O crítico da CNN não resistiu: “Numa rara vitória dos Clippers sobre os Lakers, Clipped é a segunda série dramática recente dedicada a uma das equipas de Los Angeles da NBA, mas também a melhor.” Clipped — Escândalos nos Los Angeles Clippers é uma série que prova que ter o canal linear norte-americano FX sob a alçada do grupo Disney é uma mais-valia para a plataforma Disney+. A história é real e irresistível — desporto ao mais alto nível à mistura com um milionário racista, uma amante, uma mulher traída, exploração imobiliária também racista e egos tão grandes quanto a envergadura de braços de DeAndre Jordan ou Blake Griffin.
Estreada dia 4 deste mês na Disney+, tem talvez como maiores defeitos a imagem promocional (uma mão feminina de unhas de gel bem longas a agarrar duas bolas de basket do tamanho de, adivinhou, testículos), algumas falhas no casting e irregularidade no equilíbrio que faz entre o drama desportivo, esse íman televisivo, e novela de interesses e escândalo que decorrem em paralelo. Mas isso não lhe retira méritos. Aliás, o veterano Brian Lowry diz mesmo que esta é uma série “de ouro maciço” e o Los Angeles Times elogia-lhe a escrita inteligente.
Vamos aos factos: Donald Sterling, que hoje tem 90 anos, era o dono dos Clippers, a “segunda” equipa de basquetebol de Los Angeles e que se dizia amaldiçoada por nem sequer à primeira ronda dos playoffs ter chegado na sua já longa existência. Tinha a sua mulher (interpretada por Jackie Weaver) mas também uma assistente jovem, bonita, ambiciosa e astuciosa (interpretada por Cleopatra Coleman) que o acompanhava para todo o lado e era como uma amante semiplatónica (…). Os Clippers contrataram o histórico Doc Rivers (Laurence Fishburne) como treinador de uma equipa cheia de bons jogadores mas muitos egos em choque, e a sua influência levou a equipa aos playoffs e a resultados inéditos.
Mas há um escândalo no título em português e, para os menos aficionados da NBA ou dos podcasts, passe-se a explicar que Clipped tem por base o excelente podcast da série 30 for 30, do canal desportivo ESPN, que explorou a estrondosa queda de Sterling (interpretado por Ed O’Neill, o patriarca de Uma Família Muito Moderna mas também o actor de muitos filmes em que foi o “durão”).
O escândalo, que explodiu entre 2013 e 2014, em plena era Obama e coincidindo com o movimento Black Lives Matter, é o seguinte: Sterling era tão casualmente racista que tratava os jogadores como sua propriedade, exibindo-os nos balneários ou em festas como espécimes excepcionais. Mais: com a sua mulher, Rochelle, geria o império de imobiliário do casal, que estava em permanente crescimento mas também em violação, à semelhança do que foram acusados Donald Trump e a sua família, de direitos básicos ao discriminar selectivamente. Inquilinos negros, latinos ou com filhos? Nem pensar.
Eis que entra em cena uma mulher de 31 anos que grava conversas-chave de Sterling com ela ou terceiros. Em que ele insulta os negros em geral, diz que a vê como uma “latina clarinha” ou que proíbe Magic Johnson, um dos tesouros da liga americana, de ser convidado para o pavilhão dos Clippers. Quando ela começa a perder o seu peso junto de Sterling, as gravações tornam-se públicas. A reacção da NBA foi considerada exemplar, mas isto já é entrar em território spoiler para os seis episódios (o quinto estreia-se esta terça-feira), e o mais fascinante é temperar este lado com o trabalho de balneário de Rivers.
Clipped — Escândalos nos Los Angeles Clippers não é Winning Time, a série da HBO que teve apenas duas temporadas e enfureceu muita gente do meio na sua tentativa espalhafatosa de retratar a ascensão da “dinastia” vencedora dos Lakers. Winning Time, de Adam McKay e companhia, era estilizada, estilosa, e tinha um grande trunfo que Clipped não tem: mais jogo, mais campo, mais táctica.
Clipped tem os vícios das actuais séries que tentam estar a par da linguagem visual das redes sociais, mas a sensibilidade da autora, Gina Welch (Feud, Under the Banner of Heaven, Station Eleven), consegue transmitir quão erradas eram as dinâmicas de poder naquela organização e na família sem ser panfletária. O que seria totalmente aceitável, mas o que no momento actual pode ser a melhor forma de oferecer umas ideias progressistas ao espectador mais descontraído.