Desde a ficção de Phillip K. Dick, que inspirou o filme Blade Runner, passando pelos apocalípticos Exterminador Implacável e Matrix, até aos austeros avisos de Yuval Noah Harari ou Stephen Hawking – “Ou será a melhor coisa que alguma vez nos aconteceu, ou será a pior. Se não tivermos cuidado, pode muito bem ser a última coisa.” – a Inteligência Artificial tem sido diabolizada como a ferramenta que nos vai levar à destruição.
Apesar dos alertas, esta tecnologia tem conhecido avanços galopantes nos últimos anos e, numa consideração mais séria, tem sido dos principais motores de inovação da última década, revelando-se um instrumento do qual nenhuma atividade social, económica ou mesmo artística, escapará incólume. É neste contexto que surge o AI Act da União Europeia. Este regulamento, proposto em abril de 2021, tem por objetivo criar um quadro legal que garanta a segurança e os direitos fundamentais dos cidadãos, enquanto promove a inovação tecnológica.
Será o AI Act um aliado de Sarah Connor e de Neo?
O AI Act é pioneiro na regulamentação abrangente da IA. Categoriza os sistemas em diferentes níveis de risco – desde o mínimo até ao inaceitável – e impõe requisitos rigorosos para os de alto risco, tais como transparência, supervisão humana e robustez técnica. A legislação visa prevenir discriminações, proteger a privacidade e garantir que a IA seja usada de forma ética. Ou seja, de uma forma que a ficção, por mais admirável que seja, nunca previu.
As empresas europeias enfrentarão desafios significativos com a implementação do AI Act. E as portuguesas, com particular enfoque as PME, são particularmente visadas por estes desafios, pois a conformidade com o novo regulamento exigirá investimentos substanciais em tecnologia e consultoria jurídica. Haverá a necessidade de adaptar ou redesenhar sistemas de IA para atender aos citados requisitos e esse processo é oneroso. Isto traduzir-se-á num aumento de custos operacionais e consequente impacto na competitividade, especialmente se comparadas com empresas fora da UE que não estão, pelo menos para já, sujeitas às mesmas normas.
Por outro lado, é inquestionável que o AI Act não será só “Rage Against the Machine”, pois também oferecerá oportunidades. As empresas que se adaptarem rapidamente às novas regulamentações ganharão vantagens competitivas, pois estarão mais bem posicionadas para exportar os seus produtos e serviços para outros países que exigem altos padrões de segurança e ética na IA. Para além disso, a conformidade com o AI Act fortalecerá a confiança do consumidor, um fator crítico no mercado digital.
Mas como prevenir, afinal, a ascensão das máquinas?
Para aproveitar estas oportunidades, as empresas terão de agir preventivamente, antecipando a vaga avassaladora de supervisão que caracteriza os avanços legislativos. É essencial que invistam em formação e capacitação para entender plenamente os requisitos do AI Act e para desenvolver competências que garantam cumprimento e conformidade. Existem no mercado empresas tecnológicas que poderão apoiar este movimento de inevitável mudança, dotadas de capacidade para, simultaneamente, satisfazer os requisitos tecnológicos e jurídicos.
É inegável que esta lei constitui um marco regulatório, visando equilibrar a inovação com a proteção de direitos fundamentais. Para as empresas, e tal como sucede em cada revolução, desde a agrícola à tecnológica, passando pela industrial, o sucesso reside na capacidade de adaptação. Ao prepararem-se convenientemente, as empresas podem posicionar-se na vanguarda da revolução digital.
Assim, o AI Act será um travão ao desenvolvimento tecnológico, sim, mas apenas no sentido de entendermos o travão não como o instrumento que nos para, mas sim como o instrumento que nos permite ir mais depressa, mas sem acidentes pelo caminho.