Bilhete de identidade Idade: 61 anosCargo: Vice-presidente executivo da AIMMAP – Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal; vice-presidente da direção e da comissão executiva da CIP – Confederação Empresarial de Portugal; presidente do conselho de administração da CERTIF e administrador do CATIM e da Produtech; advogado e sócio da CPA AdvogadosFormação: Licenciado em Direito, Universidade Católica do Porto
O setor simplificadamente conhecido como do metal mais do que duplicou as exportações numa década e deixou de competir pelo preço, estando inclusivamente preparado para entrar no segmento das indústrias de defesa. A desvantagem é a dimensão. Esta é a perspetiva do vice-presidente executivo da Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal (AIMMAP), convidado desta semana das Conversas com CEO integradas na iniciativa Negócios Sustentabilidade 20|30. Numa entrevista aqui editada, que pode ser ouvida na íntegra em podcast e que foi dada antes de se conhecer o programa do Governo “Acelerar a Economia”, Rafael Campos Pereira acaba por ir ao encontro de algumas das medidas anunciadas, nomeadamente as relativas aos impostos e as que pretendem estimular as empresas a ganharem dimensão. É muito crítico das obrigações de reporte, que estão a ser exigidas pelas regras europeias, porque considera que muitas delas são meramente burocráticas. A dificuldade das empresas em interagir com o Estado, num quadro em que considera que “temos licenciamentos absolutamente grotescos”, leva-o ainda a afirmar que a “qualidade do serviço público é absolutamente lamentável neste momento”, apesar de o Estado ter aumentado a sua despesa. O Orçamento do Estado para 2025, na sua opinião, vai ser aprovado.
Tem uma longa carreira no mundo empresarial. O que identifica como marca mais positiva?
Temos feito um percurso muito interessante a ajudar as empresas do setor a posicionarem-se melhor e temos assistido a uma evolução muito significativa. Galvanizámos as empresas para serem cada vez melhores, definindo estratégias assentes na sofisticação, na diferenciação e deixando de competir com base em preços mais baixos. Assistimos à duplicação do volume de exportações em pouco mais de 10 anos, o ano passado exportou 24 mil milhões de euros. E conseguiram-se estes resultados com empresas com mais valor acrescentado, que apostaram na inovação e na propriedade industrial, que se certificaram, que procuraram dar melhores condições de trabalho, que apostaram no cumprimento das normas de proteção ambiental.
E o que identifica como desvantagens ou desafios deste setor?
A desvantagem é a dimensão de muitas empresas e a dificuldade, apesar de também estarmos a fazer algum esforço, de permitir que as empresas se organizem para ganharem maior dimensão. Que haja mais microempresas a quererem ser pequenas, daqui a serem médias, depois a serem grandes e, algumas, a passarem a ser globais. Como já temos algumas em Portugal, de capital português e nossos associados, como a Simoldes, a Colep, a Martifer e outras.
Temos licenciamentos absolutamente grotescos pela complexidade, pela demora, pela burocracia.
Porque é que as empresas não conseguem ganhar dimensão? Boa parte são familiares?
Muitas delas são familiares, mas não é só por isso. A grande maioria das grandes empresas alemãs, por exemplo, no nosso setor, também têm origem familiar. Não conseguimos ganhar dimensão por vários motivos. Em primeiro lugar porque não há estímulos, nem incentivos do ponto de vista fiscal. É uma das razões, mas nitidamente tem a ver com o individualismo português.
Mas há alguma medida que identifique como aquela que podia fazer a diferença?
Estímulos fiscais são importantíssimos. Não estou a pedir menos impostos. Todo o processo de fusão tem custos fiscais que podem ser reduzidos. Uma outra questão é a capitalização das empresas, que em muitos setores, não é o caso do meu, é frágil. Haver também estímulos à capitalização da empresa.
E a formação dos empresários é um problema?
A formação dos empresários é um problema – já foi maior – da economia portuguesa. Tal como a formação de alguns segmentos da força de trabalho. Temos noção de que os empresários, em média, têm níveis de formação inferiores aos trabalhadores, na economia portuguesa em geral e este setor não andará muito longe disso. Nós temos um conjunto muito grande de ações de formação. Essas iniciativas têm tido grande adesão e tem-se avaliado o seu impacto. As empresas cujos gestores passam por esse tipo de ações têm depois emprego mais qualificado, crescem mais em termos de exportações, volume de emprego e valor acrescentado. Medimos as empresas antes das ações, depois e após um período a seguir às ações. E a evolução é sempre muito positiva.
A qualidade do serviço público é absolutamente lamentável neste momento. Há máquinas públicas que não funcionam.
Mas o que é que podia melhorar?
Menos Estado e melhor Estado. A partir da pandemia as coisas ainda pioraram. Reduzimos o horário de trabalho dos funcionários públicos, aumentámos os custos salariais e a despesa pública corrente de forma significativa e a qualidade do serviço público é absolutamente lamentável neste momento. Há máquinas públicas que não funcionam. E recentemente foi anunciado que as finanças e outras repartições públicas vão passar a ser obrigadas a atender o contribuinte. Que coisa extraordinária.
Mas as empresas têm dificuldade em interagir com o Estado?
Grandes dificuldades. A carga fiscal é um desses fatores, mas não é o único. A verdade é que temos excesso de Estado. Temos licenciamentos absolutamente grotescos pela complexidade, pela demora, pela burocracia. E não sei se tem havido algum esforço no sentido de melhorar. Aquilo que sei é que tem piorado.
