para com ela (a falta de pagamento de incentivos fixados a nível de energia – eletricidade e combustível – e o aumento de 22% da taxa de uso da ferrovia).
Devido a isso afirmou estar a ponderar deixar de operar em Portugal.
PNS foi o ministro do pelouro de 2019 a 2022 e, segundo vi na Google, várias vezes elogiou a empresa e ainda o fazia em finais de novembro de 2023. Por isso não é provável que não saiba do que fala. E que disse há dias em reação a esta informação?
Basicamente disse que se não tivesse sido privatizada a CP Cargas isto não aconteceria e nunca pararia a atividade de transporte de carga, assumo eu que mesmo que – alegadamente – o governo não cumprisse compromissos.
Ora quanto a isso há que dizer que:
a) O Governo do PS (novembro de 2015 a abril de 2024) optou claramente por cumprir a venda, não reverter a privatização e não a renacionalizar;
b) Se a Medway tem razão no que afirma, o Estado Português estará há muito tempo a incumprir compromissos assumidos;
c) Se não incumpriu, não custava muito esclarecer isso: o Estado ou, se o não fizesse, o PS;
d) A teoria de que se a empresa for pública deve “amouxar” perante incumprimentos do Estado não tem racionalidade económica nem moral;
e) Um putativo Primeiro-Ministro não devia passar a mensagem de que investidores devem “comer e calar” se o Estado não cumprir.
Em conclusão, é bem verdade que PNS pode tentar sair do radicalismo, mas o radicalismo é que não quer sair dele.
O ELOGIO
A OCDE revelou há dias que Portugal foi um dos dois países da OCDE (uma organização que reúne atualmente 34 dos países ricos do Mundo) em que a natalidade aumentou em 2022.
Ainda assim, a nossa taxa foi apenas de 1,43 por mulher, abaixo da média que foi de 1,5, e longe do objetivo de 2,1 que asseguraria que a população não diminui (realmente na OCDE só Israel alcança e supera esse limiar).
Elogio merecem os imigrantes sem os quais não teria sido possível este resultado e espero que venha a merecer o Governo se implementar políticas públicas reformistas que ousem enfrentar este flagelo social que é a nossa demografia.