O João e a Maria são amigos de longa data e foram colegas de escola, mas a Maria é ligeiramente mais velha do que o João. Graças às medidas de apoio aos jovens anunciadas pelo actual Governo, o João vai comprar a sua primeira casa e beneficiar de isenção de IMT. A Maria não. Também graças às medidas de apoio aos jovens anunciadas pelo actual Governo, o João ainda conta beneficiar de redução de IRS. A Maria não.
O João e a Maria já têm filhos. A filha do João nasceu no dia 1 de Setembro de 2021 e o filho da Maria no dia 31 de Agosto de 2021. Graças à medida das creches gratuitas, criada pelo Governo anterior, o João não paga nada pela creche da filha. A Maria paga.
A baixa natalidade e a dificuldade de retenção de jovens qualificados em território nacional são problemas graves a que o país não pode deixar de dar resposta, mas num país com tantos problemas estruturais – da produtividade aos rendimentos, do parque habitacional à fiscalidade – não é com uma nova discriminação etária que se resolverão.
Os três exemplos que dei, os dois recentes do actual Governo (IMT e IRS) e o mais antigo do anterior Governo (Creches), são discriminações sim e, se não anti-constitucionais, claramente a pisar o risco.
É verdade que o artigo 13.⁰ da Constituição da República Portuguesa, afirmando que “ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual”, não refere a idade, mas dificilmente se imagina o legislador a acrescentar um ponto ao artigo dizendo “sem embargo do exposto no número anterior, podem os portugueses ser objecto de privilégio em função da data de nascimento.”
Leitor mais rigoroso dirá que há uma idade para a maioridade, e que essa idade define direitos e deveres diferenciados da idade anterior. E acrescentará que a própria Constituição dedica artigos (69.⁰, 70.⁰ e 72.⁰) à infância, juventude e terceira idade (sem definir as idades para essas etapas da vida), mas, digo eu, com a intenção de protecção especial dessas fases da vida e não de discriminação positiva.
Há, talvez, uma explicação para os 35 anos: a partir dessa idade já se pode concorrer à Presidência da República e o problema da habitação fica resolvido com um Palácio em Belém.
Mais a sério: o artigo 59.⁰ diz que “todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna”. Ora, apesar de não haver uma referência expressa à questão fiscal, tratando-se o IRS de imposto sobre rendimentos de trabalho, e não sendo a idade factor de progressividade fiscal, não se poderia argumentar que, à luz deste artigo, a medida ora apresentada é inconstitucional?
O meu ponto, estimado leitor, é, todavia, outro: menos jurídico e mais político, menos fiscal e mais filósofico.
O critério para auxílio do Estado deve depender menos da idade e mais do estadio de vida em que o cidadão se encontra. Pelos meus 35 anos, já tinha comprado e vendido 5 casas, pago SISA (sim, já não sou jovem), IMT, IMI, imposto de selo e mais-valias, hoje há quem com 40 anos nem uma casa tenha conseguido comprar. São estas pessoas menos merecedoras de condições favoráveis para a compra de habitação própria? E não configurará esta situação um claro caso de discriminação, designável por idadismo?
Retomo o ponto: o critério para auxílio do Estado deve depender menos da idade e mais do estadio de vida em que o cidadão se encontra. Como dizia o Padre António Vieira, no Sermão das Exéquias do Conde De Unhão D. Fernão Teles de Menezes de Feliz Memória: “nem todos os anos, que se passam, se vivem: uma coisa é contar os anos, outra vivê-los; uma coisa viver, outra durar. (…) As nossas acções são os nossos dias: por elas se contam os anos, por elas se mede a vida: enquanto obramos racionalmente, vivemos; o demais tempo duramos”.
Portugal, é certo, precisa de um Governo que dê esperança e que, nisso, não se dispense de rigor, sabendo de antemão que rigor sem esperança é austeridade e que esperança sem rigor é despesismo. Reconheço nas intenções do Governo um firme propósito de trazer esperança aos portugueses, esperança num futuro mais próspero, mas num país tão asfixiado fiscal e burocraticamente, numa sociedade tão achatada e sem oportunidades, duvido que o caminho da segmentação etária seja a solução.
Pedro Gomes Sanches escreve de acordo com a antiga ortografia.