Prezados leitores neste caminho pomposo de carreira política à direita,
Escrevo-vos apoquentado, mas, mesmo assim, profundamente crente no poder biológico de liderança intrínseco à natureza do homem.
Nos últimos anos, com a ascensão do Movimento Feminista, temos assistido a inúmeros episódios reprováveis e humilhantes de mulheres que acham que a sua opinião, mais do que válida, é necessária. Esta impertinência social chegou, inevitavelmente, ao campo da política, onde eu e o leitor nos inserimos.
Antes das últimas eleições legislativas, chegámos mesmo a ter 40% de mulheres no Parlamento. Imagine-se só o terror de ter mulheres a mandar. Nem na minha casa, nem no meu país! Felizmente, nas últimas eleições, eu, em conjunto com os grandes líderes políticos, conseguimos descer a percentagem de mulheres a ocupar assentos parlamentares para 33%. Como? Através do meu método de alienação das mulheres na política em três Actos. Contar-lhe-ei tudo de seguida, para se poder juntar à nossa força masculina de liderança.
Acto I: Aprenda com os Gregos
Caro leitor, observe atentamente como até aos dias de hoje é comumente considerado que a Grécia Antiga é o berço da democracia (Perez, 32). Assim foi escrito e assim o aprendemos e propagamos. No entanto, nenhuma mulher podia votar ou sequer ter opinião pública, logo não era uma democracia, mas uma Falocracia. Se por um lado este termo foi o mote de contestação do movimento feminista no pós 25 de Abril — “Democracia sim, Falocracia não” —, a meu ver trata-se de um elogio. Não seria a falocracia perfeita? A cultura ocidental é perita há milhares de anos em silenciar mulheres (Beard, xiii) e como nós gostamos de perpetuar tradições! Já dizia Aristóteles, discípulo de Platão, que “o primeiro desvio da espécie é que a descendência se possa tornar fêmea em vez de macho”.
Sigamos o exemplo de Aristophanes, que dedicou, no século IV a.C., uma comédia à ‘hilariante’ ideia de ter mulheres nos lugares da Assembleia Política — Assemblywomen —, de forma a mostrar, à moda da Antiguidade, que os políticos de Atenas falavam “como mulheres”. Um dos exemplos de misoginia que tanto apreciamos.
Assim, sempre que se sentir ameaçado pelo discurso coeso e racional de uma mulher no Parlamento, pense: que piada escreveria Aristophanes? E aí terá a sua resposta. Na falta de maior criatividade, um mugido ou um insulto como “vaca” fica sempre na memória, como bem o sabem as deputadas parlamentares no nosso país. Mas tenha em atenção, faça-o com o microfone desligado ou em situações em que não haja muitas testemunhas, precisamente devido ao capítulo seguinte deste manual.
Acto II: Adira à paridade performativa
Como bem sabemos, infelizmente, já não vivemos na Grécia Antiga com a nossa amada Pura Falocracia. Hoje em dia, a luta pela igualdade de género quer-nos tirar o poder absoluto. Facilmente seremos cancelados pela esquerda se não apresentarmos a mínima preocupação com a realidade das mulheres. Assim, a minha estudada sugestão é que se ponham mulheres nas listas partidárias, mas mais para o fim, em lugares de menos destaque, com menos probabilidade de serem elegidas e na menor quantidade possível dentro do aceitável.
Assim, podemos dizer que cumprimos uma cota de, imagine-se o exagero, um terço de mulheres na lista, evitando ao máximo que alguma vá a debates televisivos. Esta prática de paridade performativa protege-nos de dois grandes cenários. Primeiro, assegura o poder masculino no Parlamento. Segundo, impede que uma mulher da nossa lista da amada direita vá a debate com, imagine-se, Catarina Martins, e se junte antes à esquerda quando se sentir ouvida e representada. Não, senhor, não pode ser! Protejamos as nossas mulheres dos ensinamentos de liberdade da esquerda. Não, não merecem liberdade, precisam é de controlo. E fujamos a sete pés da paridade das listas do Livre, que só trazem confusão à ordem masculina natural.
