No clube de ténis, há um pequeno snack-bar com uma esplanada muito agradável. E eu confesso, se frequento o clube com a assiduidade de uma atleta a sério, tal se deve, em grande parte, a essa esplanada. Bater bolas com as amigas é bom, mas o café antes de ir para o court e o suco no pós-treino são o que verdadeiramente me move. E quem diz suco, diz mimosas, especialmente à sexta-feira, quando nenhuma de nós tem compromissos profissionais nem urgências.
Foi numa tarde serena de primavera que, depois de uma hora mal jogada com a minha melhor amiga, nos sentámos e eu fiz sinal ao garçon para pedir as bebidas. Ele, surpreendido, veio até nós e perguntou “a senhora chamou-me?” Fiquei baralhada, “desculpe, o menino não trabalha aqui?” Ele riu-se, “não, não”. Mas por que raio é que alguém vem para o clube de ténis com uma camisa azul escura, abotoada praticamente até cima, e umas calças brancas? “Estou só à espera de uns amigos”, respondeu-me. Ficou claro que não pertencia ali. E foi assim que eu conheci o Nuno. Meti-me com ele. “Bom, mesmo assim o menino teria a gentileza de ir lá dentro pedir dois cosmopolitans para estas duas senhoras de idade, exaustas, cansadíssimas, derreadas de tanto ténis para cá e para lá?” E ele riu-se de novo, “claro que sim, com todo o gosto”. Trouxe-nos as bebidas, “por conta da casa”, disse, mas não foi, foi por conta dele. “Ó meu querido, volte, por favor, amanhã à mesma hora”. E ele assim fez: no dia seguinte, quando nos viu sentar, veio até à mesa e perguntou o que desejávamos. Obviamente, eu já o desejava a ele.
Ser uma mulher de meia idade, às portas dos cinquentas, divorciada e com uma vida recheada de conforto – sobretudo depois de aos rendimentos familiares se terem juntado as pensões resultantes do acordo pelo divórcio – tem evidentes benefícios. Infelizmente, nenhum deles se concentra na vida sentimental. Encontrar um homem que nos apaixone é praticamente utópico. Como diz o povo, os bons estão tomados. Os outros são pouco interessantes, principalmente quando pensamos em homens da nossa idade, que não são os cavalheiros que idealizávamos na adolescência. Os mais velhos estão fora de questão, que essa opção só é legítima quando, na flor da idade, nos deslumbram os requintes que a experiência acrescenta e a sabedoria que só o tempo permite. Porém, chegada aqui, a minha experiência mais que me basta, e já deu para perceber que a única sabedoria que o tempo traz se pode resumir à velha máxima de Sócrates, aquele que dizia não ser ateniense nem grego: “Só sei que nada sei.” Era um jardim de paradoxos, esse Sócrates, até porque era ateniense, sim, e grego, pois claro que também. Contudo, tinha a sua razão. Uma pessoa quanto mais envelhece, melhor percebe que, no fundo, não percebe nada.
É a frescura que nos encanta. Quando uma mulher ainda não é velha, tem bem presentes as memórias dos momentos e das sensações, dos prazeres e dos desgostos que fazem a vida valer a pena quando a idade ainda não interessa para nada (a não ser quando nos pediam o bilhete de identidade para entrar no Alcântara Mar ou no Plateau). O que já não temos presente é a frescura desses anos doces, em que a vida, que parecia tão difícil, era afinal fácil e simples. E é essa a frescura que, quando a encontramos noutra pessoa, nos desperta os instintos adormecidos – adormecidos, mas não há tempo suficiente para que se tenham apagado. E o Nuno, quando apareceu no dia seguinte, fez-me rejuvenescer uns bons 20 anos. Vejam bem, um rapaz com pouco mais de metade da minha idade, a entrar no jogo da sedução, a mais bela dança intangível que o ser humano jamais inventou. Naturalmente, apaixonei-me num ápice.
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O Nuno passou a acompanhar-me para todo o lado. Estávamos juntos em privado e era juntos que andávamos também em público, nos jantares, nas vernissages, nos desfiles, nos encontros, nas inaugurações, fosse qual fosse a ocasião. E eu sabia que nas minhas costas muito se falava, muito se dizia, algumas amigas mais próximas brincavam, faziam piadas, perguntavam-me se o tinha conhecido na festa de aniversário do meu filho, se eles eram amigos. Outras não tinham a confiança nem a coragem para me dizer na cara o que em sussurro diziam logo que eu virava as costas, mas eu sei que houve quem dissesse que eu lhe pagava para estar comigo. Meu Deus, quanto maldade. É certo que eu sustentava todo aquele modo de vida, um modo para o qual o Nuno não estava seguramente preparado. Aliás, reformulo: para o qual não tinha dinheiro. Preparado estava ele. Há coisas que a alta sociedade confunde e baralha. Uma delas é o perfil aristocrático, que não tem a ver com berço nem com sangue. Isso era dantes, quando os títulos valiam alguma coisa. Hoje em dia, que a feira de vaidades tem porta aberta para qualquer novo-rico, a nobreza é muito mais uma qualidade, um dom natural, do que um título hereditário.
