Os recentes acontecimentos do festival da Eurovisão, nomeadamente aqueles relacionados com a delegação israelita e consequentes manifestações, dever-nos-ão fazer refletir sobre as reais consequências da politização de aspetos que nós tentamos cunhar como completamente “laicos” à política.
Foi notável a falta de consenso no que toca a esses incidentes. Por um lado, uma tentativa de causar ainda mais pressão sobre Israel em prol de escolhas políticas que aproximem uma paz à região, ao invés das que estão a ser feitas pelo Gabinete de Guerra de Netanyahu. Por outro lado, uma contra-manifestação de que a Eurovisão não é um palco para manifestações políticas, ou até politizadas.
Mesmo que a UER (União Europeia de Radiodifusão) procure manter-se fiel à sua máxima ideológica como uma organização musical não-política, os valores que esta procura transmitir são, inevitavelmente, políticos, na sua essência.
Se a música resulta da manifestação emocional do seu autor face à realidade, uma realidade inevitavelmente política irá fazer parte da génese dessa mesma expressão. Portanto, é legítimo que assuntos como uma guerra façam parte de uma música. Ou que o representante de um país seja, de facto, associado ao próprio, já que existe um desfile do símbolo político máximo de um país – a Bandeira.
Este problema não é exclusivo da Eurovisão, mas surge também no desporto. Vejamos que a própria criação dos clubes de futebol é um produto de consequências políticas. Resumindo, qualquer movimento capaz de mobilizar as massas torna-se inevitavelmente político e o erro crasso está em resistir a isso.
Esta tendência, que pode parecer natural, traz muitos riscos, já que muitos países (entre os quais se destacam as autocracias violadoras dos Direitos Naturais) investem exageradas quantias financeiras no desenvolvimento de estratégias para se envolverem no desporto e, dessa forma, se tornarem em atores influentes na arena global.
Olhemos para o exemplo do futebol, o Príncipe Herdeiro da Arábia Saudita criou o Fundo de Investimento Público, através do qual milhares de milhões de dólares são investidos no desporto, visando não só garantir que o Mundial 2030 se realize no reino da dinastia Saud, como também garantir a projeção do seu soft power no mundo. Através da compra do Newcastle United, o governo saudita tem acesso direto a uma imensa base de adeptos que farão lobby junto da federação inglesa e dos órgãos de soberania nacional para proteger esse ativo tão querido pelos apaixonados dos Magpies – o dinheiro saudita no clube e na cidade.
Este grupo de países, que assumem um discurso político de cariz nacionalista, nada mais fizeram do que transformar os seus símbolos nacionais em marcas, que tentam projetar pelo mundo inteiro, visando o objetivo mercantilista por excelência. No entanto, esta estratégia mina a nossa maior conquista, enquanto humanidade – a proteção efetiva dos direitos basilares que constituem as nossas democracias.
É portanto evidente que devemos procurar adotar estratégias mais assertivas para a defesa da nossa segurança quotidiana, através de uma postura proativa, que obrigue e até force os países a tornarem mais transparentes as suas estratégias de politização e securitização, aplicando sanções eficientes, denunciando violações e, desta forma, incentivar a democratização do mundo.