Um segundo ponto a destacar neste capítulo é o quão indispensável é alimentar a crença de que a meritocracia é uma realidade, não um mero mito. Assim, afastamos a possibilidade de um aumento de quota obrigatória fixa de 50-50% no Parlamento. Na verdade, está de momento a decorrer uma petição que defende que a Assembleia da República só pode representar devidamente a população portuguesa quando tiver paridade de 50% homens e 50% mulheres, como se a visão do país de uma mulher valesse tanto como a de um homem. Se a política é um campo estruturalmente construído por homens, conseguimos continuar com uma baixa presença feminina. Por isso, não assinem esta tão bem redigida petição.
Como exemplo de paridade performativa, refiro a grande Universidade Bauhaus que, já em 1919, fez campanha com a abertura das candidaturas tanto para homens como para mulheres. No entanto, as alunas universitárias eram encaminhadas para práticas mais dignas de mulher, como a tecelagem, enquanto o estudo da pintura e da escultura seria mais indicado para os alunos homens. Walter Gropius, fundador da Bauhaus e a nossa referência de paridade performativa, defendia que esta separação era mais do que válida, já que acreditava que os homens pensavam em três dimensões e as mulheres somente conseguiam pensar em duas. E sabem de onde nasceu esta retórica brilhante da nossa referência-pai? Gropius assustou-se quando, no primeiro ano de candidaturas abertas com igualdade de género, houve mais mulheres a candidatarem-se do que homens. Assim, para além restringir o número de candidaturas femininas aceites, de forma não oficial, claro, criou esta crença dos diferentes tipos de visão. Não se esqueça: uma mentira proferida muitas vezes pela boca de homens, num piscar de olhos, vira lei.
Acto III: Potencie a Descrença nas Mulheres
Neste último acto, trago-lhe um caso de estudo: a Orquestra FIlarmónica de Nova Iorque. (Perez, capítulo 4).
Em 1970, devido a relatos de sexismo contra as candidatas, que culminou num processo em tribunal contra a Orquesta Filarmónica de Nova Iorque, esta foi obrigada a fazer audições cegas. Deste modo, as audições passaram a ser feitas com um biombo a separar o comité de seleção e o/a instrumentista. Procurava-se, então, garantir o acesso meritocrário aos lugares, praticamente vitalícios, da orquestra. Como consequência, no princípio dos anos 80, as mulheres chegaram a representar mais de 50% da Orquestra.
Ora, como vemos através deste exemplo, parece-nos notório que as mulheres podem ser tão boas ou melhores do que os homens que antes ocupavam os seus cargos profissionais, se lhes for dada igualdade de oportunidade. Acima disso prova que, muitas vezes, só é negado o lugar às mulheres por, simplesmente, serem mulheres. O que é que isto nos ensina? Três grandes pontos:
- Temos de relembrar a população, de forma recorrente, da condição naturalmente inferior das mulheres.
- Se não tivermos cuidado, a sua racionalidade e destreza de navegação em áreas profissionais, conquistará o nosso território másculo.
- Pior ainda, se não nos precavermos, um dia destes teremos o bem comum da população a ser o primeiro fator a ser tido em conta na política, com paridade profissional nos vários ramos intelectuais.
É aqui que o poder de liderança naturalmente inscrito no nosso ADN masculino nos salva.
Se uma mulher tem uma boa ideia, mas naturalmente não é ouvida, repita essa mesma ideia, com a sua voz máscula. A ideia passa a ser sua, já que passou pelo filtro do gene biológico da liderança. Lembre-se: não foi por acaso que Thatcher teve aulas para engrossar a voz!