Quando hoje recordo os detalhes do Nuno e do seu comportamento num meio que até então desconhecia, reconheço-lhe o talento e a sensibilidade de um Tom Ripley, à maneira de Highsmith. Sagaz, brilhante, praticamente camaleónico, num instante conseguia tornar-se parte da festa ou do grupo. Sem exageros, sem malabarismos desastrados e desnecessários, com uma classe que lhe vinha naturalmente sabe-se lá de onde, uma compostura e uma segurança que, comecei a notar, não me encantavam só a mim. As mulheres, até algumas daquelas que, nas costas falavam de nós, começavam a olhá-lo afinal como um… nice catch, como se diz lá fora. E isso redobrava o meu gozo.
As mais afoitas perguntavam-se sobre os detalhes íntimos. Queriam saber tudo, queriam saber muito mais do que eu tinha para dizer. As nossas brincadeiras eram normalmente muito puras, muito espontâneas. Tínhamos uma vida normal, saudável, amávamo-nos com muita regularidade e, sim, o Nuno era muito bom no que fazia. Não era o mais experiente dos homens, o que é natural, mas a sua sensibilidade estendia-se também a campos e recantos que, na hora H, importam ainda mais do que o saber-estar social. Depois, fisicamente era jovem e forte, era resistente. E não se pode dizer que não tivesse apetite. Eu contava estas coisas e via nos olhos das amigas o brilho da curiosidade e da cobiça.
Quando conheci o Nuno, eu tinha 47 anos, ele 25. Não é uma diferença de idades, é um abismo de existência a separar-nos. E também por isso, enquanto deixei que o coração e os sentimentos se envolvessem com extraordinária liberdade, a razão, bem apetrechada com as armas que a idade concede, manteve-me a cabeça no lugar. Sabia desde o primeiro dia que não iríamos durar para sempre. Mas sabia também que aquela talvez fosse a última oportunidade da minha vida para desfrutar de um amor apaixonado e romântico, com sexo como nos tempos de juventude e um verdadeiro encantamento pela beleza de um homem. E então fui equilibrando os dois pratos da balança até ao limite do possível. Com o passar do tempo e a perda da novidade, tornámo-nos menos embevecidos. Acontece com todos, nós não seríamos exceção. O mundo novo e requintado, cheio de reflexos de cristais e solas vermelhas nos saltos altos que apresentei ao Nuno já não tinha para ele o mesmo poder sedutor. Já conhecia as pessoas, os lugares e as rotinas, antecipava os sabores dos vinhos, a consistência dos pratos e os tempos de viagem. Deixou de o surpreender. O seu charme, no entanto, não diminuiu, tal como não diminuiu a cobiça das mulheres do meio.
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Quando as saídas sem mim começaram a ganhar uma frequência que me pareceu exagerada, ou seja, quando comecei a sentir-me sozinha de novo, confrontei o Nuno. Perguntei-lhe se estava farto de mim, se tinha uma amante, se queria mudar de vida. Sentiu-se ameaçado, mas eu não percebi porquê. Respondi-lhe que só queria saber se existia mais alguém, porque se existisse, então a nossa relação talvez não fizesse sentido. Achou que o estava a chantagear. Garanti-lhe que não era disso que se tratava, que só queria saber com o que contar e o que esperar, e depois decidir em que moldes podíamos continuar. Fui o mais honesta que pude, falei abertamente sobre tudo. “Achas que me podes comprar?”, respondeu-me visivelmente irado. Eu sorri e pedi-lhe que baixasse o tom de voz. Ele ficou furioso. “És uma velha embaraçosa”, gritou-me. “Respeita-me, tenho idade para ser tua mãe”, disse-lhe eu, e ele deu-me uma bofetada que me doeu por todas as bofetadas do mundo. Mas não me doeu tanto quanto pô-lo na rua. Que levasse tudo e rapidamente.
O Nuno saiu, muito irritado, muito chateado, mas mesmo assim confiante. Acho que nunca conheci um homem tão confiante, e eu conheço homens que são donos de autênticos impérios. Mas o que sobra ao Nuno em espírito, falta-lhe em substrato. Não possui o cálculo mental dos que jogam este jogo. É um Mr. Ripley talentoso, mas incompleto. Fiz questão de garantir que nunca mais ouviria falar dele. Nem eu, nem nenhuma das minhas amigas que o cobiçavam e o afastaram de mim. Só espero que esse rapaz esteja bem.
*Se conhecer uma história real envie-a para m.oliviasebastiao@gmail.com. As suas ideias podem dar origem à história do próximo sábado.