Este setor do metal, para simplificar, tem na descarbonização um dos seus desafios?
O setor metalúrgico e metalomecânico é muito heterogéneo. Alguns dos subsetores são já altamente descarbonizados. As empresas de corte, por exemplo. Agora, uma empresa de fundição ou de tratamento de superfície, de galvanização, têm um consumo energético superior e algumas delas usam combustíveis fósseis de uma forma geral. Mas mesmo essas têm feito um grande esforço para se eletrificarem, terem mais eficiência energética e implementarem mais modelos de economia circular. Estamos a aproveitar o PRR para, em conjunto com o nosso centro tecnológico, promover um conjunto de iniciativas que visam contribuir para a descarbonização de algumas das nossas empresas.
As grandes empresas têm de fazer um conjunto de reportes por exigência da regulamentação europeia. Já estão a contagiar também as pequenas e médias empresas?
Sim, naquilo que é positivo e no que é negativo. Porque, em alguns casos, a burocracia é brutal, é só reporte. Estas normas do ESG, no imediato, são aplicáveis a 82 empresas em Portugal. Acho muito bem que a exigência seja grande nas questões substantivas. Mas há excesso de reportes meramente burocráticos.
A responsabilidade é da regulamentação Europeia?
Há um excesso de reporte em Portugal, amplificado por uma obsessão incrível que se tem verificado nos últimos anos dos eurocratas, que basicamente mais não têm efeito do que justificar a sua existência e os seus postos de trabalho. Admito que a situação poderá estar a melhorar. Antes das eleições europeias, os grandes partidos perceberam que vinha aí um cartão amarelo de voto e protesto na Europa. E não é só a questão dos imigrantes, muitas vezes invocada em França, Itália ou Espanha. Os agricultores franceses e belgas fizeram-nos acordar porque o caminho estava a ser quase irreversível para o abismo.
Isso tem significado custos adicionais para as empresas que têm de reportar?
Claramente. Tem sido avassalador, muitas delas não estão preparadas, não têm quadros suficientes, têm de admitir pessoas. E compromete a viabilidade de algumas microempresas, porque têm que subcontratar os serviços.
Como é que se vai solucionar o problema? Podem perder clientes…
Não é só o cliente que exige, é a banca, é o Estado português e é a regulação. E em Portugal, ainda não sabemos quem é que vai ser o regulador na questão do ESG. Tudo depende se é a Economia ou o Ambiente. E sempre que o regulador é uma entidade ligada ao Ambiente, seja a APA, ou outro, as coisas não funcionam. Com a Economia as coisas podem funcionar melhor.
A instabilidade das regras é outro problema?
Completamente. Por exemplo, na fiscalidade, na opacidade, na instabilidade e imprevisibilidade. São fatores que constrangem muito a atividade empresarial. Fala-se no investimento estrangeiro, mas o valor acrescentado de grande parte dele é reduzido aos salários, aos negócios que fazem com algumas empresas que subcontratam e a pouco mais. Porque praticamente não pagam impostos. Muitas das grandes empresas de capital estrangeiro praticam preços de transferência e o grosso dos impostos pagam noutras paragens. E, portanto, se o IRC baixar, a receita fiscal vai subir porque vamos estimular mais empresas a pagarem impostos em Portugal.
Estamos a viver em Portugal momentos de risco político. Como é que olha para a atual situação? O Orçamento do Estado vai ser aprovado?
A AD ganhou, com uma margem pequena, mas ganhou as eleições. O líder do principal partido da oposição teve uma atitude muito responsável no dia das eleições. Não faz sentido que, tendo viabilizado este Governo, não o deixe governar. É suposto é que este Governo, apesar da sua fragilidade, governe quatro anos. Compreendo que vai ser difícil. O terceiro principal partido é muito imprevisível. Há aqui uma incógnita muito grande. Mas admito que o próximo orçamento seja viabilizado pelos mesmos motivos que, na altura, o líder do Partido Socialista entendeu que deveria viabilizar este Governo. É verdade que há fatores que vão ser relevantes, como as sondagens, as pressões dentro dos partidos para que se apoie ou não, particularmente no Partido Socialista.
No quadro atual, estão a retirar vantagem da desglobalização?
Prefiro chamar globalização fragmentada ou segmentada. O ano de 2023 foi o melhor de sempre do setor. As exportações foram extraordinárias. E este ano, apesar da instabilidade, a variação homóloga é de menos 2%. Mas o crescimento em maio, o último mês medido, já foi significativo.
E a perspetiva é que volte a recuperar?
A perspetiva, para já, é que volte a recuperar. Mas 2024 vai ser marcado pelas eleições nos EUA em que é muito possível que Donald Trump reassuma o lugar de Presidente e não sabemos como é que a guerra vai continuar. A pandemia levou toda a gente a dizer que íamos ter autonomia estratégica. Mas não aprendemos nada. Agora começa-se a falar da necessidade de investimento. Por exemplo, a defesa é um segmento onde o setor metalúrgico e metalomecânico pode responder, porque tem capacidade instalada que se pode converter facilmente. Estamos preparados para trabalhar segmentos da aeronáutica, do aeroespacial, mas também do automóvel e do ferroviário. E com postos de trabalho sofisticados, que podem empregar muita gente e atrair mais pessoas para trabalhar aqui. Em todas as crises consegue-se aproveitar oportunidades. Pode ser uma oportunidade de negócio para as empresas, mas particularmente é um desafio para os países europeus que podem perder a proteção dos EUA e que são obrigados a investir cada vez mais na sua própria defesa.