A voz mais grave dos homens tem, na verdade, o propósito biológico de conseguir interromper facilmente uma mulher. Toda a gente de bem sabe que quando uma mulher fala mais alto torna-se histérica, mas quando se trata de um homem tal torna-o poderoso e digno de atenção.
Quanto à reacção por parte das mulheres, normalmente, elas deixam-se interromper. Se ela der luta, ria-se com cara de gozo e ignore-a. É como o som do frigorífico: acabamos por nos habituar e deixamos de o ouvir. Se a senhora deputada continuar a insistir, pergunte mesmo se a pode interromper. Na eventualidade ínfima de ela dizer “não, não pode”, repita a cara de sonso e estabeleça que está a fazer um favor à senhora deputada se a deixar continuar com o seu raciocínio.
Nunca se esqueça: potencie a descrença nas mulheres, mesmo quando elas têm razão. Temos que abafar ao máximo o facto das mulheres possuírem níveis superiores de escolarização, logo estarem mais bem informadas. É urgente alimentar a crença de que durante o crescimento os rapazes não devem ser devidamente responsabilizados pelos seus atos, mas quando crescem tornam-se a escolha óbvia para altos cargos de decisão. Se lhe parecer contraditório, como obviamente é, lembre-se do seu gene biológico de liderança e que como o mundo só continuará segundo a ordem que conhecemos se as mulheres forem alienadas da esfera política e dos espaços de opinião.
Neste contexto de supremacia masculina, já há relatos bem detalhados de mulheres que, estranhamente, aderiram à nossa causa machista. (Só lhes temos a agradecer!) Digo-lhe sem rodeios, caro leitor, que ainda estou a tentar perceber a razão de tal acontecimento. Creio que será por invejarem e quererem replicar a nossa capacidade biológica de liderança, desprezando, por incrível que pareça, os direitos das pessoas do seu próprio género. Penso que este tipo de acontecimentos poderá ser incluído numa derivação de Paridade Performativa, se continuarem a haver mais dissidentes deste calibre.
Até breve, caro leitor
Dou por terminado este manual que, sendo seguido com afinco, promete manter o Parlamento num autêntico espelho do poder social ainda atual: uma sociedade misógina, onde as mulheres têm minoria de poder, fraca representatividade em altos cargos e são recorrentemente alvo de comentários depreciativos, sexistas e homofóbicos. Desta forma, conseguiremos manter o domínio da política nos homens, que tanta guerra e desgraça nos trouxe em vários contextos da História. Porque o dinheiro, o instinto carnal e o conservadorismo é que são realmente os regentes da nossa ordem. E não há nada mais confortável do que a ordem que já conhecemos.
Deixo, ainda, uma advertência. Mesmo seguindo todos estes ensinamentos, é possível que surjam forças contrárias à desejada ordem falocrática, como é o exemplo do referido manifesto-petição pela paridade na ocupação dos assentos parlamentares, que já conta com mais de 2800 assinaturas — redigido por Joana Torres e Maria Helena Santos, em representação do Movimento Paridade. Se, porventura, leu o manifesto e até o achou plausível, respire fundo e não deixe que o cortisol lhe tolde o seu gene biológico da liderança. Lembre-se: elas só teriam razão se fossem homens.
Agora, sim, despeço-me, estimado leitor. Se tiver alguma questão, poderá encontrar-me num nível bem acima do tecto de vidro de carreira das mulheres.
Com os mais prezados cumprimentos,
Octário Maria de Oliveira Nacional
Este manual encontra-se escrito segundo o Antigo Acordo Ortográfico, claro.
Bibliografia e artigos destacados:
Mulheres Invisíveis, de Caroline Criado Perez, Capítulo 4, “O Mito da Meritocracia”.
Women and Power, de Mary Beard, Introdução e Capítulo “The Public Voice of Women”.
Artigos sobre a Bauhaus:
Acusação de recorrentes insultos misóginos, racistas e homofóbicos, vindos de deputados do Chega:
Expresso